Opinião

Efeitos deletérios do IS sobre bebidas açucaradas para pessoas diabéticas em situação de hipoglicemia

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27 de dezembro de 2024, 11h13

A aprovação do Imposto Seletivo (IS) sobre bebidas açucaradas, recém aprovada na regulamentação da reforma tributária introduzida pela Emenda Constitucional nº 132/2023, gera discussões acaloradas sobre seus efeitos sociais e de saúde. Este artigo explora as implicações desta tributação, particularmente em situações de emergência médica enfrentadas por pessoas diabéticas tipo 1, para quem o consumo de glicose rápida é vital em quadros de hipoglicemia. O impacto da medida transcende a arrecadação fiscal, colocando em xeque a efetividade das políticas de saúde pública em atender populações vulneráveis.

Conceito de diabetes e diferenças entre tipo 1 e tipo 2

O diabetes é uma condição crônica que afeta a maneira como o corpo processa a glicose, principal fonte de energia. Existem dois tipos principais:

  • Diabetes tipo 1: É uma doença autoimune em que o sistema imunológico ataca as células beta do pâncreas, responsáveis por produzir insulina. Essa condição geralmente se manifesta na infância ou adolescência e exige a administração de insulina externa para o controle dos níveis de glicose. Pessoas com diabetes tipo 1 têm maior propensão a episódios de hipoglicemia devido à dependência de insulina exógena.
  • Diabetes tipo 2: Caracteriza-se pela resistência à insulina, em que as células do corpo não respondem adequadamente ao hormônio, e por uma produção insuficiente de insulina. Geralmente associada a fatores como obesidade e estilo de vida sedentário, essa forma de diabetes pode ser controlada por mudanças na dieta, exercícios físicos e, em alguns casos, medicamentos orais ou insulina.

Essas diferenças são cruciais, pois as necessidades e riscos enfrentados por cada grupo variam significativamente. Enquanto o tipo 2 pode ser manejado em grande parte por modificações no estilo de vida, o tipo 1 exige intervenções médicas constantes, tornando o acesso a carboidratos de rápida absorção, como bebidas açucaradas, essencial para prevenir e tratar episódios de hipoglicemia.

Embora mais frequentes em pessoas com diabetes tipo 1 por conta da administração de insulina exógena, as crises de hipoglicemia também são preocupantes em pessoas com diabetes tipo 2.

Spacca

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes [1], com base no último censo promovido pelo IBGE (2022), o Brasil já conta com cerca de 20 milhões de pessoas com diabetes – o que significa em torno de 10% da população, estimada em 212,6 milhões de habitantes em 2024 [2].

Conceito e hipóteses de incidência do Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo, criado pela EC nº 132/2023, é um tributo de caráter extrafiscal, destinado a desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Ele incide sobre produtos como bebidas açucaradas em uma etapa específica do ciclo produtivo (monofásico) e tem como base uma alíquota definida por lei ordinária, que pode ser específica (valor fixo) ou ad valorem (percentual sobre o valor do produto). Esse modelo visa atuar como um desincentivo direto, utilizando o tributo como ferramenta de política pública para influenciar escolhas de consumo e, por conseguinte, seus impactos na saúde coletiva.

O § 6º do artigo 153 da Constituição detalha aspectos importantes para a aplicação do tributo:

  1. O imposto não incide sobre exportações ou operações com energia elétrica e telecomunicações, demonstrando uma intenção de excluir setores considerados essenciais ou competitivos em nível internacional.
  2. A incidência ocorre apenas uma vez na cadeia produtiva, visando evitar uma carga tributária excessiva em etapas subsequentes.
  3. O imposto integra a base de cálculo de outros tributos, o ICMS, o ISSQN, o IBS e a CBS, gerando um efeito cascata indireto na forma como esses valores serão repassados ao consumidor final.

Essa regulação reflete uma abordagem legislativa moderna que combina elementos arrecadatórios com objetivos de políticas públicas mais amplas. Entretanto, não leva em consideração peculiaridades individuais, como é o caso de necessidades médicas específicas de populações vulneráveis.

A hipoglicemia e o papel das bebidas açucaradas

A hipoglicemia é uma condição potencialmente fatal caracterizada por baixos níveis de glicose no sangue. Pessoas com diabetes tipo 1 são especialmente vulneráveis devido ao uso de insulina. O tratamento imediato requer consumo de carboidratos de rápida absorção, como os presentes em bebidas açucaradas.

Com o aumento de preços devido ao novo imposto, a acessibilidade a esses produtos é reduzida, colocando em risco a vida de pessoas que dependem deles em situações de emergência. Além disso, substitutos como comprimidos de glicose não possuem a mesma eficácia em termos de velocidade de absorção ou custo. A questão financeira, portanto, torna-se um obstáculo adicional para a população diabética, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

De acordo com estudos recentes, a glicose líquida tem uma taxa de absorção significativamente mais alta do que alternativas sólidas, como comprimidos de glicose. Bebidas açucaradas oferecem não apenas uma solução rápida, mas também prática e acessível para uma emergência que exige resposta imediata. Ao tributar esses produtos de forma generalizada, negligencia-se o fato de que sua utilização não é apenas recreativa/gastronômico, mas também terapêutica em contextos específicos.

Impactos sociais e alternativas

O encarecimento das bebidas açucaradas também tem impacto desproporcional em populações de baixa renda, que têm acesso limitado a opções alternativas. Para pessoas diabéticas, a tributação resulta em custos adicionais para o manejo da condição, aumentando as disparidades de saúde. Essa medida também afeta o mercado como um todo, pois desincentiva a produção e distribuição de produtos acessíveis para tratamento de hipoglicemia.

Uma solução seria incluir isenções fiscais para bebidas açucaradas utilizadas em tratamentos médicos, especialmente aquelas consumidas por diabéticos em episódios de hipoglicemia. Outra alternativa seria criar subsídios para produtos de glicose rápida destinados a esse público. Além disso, é fundamental que haja campanhas de educação e sensibilização para que formuladores de políticas compreendam as implicações de suas decisões sobre as vidas de indivíduos dependentes dessas alternativas.

Considerações jurídicas e éticas

Sob a ótica jurídica, a universalidade da tributação não pode se sobrepor ao princípio da dignidade humana. Tributar bens essenciais para a sobrevivência coloca em conflito o direito à saúde e à vida com as necessidades arrecadatórias do Estado. A lei complementar que regula o Imposto Seletivo deveria prever exceções claras para bens com aplicações terapêuticas ou vitais.

Ademais, as normativas tributárias devem ser elaboradas levando em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em um país com grandes desigualdades, ignorar o impacto de medidas tributárias sobre populações vulneráveis é, no mínimo, negligente.

Por fim, se a intenção é tributar produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como impor o novo tributo sobre produtos que podem salvar a vida de pessoas?

Conclusão

Embora o Imposto Seletivo tenha o objetivo de promover saúde pública, é essencial considerar exceções para situações nas quais o consumo de bens tributados é essencial para a sobrevivência.

No caso de pessoas diabéticas tipo 1, a falta de acesso a bebidas açucaradas pode levar a complicações graves ou até mesmo à morte. Políticas públicas inclusivas devem garantir que medidas tributárias não prejudiquem os mais vulneráveis, sob pena de falharem em seu objetivo maior: proteger a vida e o bem-estar de todos.

A urgência em ajustar a legislação para mitigar os impactos adversos sobre populações vulneráveis não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma necessidade ética e humanitária. Cabe às autoridades legislativas e executivas atuar com sensibilidade e responsabilidade para criar um sistema tributário verdadeiramente inclusivo.

[1] https://diabetes.org.br/brasil-ja-tem-cerca-de-20-milhoes-de-pessoas-com-diabetes/. Acesso em 23/12/2024.

[2] https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/08/populacao-do-brasil-chega-a-212-6-milhoes-de-habitantes-aponta-ibge. Acesso em 23/12/2024.

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