Caseiro é absolvido sumariamente por matar invasor de sítio com tiro nas costas
27 de dezembro de 2024, 19h53
A alta probabilidade da ocorrência de legítima defesa deve ser considerada em favor do réu para fins de absolvê-lo de forma sumária, poupando-o de eventual julgamento popular.
Por dois votos a um, esse entendimento prevaleceu na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para inocentar o caseiro de um sítio. Ele matou com um tiro nas costas um suposto ladrão que invadiu a propriedade rural.
O acusado admitiu o disparo, alegando ter agido para proteger a mulher e a filha de três anos, que também estavam no sítio. Ao perceber que haviam invadido a propriedade, ele se armou com um rifle e foi verificar a sede da chácara. Da sala, o réu viu um homem em um dos quartos, que teria colocado a mão na cintura ao ser descoberto. Inicialmente, o caseiro atirou três vezes e não atingiu o invasor, que fugiu pela janela.
Ainda conforme a versão do caseiro, quando a vítima já estava na parte externa, ele efetuou um quarto disparo, atingindo-a e causando a sua morte.
O réu cogitou a possibilidade de haver outra pessoa no sítio, porque ouviu “vozes” vindas do quarto. Com a vítima não chegou a ser localizada qualquer arma de fogo. Em juízo, dois policiais militares disseram que a conheciam devido ao envolvimento dela com furtos e drogas.
O Ministério Público denunciou o caseiro por homicídio qualificado pelo emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, porque ela estava desarmada e foi atingida pelas costas enquanto fugia. Também foi imputado ao réu o crime conexo de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, porque o acusado não possui o registro do rifle. Ao final da instrução, o juízo de primeiro grau pronunciou o réu para ele ser levado a júri nos exatos termos da denúncia.
Caseiro absolvido
Relator do recurso em sentido estrito da defesa do réu, que pediu a absolvição sumária, o desembargador Eduardo Brum observou que a decisão de primeira instância teve por base apenas a “tese ultrapassada de que ‘não se opera, quanto à pronúncia, o provérbio in dubio pro reo, incidindo a regra in dubio pro societate’, restando consignado, laconicamente, que ‘a ocorrência quanto à legítima defesa não restou bem demonstrada nos autos’”.
Para o juízo prolator da pronúncia, “caberá ao conselho de sentença, juiz natural da causa, a deliberação quanto à excludente”. Porém, conforme o relator, “o standard probatório delineado nos autos não preenche necessário juízo de probabilidade e não de mera prospecção/possibilidade da acusação”, sendo impositiva a absolvição sumária do réu por ficar demonstrada a “alta probabilidade” de ter agido sob o respaldo da legítima defesa.
Endossado em seu voto pelo desembargador Guilherme de Azeredo Passos, o relator acrescentou que, no caso, “não vislumbrando haver preponderância de provas que corroborem a tese ministerial — muito pelo contrário, entendo que elas mais respaldam a versão defensiva —, verifico assistir razão à combativa defesa quanto à ocorrência da excludente de ilicitude da legítima defesa”.
Com a decisão do colegiado pela absolvição sumária, foi determinada a remessa dos autos para uma vara criminal comum, a fim de que nela seja processado e julgado o delito conexo de porte ilegal de arma de fogo. A defesa alegou que o porte de arma deveria ser absorvido pelo homicídio devido ao princípio da consunção, mas essa tese ficou prejudicada com a absolvição pelo crime principal.
Voto vencido
O desembargador Valladares do Lago divergiu de Brum e Passos. Segundo ele, a situação sob análise revela “potencial dúvida” e o recurso deveria ser improvido para manter a decisão de submeter o réu a júri popular, “uma vez que o juiz do fato é o jurado”. Discordando dos colegas, Lago defendeu que, na primeira fase do rito do tribunal do júri, “a dúvida se resolve em favor da sociedade — in dubio pro societate”.
Lago destacou que, segundo o laudo necroscópico, um tiro atingiu a vítima pelas costas, perfurou um dos pulmões e saiu pelo peito, causando a sua morte. “Se a fase em questão é mero juízo de admissibilidade, não pode este tribunal ad quem valorar com preponderância a credibilidade do relato do acusado, assumindo como cabalmente verdadeira a hipótese da legítima defesa”, finalizou.
Processo 0144202-98.2018.8.13.0035
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