Opinião

Perfil das disputas judiciais envolvendo os grandes geradores de resíduos sólidos

Autor

  • é doutor e mestre em Processo Civil pela UFPR sócio-coordenador da área de contencioso e arbitragem do escritório Vernalha Pereira e professor da Universidade Positivo.

    Ver todos os posts

26 de dezembro de 2024, 13h14

A Lei nº 12.305/2010, ao instituir a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), inaugurou um marco regulatório abrangente para a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil, consolidando diretrizes, princípios, objetivos e instrumentos fundamentais para a promoção de uma abordagem ambientalmente adequada. Integrada à Política Nacional do Meio Ambiente e harmonizada com a Política Nacional de Educação Ambiental e a Política Federal de Saneamento Básico, a PNRS representa um exemplo de articulação legislativa, com foco no desenvolvimento sustentável e na responsabilidade compartilhada entre diversos atores.

A PNRS não apenas delineia metas e ações específicas para serem implementadas pelo governo federal, mas também incentiva a cooperação com estados, Distrito Federal, municípios e entidades privadas. Este esforço conjunto visa à realização de uma gestão integrada e um gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Entre as diretrizes da PNRS, destacam-se a obrigatoriedade da elaboração de planos municipais e estaduais de gestão de resíduos sólidos e o estabelecimento de critérios específicos para a logística reversa. Essa logística é essencial para implementar o conceito de responsabilidade compartilhada, que envolve o setor produtivo, os consumidores e o poder público, em uma rede colaborativa para a gestão responsável dos resíduos.

Outro ponto relevante da PNRS é a instituição de instrumentos econômicos destinados a fomentar os serviços de gestão de resíduos sólidos. A aplicação de incentivos fiscais, subsídios e mecanismos financeiros busca não apenas ampliar a eficiência na gestão, mas também promover a transição para um modelo mais sustentável de desenvolvimento.

Nesse contexto, a observância da PNRS é cogente para pessoas físicas ou jurídicas, sejam de direito público ou privado, que gerem resíduos sólidos ou desenvolvam atividades relacionadas à sua gestão integrada e ambientalmente adequada.

Dentro desse microssistema legal, emerge a figura dos grandes geradores de resíduos sólidos, definidos como agentes que produzem volumes significativos de resíduos em suas operações diárias. Essa categoria inclui, em regra, indústrias, estabelecimentos comerciais de grande porte, instituições de saúde, universidades, aeroportos, terminais de transporte e complexos hoteleiros, entre outros. A caracterização como grande gerador é regulamentada por legislação municipal e considera tanto a quantidade quanto a natureza dos resíduos produzidos ou seu impacto ambiental, abrangendo tipos como resíduos industriais, de construção civil, hospitalares, eletrônicos, alimentares e embalagens.

Exemplificando, a Lei Municipal de São Paulo (Lei nº 13.478/2002) define como grandes geradores os estabelecimentos comerciais que produzem mais de 200 litros de resíduos sólidos por dia, bem como condomínios não-residenciais ou de uso misto que, em conjunto, gerem volume médio diário igual ou superior a 1.000 litros. Essa regulamentação busca estabelecer critérios específicos para a gestão adequada dos resíduos gerados por esses agentes.

Os grandes geradores de resíduos sólidos, conforme o microssistema da PNRS, não apenas geram maiores volumes, mas também assumem papel de protagonismo na cadeia de responsabilidade compartilhada, sendo sujeitos a regras específicas de gerenciamento e tratamento ambientalmente adequado.

Spacca

Assim, os grandes geradores estão sujeitos a normas que impõem a adoção de medidas adequadas para o manejo, acondicionamento, transporte, tratamento e disposição final de seus resíduos sólidos. Tais regras encontram-se dispersas em legislações federais, estaduais e municipais, e têm como objetivo reduzir os impactos negativos ao meio ambiente e à saúde pública. Em última análise, promovem o cumprimento de diretrizes nacionais de sustentabilidade e responsabilidade ambiental.

Temas recorrentes

Com base nessas premissas, interessa aqui identificar, num nível panorâmico, os questionamentos mais frequentemente levados à discussão judicial envolvendo grandes geradores de resíduos sólidos. A partir da amostragem jurisprudencial, é possível isolar os seguintes conflitos como os de maior recorrência:

  • Cobrança e isenção de taxa de coleta, remoção e destinação de resíduos sólidos domiciliares (TRSD);[1]
  • Contestações sobre o enquadramento de pessoas jurídicas como grandes geradores, com consequências em infrações, tributação e responsabilidade pelo tratamento dos resíduos[2];
  • Disputas relacionadas à interdição de atividades por descumprimento de normas de tratamento de resíduos;[3]
  • Obrigações de ressarcimento ao Poder Público pela realização de coleta e destinação de resíduos originados de atividades econômicas[4];
  • Discussões sobre a legalidade ou constitucionalidade de leis municipais que regulam grandes geradores de resíduos;[5]
  • Debates acerca de métodos para quantificação do volume de lixo produzido.[6]

A partir da amostragem examinada, observa-se que uma parcela significativa dos litígios envolve a controvérsia sobre o enquadramento de determinadas pessoas jurídicas como grandes geradores e as consequências desse status. O enquadramento atrai obrigações legais, como a elaboração de planos de gerenciamento e o tratamento adequado dos resíduos produzidos. O descumprimento dessas obrigações pode ensejar sanções administrativas e judiciais, como multas e interdições.

Em termos preventivos, muitas dessas disputas poderiam ser mitigadas com a adoção de práticas de gestão e planejamento mais rigorosas, incluindo a aferição técnica e a documentação precisa do volume de resíduos gerados. Como as discussões judiciais frequentemente exigem instrução probatória, a conservação preventiva de registros (como laudos técnicos e imagens) desempenha um papel crucial na defesa dos interesses das partes envolvidas.

Outro tema recorrente nos litígios é a incidência ou não da TRSD. Embora a legislação geralmente isente os grandes geradores dessa taxa, a isenção está condicionada ao cumprimento de obrigações acessórias, como o cadastramento junto ao órgão competente e a assunção da responsabilidade pela gestão completa dos resíduos. A análise jurisprudencial revela, no entanto, que a negligência quanto a obrigações acessórias singelas (o cadastramento e suas respectivas renovações) resulta em autuações e execuções fiscais. Isso significa que o mero planejamento e gestão atenta de tais obrigações eliminaria grande parcela das discussões judiciais.

Esses conflitos, no entanto, não repercutem apenas no plano jurídico. As externalidades são variadas e tocam temas sensíveis para as empresas, como a responsabilidade ambiental e a adequação a boas práticas de ESG. Por isso, esses litígios refletem a importância de uma gestão integrada e de uma abordagem preventiva que reduza riscos legais e promova a sustentabilidade.

Embora os casos mencionados não abranjam a integralidade dos potenciais conflitos envolvendo grandes geradores de resíduos sólidos, fornecem uma chave para a compreensão de seus traços essenciais. A partir dessa perspectiva, os envolvidos podem mapear e avaliar adequadamente sua matriz de riscos, adotando medidas preventivas e estratégias para mitigar potenciais litígios relacionados à gestão de resíduos sólidos.

Dada a recorrência dos mencionados temas nos litígios envolvendo grandes geradores de resíduos sólidos, é salutar a implementação de planos de gerenciamento criteriosos, a manutenção de registros documentais detalhados e o fortalecimento de programas de compliance ambiental. Essas ações, além de prevenir conflitos jurídicos, consolidam a responsabilidade socioambiental das empresas e demais entes.

 


[1] Ver, por exemplo: TJ-SP – AC: 9000912-84.2008.8.26.0090, Relator: Wanderley José Federighi, 18ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/06/2024; TJSP – AC:  9000840-97.2008.8.26.0090, Relator: Fernando Figueiredo Bartoletti, 18ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 30/01/2023; TJMG – AC: 19844523520138130024, Relator: Renato Dresch, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/02/2019.

[2] Ver, por exemplo: TJ-SP – AI: 2257893-28.2023.8.26.0000, Relator: Adriana Carvalho, 14ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 01/03/2024; TJSP – AC: 9000875-57.2008.8.26.0090, Relator: Amaro Thomé, 15ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/07/2023; TJMG – AC: 02220123320148130701, Relator: Áurea Brasil, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 07/03/2017.

[3] Tome-se como exemplos: TJ-SP – AI: 0227421-98.2011.8.26.0000, Relator: Francisco Vicente Rossi, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 17/10/2014; TJSP – AC: 0030832-71.2011.8.26.0053, Relator: Zélia Maria Antunes Alves, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 27/06/2014.

[4] Ver: TJ-SP – AC: 1037203-98.2014.8.26.0224, Relator: Claudio Augusto Pedrassi, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 25/03/2019.

[5] Ver: TJ-BA – AI: 80038221620188050000, Relatora: Ligia Maria Ramos Cunha Lima, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 13/02/2019; TJDF – AC: 0701792-24.2020.8.07.0018, Relator: João Egmont, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 03/09/2021.

[6] Ver, por exemplo: TJ-PR – AC: 0008970-09.2012.8.16.0014, Relator: Nilson Mizuta, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 13/07/2018; TJGO – AI: 04480712720188090000, Relator: Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 25/02/2019.

Autores

  • é doutor e mestre em Processo Civil pela UFPR, visiting scholar na Columbia University e sócio coordenador da área de contencioso e arbitragem do escritório Vernalha Pereira.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!