Direto do Carf

Desafios do Carf em 2025: medidas para redução do acervo e da temporalidade processual

Autores

  • é doutora em Direito Tributário pela UFMG com período de investigação na McGill University conselheira titular integrante da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf e professora de Direito Tributário da pós-graduação da PUC-Minas.

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  • é vice-presidente do Carf e da 3ª Seção de Julgamento do Carf conselheira da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf conselheira do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo juíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP.

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26 de dezembro de 2024, 10h15

Havíamos desejado a todas e todos um feliz Natal e comunicado que a divulgação semanal de colunas nesta Direto do Carf retornaria apenas em 8 de janeiro do ano que pede passagem (aqui). A publicação do Decreto nº 12.340, de 23 de dezembro de 2024, bem às vésperas dos festejos natalinos, por ter o potencial de promover substancial modificação na dinâmica de julgamento do Carf, nos fez suspender a breve e salutar pausa que pretendíamos, com o objetivo de aclarar às leitoras e aos leitores sobre o que esperar do contencioso administrativo fiscal federal de segunda instância em 2025.

De onde viemos…[1]

A esta altura do campeonato imaginamos não ser surpresa a ninguém que atua ou acompanha o Carf que, em 2023, o estoque do órgão bateu a casa de R$ 1 trilhão, correspondente à aproximadamente 10% do PIB de nossa nação. Também não é novidade que, no biênio 2023/2024, o volume de processos julgados alcançou a marca histórica também de 1 trilhão de reais, que ensejou digna celebração, ainda que incompreendida por alguns.

Evidentemente, motivo algum de orgulho é ter o acervo processual, no decorrer de sua quase centenária história, atingindo tamanha cifra; contudo, a partir do momento em que esforços são envidados por conselheiros e conselheiras para o cumprimento de ambiciosas metas fixadas pela administração do órgão para que, no futuro, não se repita o passado, existe sim o que deva ser comemorado. Um agigantado acervo implica maior temporalidade no julgamento do processo, algo indesejável para a sociedade, e que, sobretudo, fere a lei.

Como já noticiamos, em 2023 e, em especial, em 2024, o Carf buscou implementar medidas para satisfazer o mandamento constitucional por uma administração pública eficiente:

i) Editou novo Regimento Interno, com vigência em 5 de janeiro;

ii) Aprimorou o procedimento para a edição de súmulas de observância obrigatória para suas conselheiras e conselheiras, bem como para a Delegacia Regional de Julgamento, responsável pelo julgamento dos processos em primeira instância (aqui; aqui); e

iii) Seguindo o exemplo do Supremo Tribunal Federal, tratou de desenvolver o plenário virtual, mas com prescrições próprias que garantem ainda mais segurança jurídica (aqui).

Em se tratando especificamente do novo Regimento Interno, muitas foram as importantes medidas por ele trazidas:

i) A classificação das modalidades de reunião em síncronas e assíncronas (art. 103 e seguintes, do Ricarf, e Portaria nº 1.040, de 24 de junho de 2024);

ii) As novas atribuições de presidentes de Turma, Câmara e Seção (artigos 58 a 60, do Ricarf);

iii) A alteração da competência das Turmas Extraordinárias para julgamento de processos até 2 mil salários-mínimos;

iv) A reformulação e aumento do número de Turmas de Julgamento, que passaram a ter seis julgadores (mantidas os oito ou dez nas CSRF), perfazendo o total de 24 Turmas Ordinárias e 6 Turmas Extraordinárias (artigo 2°, II, do Ricarf e regulamentação pela Portaria SE/MF n° 888/2024);

v) A criação de turmas especializadas aduaneiras (artigo 46, do Ricarf e Portaria Carf nº 627, de 18 de abril de 2024);

vi) A ausência de distinção entre conselheiros titulares e suplentes, o que valoriza a função de “Conselheiro ou Conselheira do Carf” (artigo 80, do Ricarf);

vii) O aumento do número de mandatos dos conselheiros, desde que o tempo total de exercício não exceda ou venha a exceder 8 anos, salvo se o conselheiro exercer o encargo de presidente de Câmara, de vice-presidente de Câmara, de presidente de Turma ou de vice-presidente de Turma, cujo prazo máximo será de 12 anos (artigo 80, § 2º, do Ricarf); e

viii) A já mencionada simplificação de procedimento para aprovação de Súmulas (artigos 124, 125 e 126, do Ricarf e regulamentação pela Portaria CARF nº 414, de 12 de março de 2024). Em 2024, editadas 30 novas súmulas.

A missão coletivamente empreendida culminou com uma redução de estoque de 18,7% neste ano que está nos seus derradeiros dias, passando de R$ 1,164 trilhão para 946 bilhões de reais. Em termos quantitativos, o estoque de 92 mil processos caiu para 72 mil. Os dados demonstram que muito foi feito, mas há ainda um extenso e árduo caminho a ser percorrido.

… para onde vamos

Para 2025 espera-se que grandes protagonistas atuem na meta do atingimento pelo Carf da duração razoável do processo, tais como:

i) O Sistema de Acompanhamento do Plenário Virtual e o Plenário Virtual criados pelas Portarias Carf nº 1.239/2024 e nº 1.240/2024, em teste em agosto de 2024 e com utilização ampla desde outubro de 2024;

ii) A implantação do sistema Iara (Inteligência Artificial em Recursos Administrativos) como assistente virtual do conselheiro na pesquisa de legislação e jurisprudência e elaboração de relatórios e decisões, que entrará em funcionamento em 2025; e,

iii) As modificações introduzidas pelo Decreto nº 12.340, de 23 de dezembro de 2024. O normativo recém-publicado dispõe o seguinte:

Art. 1º O Decreto nº 8.441, de 29 de abril de 2015, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 2º ………………………………………………………………………………………………..

§1º Serão remuneradas pela gratificação de presença de que trata o caput, mensalmente, até, no máximo:

I – seis sessões ordinárias de julgamento; e

II – até 31 de dezembro de 2025, quatro sessões extraordinárias de julgamento, quando comprovada a assunção de acervo processual extraordinário pelo conselheiro.

………………………………………………………………………………………………………….

§3º O Carf estabelecerá metas e compromissos de desempenho globais, por equipe e individuais, com vistas à melhoria contínua dos processos de trabalho.

§4º O Carf realizará o monitoramento periódico das medidas de que trata o § 3º e elaborará relatório de avaliação.

§5º Ato do Ministro de Estado da Fazenda, ouvido o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, poderá prorrogar o prazo de que trata o inciso II do § 1º, por até doze meses, observada a disponibilidade orçamentária e financeira.

Desde 2015, a remuneração dos conselheiros representantes dos contribuintes está atrelada ao binômio presença em sessão de julgamento e à produtividade aferida por meio do número de horas de processos indicados à pauta. Contudo, o número máximo de sessões para as quais cabia a remuneração era de 6.

Spacca

Então, com a edição do Decreto nº 12.340/2024, como medida para acelerar os julgamentos no Carf, em 2025, torna-se possível pagamento de remuneração extra decorrente de carga processual extra dos conselheiros representantes dos contribuintes. Adota o Poder Executivo Federal, como ferramenta, a capacidade de assunção pelos conselheiros indicados pelas confederações e centrais sindicais de carga adicional de trabalho remunerada, equivalente a até 4 sessões extraordinárias.

Essa carga extra distribuída é essencial para o aumento da eficiência do Carf, porquanto o objetivo é a redução do número de processos e da temporalidade média para julgamento. Isso porque, ainda que as turmas da Câmara Superior já tenham atingido, na média, o prazo previsto na Lei n° 11.457, de menos de 360 dias para julgamento dos processos (a temporalidade foi de 416 para 255 dias), a realidade nas turmas baixas é bem diferente, com uma média de 3 anos de duração do trâmite dos processos em julgamento (aqui).

Inclusive, recentemente, a Portaria MF n° 1.918, de 6 de dezembro de 2024, criou as terceiras e quartas turmas extraordinárias da 1ª Seção, 2ª Seção e 3ª Seção de Julgamento do Carf, com integrantes da CSRF, para que a sua eventual baixa de estoque abra espaço para o julgamento de recursos de ofício e recursos voluntários nas referidas turmas extraordinárias.

O que o Carf espera alcançar

A medida, como visto, traz um nítido objetivo: reduzir o acervo e, consequentemente, a temporalidade de tramitação dos processos para atender a lei. O meio vislumbrado para tanto foi ofertar remuneração extra ao conselheiro que assumir acervo extraordinário. Não se trata de incentivo pessoal, mas sim de ferramenta de implementação de melhores resultados na gestão do acervo de processos do Órgão. O presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, afirma que o foco está no contribuinte (aqui):

“O princípio da razoável duração do processo já está consagrado da doutrina administrativista. No caso do processo administrativo fiscal, o legislador concretizou esse prazo em 360 dias para cada recurso, por meio do artigo 24 da Lei nº 11.457/2007. E o Superior Tribunal de Justiça, o reafirmou no repetitivo nº 269. Então, a doutrina, o Legislativo e o Judiciário já deixaram bem claro o que esperam do contencioso administrativo fiscal. Não há espaço para desculpa. Temos que trabalhar incessantemente para atingir esse prazo, embora a gente saiba que o caminho é longo.”

Para que a medida concretize a aceleração dos julgamentos no Carf alguns passos precisarão ser dados.

Diz o § 3º do artigo 2º do Decreto nº 12.340/2024 que “o Carf estabelecerá metas e compromissos de desempenho globais, por equipe e individuais, com vistas à melhoria contínua dos processos de trabalho”. Isso significa que providências terão de ser internamente tomadas para regulamentar e operacionalizar a novidade introduzida pelo recém-publicado Decreto. E o serão por meio de portaria, a ser publicada no início de 2025.

À administração do órgão caberá: i) compor lotes adicionais bem construídos [2]; ii) estabelecer metas de desempenho globais e por equipe; iii) realizar o monitoramento periódico do cumprimento das metas e iv) elaborar os relatórios de avaliação das medidas e o impacto no estoque.

Ressalte-se que apenas o atingimento das novas metas de julgamento permitirá a prorrogação da medida por mais 12 meses, conforme a previsão do § 5º, do Decreto nº 12.340/2024.

Às conselheiras e aos conselheiros, que farão o esforço extraordinário para a redução do acervo, importante que não se olvidem que há de ser mantida a qualidade dos votos apresentados. De nada adiantará que exiba o Carf baixíssimo estoque com o comprometimento do trabalho técnico de excelência que é esperado – e, felizmente, reconhecido pelo próprio detentor do monopólio da jurisdição, que é o Poder Judiciário.

Às presidentes e aos presidentes de Turma é imperioso que não se desvencilhem do dever de fazer cumprir o Regimento Interno do Carf, que traz uma série de obrigações a serem cumpridas pelos que optaram por integrar o órgão. A eles cabem informar à administração sobre eventuais intercorrências nas sessões de julgamento, declarações de inconstitucionalidade perpetradas em âmbito administrativo, apresentação de votos incompletos e discrepantes dos fatos incrustrados no caderno processual, dentre as inúmeras outras hipóteses de perda de mandato previstas no artigo 85 do Ricarf.

Um centenário com esperanças

2025 é o ano em que o Carf completa um século, e começa cheio de esperança pelas mudanças que foram e que estão sendo implementadas. Espera-se, sobretudo, a continuidade da construção desse “Novo Carf”, com a fluência no uso de novas tecnologias e a redução do estoque e temporalidade dos processos. As medidas tomadas têm objetivo de entregar à sociedade a prestação jurisdicional de qualidade, com segurança jurídica e respeito aos princípios do contraditório, ampla defesa e motivação das decisões.

Indubitavelmente, o novo sempre carrega um incômodo, típico da incerteza que descortina, num mundo em que há o apego ao status quo e à (suposta) estabilidade. Caberá a cada um e a cada uma avaliar a disposição para assumir o grande desafio que virá. A única certeza que temos é que, para que logremos êxito em tão ambiciosa empreitada, precisaremos de contar com todo o empenho dos atores que fazem o Carf ser o que ele é: referência no julgamento de matérias envolvendo o direito tributário e aduaneiro no país.

 

*Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido por seus colunistas.

 


[1] No sítio eletrônico do Carf divulgado o balanço de 2024 e os desafios para 2025 (aqui).

[2] Aos conselheiros e conselheiras são sorteados mensalmente lotes de processos, totalizando 126 horas. A cada feito é atribuído um número de horas, de acordo com a complexidade da temática.

Autores

  • é doutora em Direito Tributário pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período de investigação na McGill University; pós-doutora e mestra pela UFMG; vice-presidente da 2ª Seção do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais); conselheira da 2ª Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf); professora.

  • é vice-presidente do Carf e da 3ª Seção de Julgamento do Carf, conselheira da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, conselheira do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, juíza do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP.

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