Opinião

Acordo de leniência e o compartilhamento de dados

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  • é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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26 de dezembro de 2024, 6h32

O acordo de leniência, enquanto negócio jurídico, está sujeito aos planos de existência, validade e eficácia previstos no Código Civil, devendo ser ajustado às especificidades desse instrumento.

Para que um negócio jurídico exista, é necessário que estejam presentes os seguintes elementos: manifestação de vontade das partes, presença de agentes emissores dessa vontade, objeto e forma. No caso do acordo de leniência, esses requisitos se concretizam quando as partes expressam sua concordância em relação ao objeto pactuado, respeitando os requisitos formais exigidos por lei.

Quanto à validade, a manifestação de vontade deve ser livre, de boa-fé, e emitida por agentes capazes e legitimados para firmar o acordo. O pacto deve versar sobre um objeto lícito, possível e determinado (ou determinável), além de observar a forma adequada, seja ela definida livremente pelas partes ou prescrita em lei. Cumpridos esses requisitos, o acordo de leniência, devidamente constituído, passa a ser considerado válido.

Contudo, um negócio jurídico que já tenha sido constituído (plano da existência) e validado (plano da validade) muitas vezes depende de um elemento adicional para produzir seus efeitos. No direito civil, os elementos mais comuns são o termo, a condição e o modo ou encargo.

Nos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal (MPF), é necessária a homologação do pacto (plano da eficácia) pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (5ª CCR). Nesse contexto, a 5ª CCR estabeleceu, por meio da Orientação nº 7/2017, que: “Assinado o acordo, o procedimento administrativo no qual estiver juntado deverá ser encaminhado à 5ª CCR, para homologação, por meio do Sistema Único, garantindo-se o necessário sigilo”.

Assim, após superadas as fases de existência e validade, sendo esta última reapreciada, o acordo de leniência é submetido à 5ª CCR para análise e homologação, cumprindo o plano de eficácia no âmbito do Ministério Público. No momento da homologação, a 5ª CCR analisará a regularidade e legalidade do pacto, sem adentrar no mérito do acordo.

O mesmo procedimento deve ser seguido nos casos de adesão a acordos de leniência firmados por outros órgãos, já que tal adesão também constitui um negócio jurídico. Esse tipo de ato gera direitos e obrigações para as partes, assumindo o MPF encargos semelhantes ou idênticos aos que assumiria caso fosse responsável pela celebração inicial do pacto.

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Compartilhamento de dados

No que diz respeito ao compartilhamento de informações e provas obtidas por meio de um acordo de leniência, a Orientação Normativa nº 7/2017 da 5ª CCR estabelece: “O acordo de leniência deverá conter cláusulas que tratem, pelo menos, dos seguintes pontos: 7.7. Adesão e compartilhamento de provas (Previsão da possibilidade de adesão ao acordo, por parte de outros órgãos do Ministério Público Federal, de outros Ministérios Públicos ou de outros órgãos e instituições públicas mediante o compromisso de respeitarem os termos do acordo ao qual estão aderindo, viabilizando-se, somente então, o compartilhamento das provas e informações obtidas por meio do acordo)”.

De forma complementar, a Nota Técnica nº 1/2017 da 5ª CCR reforça que: “O compartilhamento da prova produzida em colaboração, para ser válido e proporcional, depende de aceitação dos termos do acordo, no que diz especialmente aos limites de atuação em relação à pessoa jurídica colaboradora, que merece a devida proteção estatal”.

Ainda, o Estudo Técnico nº 01/2017 da 5ª CCR estabelece que “é preciso que haja adesão aos termos do acordo de leniência firmado com a pessoa jurídica colaboradora, por parte dos demais órgãos de fiscalização e controle que não celebraram a avença, mas busquem informações dela advindas para a tomada das medidas cabíveis em suas alçadas, na defesa do erário e na reparação dos danos”.

Ademais, a Orientação Conjunta nº 1/2018, das 2ª e 5ª CCRs, prevê que “tais provas não poderão ser utilizadas contra os próprios colaboradores para produzir punições além daquelas pactuadas no acordo”, sendo necessário que essa ressalva “seja expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que se trata de uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova”.

A Nota Técnica nº 2/2018 da 5ª CCR reforça que “a utilização de provas obtidas com colaboradores resulta possível nos termos do Acordo de Leniência celebrado, pressupondo a existência de adesão pelas instituições interessadas, aos seus termos convencionais, viabilizando a legítima utilização da prova, mediante compartilhamento”.

Portanto, é clara a necessidade de adesão aos termos do acordo de leniência pelos órgãos públicos interessados na utilização das provas apresentadas, devendo respeitar as obrigações e os benefícios previamente acordados. Contudo a 5ª CCR, na Nota Técnica nº 1/2020, sugeriu que acordos de leniência com repercussão criminal também sejam homologados no juízo criminal, fez-se um paralelo com a colaboração premiada.

Diante dessas premissas, para que ocorra o compartilhamento e utilização dos elementos apresentados em um acordo de leniência, é necessária, conforme consagrado na Nota Técnica nº 1/2017, no Estudo Técnico nº 01/2017 e na Nota Técnica nº 2/2018, todos da 5ª CCR, a adesão do órgão requerente. Dessa forma, o órgão assume o dever de respeitar os direitos e obrigações pactuados.

A necessidade de adesão é apresentada como forma de impedir a utilização das provas contra os próprios colaboradores em outras esferas, evitando punições além daquelas pactuadas no acordo, conforme disposto na Orientação Conjunta nº 1/2018, das 2ª e 5ª CCRs. Esse é um dos motivos pelos quais a 5ª CCR, na Orientação Normativa nº 7/2017, estabelece a necessidade de previsão expressa, nos acordos de leniência, de cláusula de adesão para possibilitar o compartilhamento de provas e informações.

Em casos de acordos de leniências com repercussão criminal, a 5ª CCR, por meio da Nota Técnica nº 1/2020, sugere, como já mencionado, que esses acordos também sejam homologados no juízo criminal. Entretanto, essa providência não implica a necessidade de decisão do juízo criminal em situações de compartilhamento de caráter cível. A eficácia do acordo, no âmbito cível, é estabelecida pela homologação da 5ª CCR, e não pela decisão do juízo criminal. Assim, eventuais situações de compartilhamento ou adesão para fins cíveis devem observar exclusivamente as diretrizes estabelecidas pela 5ª CCR, como especificado acima.

Em casos que tenham repercussão criminal, homologados também no juízo criminal, e o compartilhamento seja direcionado para persecuções de caráter criminal, é necessário, além da adesão, que ocorra o pleito e a análise por parte do juízo criminal homologador.

Contudo, antes do compartilhamento das informações, após a prévia adesão, deverá ser verificado se há acordos de colaboração premiada relacionados ao caso, celebrados com pessoas físicas. Caso existam, será necessário também aderir aos referidos acordos, caso os elementos apresentados na colaboração sejam total ou parcialmente os mesmos do acordo de leniência, evitando-se, assim, persecuções indevidas contra os colaboradores pessoas físicas.

Autores

  • é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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