Opinião

Reforma tributária: avanços, desafios e os impactos para empresas e brasileiros

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  • é advogado tributário e empresarial com especialização em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) bacharel em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e mestre em Administração e Finanças pela Ohio University.

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25 de dezembro de 2024, 9h17

A recente aprovação do PLP 68/2024 pela Câmara dos Deputados, que regulamenta os aspectos fundamentais da reforma tributária, simboliza um avanço significativo na tentativa de modernização do sistema fiscal brasileiro. Contudo, o texto final aprovado e o processo legislativo que o sustentou revelam uma complexidade que ultrapassa a mera simplificação tributária. As decisões tomadas trazem implicações profundas para as empresas, os cidadãos e a economia como um todo, ao mesmo tempo que refletem os desafios inerentes a um país com disparidades regionais e setoriais tão acentuadas. A análise do texto final demanda atenção ao seu impacto conceitual e prático, bem como uma crítica sobre o rumo adotado para o redesenho da estrutura tributária nacional.

O modelo de tributação instituído pela reforma concentra-se na criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), destinado a estados e municípios. Esses dois tributos, que substituirão ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins, são apresentados como instrumentos para simplificar e uniformizar a arrecadação. O objetivo central é mitigar as distorções causadas pela multiplicidade de tributos, regimes cumulativos e guerra fiscal que caracterizam o sistema vigente. Embora a proposta represente um avanço em termos de racionalidade e eficiência tributária, ela também carrega uma série de desafios técnicos e operacionais.

Um dos aspectos mais discutidos é a definição de uma alíquota geral de aproximadamente 27,8%, resultado de ajustes feitos pela Câmara para reduzir os 28,5% projetados após alterações no Senado. Ainda assim, esse percentual posiciona o Brasil entre os países com maior carga tributária sobre o consumo. Embora tecnicamente justificável para manter a arrecadação em níveis adequados, essa alíquota impõe uma pressão significativa sobre as empresas, especialmente aquelas que dependem de alta competitividade no mercado global. A carga elevada pode desestimular investimentos produtivos, afetando a geração de empregos e o crescimento econômico. Além disso, setores que atuam em mercados internos mais sensíveis a preços podem enfrentar dificuldades em absorver os custos adicionais, transferindo-os ao consumidor final.

Consumo tende a ser mais oneroso

Para os cidadãos, o impacto da reforma tributária não será homogêneo. O consumo, principal objeto de tributação, tende a ser mais oneroso para as camadas de menor renda, que dedicam a maior parte de seus recursos à aquisição de bens essenciais. Nesse contexto, o mecanismo de cashback inserido no texto, que visa devolver parte dos tributos para as populações vulneráveis, é um elemento positivo, mas não suficiente para resolver a regressividade intrínseca ao modelo. A implementação eficiente desse instrumento dependerá de regulamentações detalhadas, sistemas administrativos robustos e capacidade operacional dos entes federativos.

Outro ponto que merece destaque é a manutenção de regimes diferenciados para setores específicos, como o da Zona Franca de Manaus. A concessão de benefícios tributários para a indústria de refino de petróleo na região gerou críticas intensas de entidades como o Comsefaz, que alertou para os riscos à competitividade de refinarias instaladas em outras partes do país e para a possível perda de arrecadação anual estimada entre R$ 1,7 bilhão e R$ 3,5 bilhões. Essa decisão exemplifica a dificuldade de alinhar interesses regionais e setoriais dentro de um projeto que visa unificar e simplificar o sistema tributário. A crítica é ainda mais acentuada diante da perspectiva de que tais benefícios perpetuem desigualdades entre regiões e empresas.

Spacca

No âmbito legislativo, o processo de aprovação do PLP 68/2024 foi marcado por intensas negociações políticas e por decisões que refletem a necessidade de conciliar interesses divergentes. A rejeição, pela Câmara, de alterações propostas pelo Senado, como a inclusão de saneamento básico em regimes de alíquota reduzida, revela a preocupação em evitar impactos negativos na alíquota geral. Por outro lado, a aprovação de medidas voltadas para setores estratégicos, como energia e saúde, evidencia a tentativa de ajustar o modelo a demandas específicas sem comprometer a arrecadação.

Transição para novo sistema até 2033

Com a sanção presidencial aguardada, a implementação prática da reforma se apresenta como um dos maiores desafios. O cronograma, que se inicia em 2026 e se estende até 2033, prevê uma transição gradual para o novo sistema, com alíquotas-teste e ajustes progressivos. Esse período será crucial para identificar falhas, corrigir distorções e garantir que as empresas e os cidadãos consigam se adaptar às novas regras. A transição bem-sucedida exigirá esforços conjuntos dos governos federal, estaduais e municipais, além de um diálogo constante com o setor produtivo e a sociedade civil.

Embora o texto aprovado represente um avanço, ele não está isento de críticas e ajustes futuros. A calibragem da alíquota geral, a ampliação de mecanismos de mitigação de impactos regressivos e a eliminação de privilégios tributários injustificáveis serão desafios contínuos. Além disso, será fundamental garantir que os instrumentos de simplificação, como a uniformização de regras e a redução de obrigações acessórias, sejam efetivamente implementados, de modo a cumprir o objetivo de modernizar o sistema tributário.

A reforma tributária simboliza uma oportunidade única para reposicionar o Brasil em termos de competitividade fiscal e justiça tributária. Contudo, sua consolidação depende não apenas de sua execução técnica, mas também de uma visão política capaz de ajustar o modelo às necessidades econômicas e sociais do país. Trata-se de um projeto que inaugura uma nova era no debate tributário brasileiro, mas cujo sucesso só será confirmado com sua implementação prática e seus resultados reais.

Autores

  • é advogado, sócio-fundador da RMS Advocacia e Consutoria, gestor de empresas, especialista em direito empresarial, com experiência em assessoria e consultoria de empresas no desenvolvimento de negócios, pós-graduado em Direito Desportivo, sócio do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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