Opinião

A elaboração dos documentos do paciente como prevenção e defesa

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25 de dezembro de 2024, 17h13

A judicialização da saúde, especialmente no que tange ao erro médico, tornou-se um dos maiores desafios para os profissionais da saúde e para o próprio sistema jurídico brasileiro. A crescente demanda judicial por tratamentos e medicamentos, frequentemente impulsionada por erros médicos ou pela alegada omissão no atendimento, tem gerado um cenário em que os médicos não apenas enfrentam as consequências de suas ações profissionais, mas também lidam com a necessidade de construir defesas robustas por meio da documentação.

É nesse contexto que a elaboração dos documentos médicos, tanto em sentido estrito quanto de gestão, adquire papel fundamental. A documentação é, sem dúvida, um dos meios mais eficazes de prevenção de erros médicos e de defesa do profissional perante os tribunais. A existência de registros adequados e a utilização de documentos médicos e administrativos bem estruturados podem ser a chave para evitar que o profissional de saúde seja responsabilizado indevidamente por falhas no atendimento.

A judicialização do erro médico e seus reflexos jurídicos

A judicialização do erro médico ocorre quando o paciente, ou seus familiares, acionam o poder judiciário alegando falhas na conduta médica, como omissão de diagnóstico, erro no tratamento ou falha na comunicação entre médico e paciente.

Além disso, uma pesquisa recente elaborada pelo CFM, CNJ e outras instituições demonstra em dados o exponencial crescimento das ações contra médicos.

Assim sendo, o Brasil possui 573.750 processos para um total de 562.206 médicos distribuídos no País. Ainda, entre 2021 e 2022, houve aumento de 19% de processos sobre saúde.

Constata-se que o número de processos de saúde subiu 198% e o de processos gerais caiu 6%; e segunda instância, em que os processos de saúde estão 85% maiores, e os processos gerais em 32% menores.

Spacca

Destaca que, apesar da queda no volume geral de processos, aqueles relacionados à saúde tiveram um aumento considerável entre 2009 e 2017 e indica que a duração média dos processos em julgamento é de 439 dias, enquanto aqueles que estão em baixa definitiva é de 747 dias.

Observa-se as regiões com o maior número de processos são:  Sul (5,11), Sudeste (3,12), Centro-Oeste (2,72), Nordeste (1,85) e Norte (0,80). Já a média de processos por médicos fica entre o Sul (1,75), Centro-Oeste (1,10), Nordeste (1,02), Sudeste (0,81) e Norte (0,58).

Diante do expressivo aumento das demandas judiciais contra médicos, a melhor forma de prevenção é reconhecer como a relação entre médico e paciente evoluiu e adotar uma postura proativa e diligente.

Existem dez grandes casos de erro médico: erro de informação, erro de diagnóstico, erro de tratamento, erro de medicação, erro de cirurgia, erro de anestesia, erro de alta hospitalar, erro de parto, erro de insatisfação com o resultado e erro em exames complementares.

Embora a maioria dos médicos atue de boa-fé, a ausência de um registro adequado pode dificultar a defesa quando há questionamentos sobre a conduta adotada. O erro médico, ao ser judicializado, frequentemente resulta em demandas por compensação de danos, sendo o médico, a instituição ou o sistema público os alvos de ações legais.

Para minimizar o impacto jurídico de um erro, a documentação médica robusta e bem elaborada desempenha papel essencial, não apenas para a defesa do profissional, mas também para evitar que litígios sejam iniciados de forma infundada. Um bom prontuário médico, por exemplo, é capaz de esclarecer as razões da conduta adotada, os tratamentos realizados, as interações com outros profissionais e, em casos de falhas, identificar em que ponto o erro ocorreu.

A Importância da Documentação Médica e Administrativa

Documentos médicos em sentido estrito

Os documentos médicos em sentido estrito são aqueles que registram a relação direta entre o profissional de saúde e o paciente, a evolução do quadro clínico e as intervenções realizadas. Dentre esses documentos, destacam-se:

Atestado Médico: Documento que comprova o estado de saúde do paciente, justificando ausências ou afastamentos.

Relatório Médico: Descrição detalhada da condição clínica do paciente, geralmente solicitado por instituições ou para fins legais.

Prontuário Médico: Conjunto de informações registradas durante o atendimento, incluindo histórico, diagnósticos, exames e tratamentos.

Receituário Médico: Prescrição de medicamentos ou terapias, indicando doses e frequências.

Laudo Médico: Conclusão sobre exames ou avaliações específicas, como laudos radiológicos ou laboratoriais.

Declaração de Óbito: Documento que certifica oficialmente o falecimento de um indivíduo, indicando causa mortis.

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): Documento que registra a concordância do paciente em se submeter a procedimentos após esclarecimento adequado.

Documentos médicos de gestão

Além dos documentos diretamente relacionados ao atendimento médico, existem documentos administrativos que visam à organização, gestão e segurança tanto para os profissionais de saúde quanto para os pacientes. Esses documentos de gestão incluem, mas não se limitam a:

Política de agendamentos e cancelamentos de consultas

Finalidade: Define regras claras para agendamentos, remarcações e cancelamentos de consultas, protegendo a agenda do profissional e reduzindo prejuízos financeiros por ausências não justificadas.

Benefícios: Melhora a gestão de horários e evita conflitos com pacientes em relação a cobranças por faltas ou cancelamentos de última hora.

  • Ficha de pré-anamnese

Finalidade: Coleta informações iniciais sobre o histórico clínico do paciente, como doenças preexistentes, alergias e queixas principais, antes da consulta.

Benefícios: Ajuda o médico a se preparar para o atendimento, evita omissões de informações importantes e otimiza o tempo de consulta.

  • Plano de tratamento

Finalidade: Documento que descreve detalhadamente o diagnóstico, os objetivos do tratamento e as etapas necessárias, incluindo intervenções e terapias recomendadas.

Benefícios: Garante clareza entre o profissional e o paciente, minimizando mal-entendidos e dando respaldo em casos de dúvidas ou reclamações.

  • Contratos

Finalidade: Formaliza a prestação de serviços médicos, esclarecendo direitos e deveres das partes envolvidas, condições de pagamento e serviços inclusos.

Benefícios: Reduz conflitos jurídicos e oferece segurança ao profissional e ao paciente em eventuais litígios.

  • Orçamentos

Finalidade: Detalha os custos dos serviços oferecidos, permitindo que o paciente tome ciência e aprove formalmente os valores cobrados.

Benefícios: Evita questionamentos futuros sobre valores e pagamentos, protegendo o consultório contra alegações de abusos.

  • Termo de cessão de imagem

Finalidade: Autoriza o uso de imagens (fotografias, vídeos ou áudios) do paciente para finalidades específicas, como publicidade, publicações científicas ou educativas.

Benefícios: Previne problemas éticos e legais relacionados ao uso inadequado ou não autorizado de imagens de pacientes.

  • Termo de quitação e satisfação

Finalidade: Declara que o paciente está satisfeito com o serviço prestado e que não possui pendências financeiras ou reclamações a registrar.

Benefícios: Reduz o risco de ações judiciais ou queixas posteriores, funcionando como prova de conclusão e aceitação do serviço.

  • Ficha de registro de atendimento

Finalidade: Registra dados da consulta ou procedimento realizado, incluindo queixas, diagnósticos e tratamentos recomendados.

Benefícios: Garante rastreabilidade e respaldo médico em eventuais revisões ou processos legais.

  • Políticas internas de privacidade e proteção de dados

Finalidade: Estabelece diretrizes para coleta, armazenamento e proteção dos dados dos pacientes, em conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Benefícios: Evita sanções administrativas e preserva a confiança dos pacientes.

  • Termo de recusa de tratamento

Finalidade: Documento que registra a recusa do paciente em seguir um tratamento ou realizar um procedimento recomendado.

Benefícios: Protege o médico contra alegações de negligência ou omissão.

  • Relatório de ocorrências clínicas

Finalidade: Registra incidentes como reações adversas, falhas em equipamentos ou condutas inadequadas de pacientes ou profissionais.

Benefícios: Facilita a gestão de riscos e a melhoria contínua da clínica.

  • Protocolo de atendimento em emergências

Finalidade: Orienta a equipe sobre os procedimentos a seguir em emergência médica.

Benefícios: Garante respostas rápidas e padronizadas, reduzindo riscos de agravamento do quadro clínico do paciente.

  • Checklists de procedimentos

Finalidade: Lista de itens para verificar antes, durante e após a realização de procedimentos médicos.

Benefícios: Minimiza erros e padroniza a prática clínica.

  • Protocolo de higienização e biossegurança

Finalidade: Define práticas obrigatórias de higienização de ambientes, equipamentos e materiais, além de diretrizes de uso de EPIs.

Benefícios: Reduz riscos de infecções e contaminações, protegendo pacientes e equipe.

Conclusão

Diante do crescente fenômeno da judicialização do erro médico, a elaboração de documentos médicos robustos, em sentido estrito e de gestão, assume papel essencial não apenas na defesa jurídica do profissional de saúde, mas também na prevenção de erros e na melhoria do atendimento ao paciente. A documentação deve ser encarada como um instrumento não apenas de defesa, mas também de transparência e de gestão eficiente dos recursos de saúde, fundamentais para garantir a qualidade e a segurança no atendimento médico.

Portanto, ao elaborar e manter registros detalhados e estruturados, o profissional de saúde não apenas protege sua prática, mas também contribui para a evolução do sistema de saúde brasileiro, fundamentando suas ações em uma sólida base jurídica e científica. A correta utilização dos documentos médicos, alinhados às diretrizes de gestão e à medicina baseada em evidências, será cada vez mais fundamental para a prevenção e a resolução dos conflitos no campo da saúde.

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