Saiba quais foram os pedidos não atendidos pelo Papai Noel
24 de dezembro de 2024, 15h12
No ano passado escrevi cartinha ao Papai Noel. Reproduzo parte:
Sou Lenio Streck. Avô do Santiago e do Caetano. Professor universitário, constitucionalista, advogado sócio de Streck & Trindade Advogados, fui procurador de Justiça do Rio Grande do Sul durante 29 anos e, vejam só, fui também goleiro. Porteiro. Goalkeeper. Guarda valas. Quase um Yashin, dizem as boas línguas. Eis uma foto dos meus bons tempos de guarda-valas.
Sempre gostei de futebol. Tenho diploma de comentarista de futebol (fui orador da minha turma de formatura – título: “Por uma epistemologia do esporte bretão”; ninguém entendeu, mas acharam bonito!).
Não por menos, quando criança, na minha Agudo, pedia ao Weihnachtsmann, o bom velhinho (ou não), que me trouxesse uma bola e uma camiseta de goleiro. Um cético daria de ombros: Papai Noel não existe; não para uma criança que, de tão pobre, odiava férias (férias significa ficar em casa; ficar em casa significa trabalhar – e trabalho vem de tripalium, instrumento de tortura). É óbvio que Papai Noel não vem, embora até hoje façamos a árvore de Natal.
Ou será que vem? Não sei. Fato é que eu fui goleiro. Com a bola, a camisa, e até as luvas, que nem imaginava à época.
Pois é. Será que foi o velho Santa Claus quem me deu as luvas e camiseta? Coincidência ou espírito de Natal? Não sei. O que sei é que sou um incorrigível otimista metodológico. Ajo sempre “como se”. Pudera: estou já há três décadas lutando contra as injustiças do sistema de Justiça. Já perdi muitas, e continuo aqui.
Stoic mujic. Camponês estoico. Eis o meu lema. Cair e levantar.
Afinal, Papai Noel atendeu ou não?
Meu primeiro pedido de 2023: que as pessoas lessem textos com mais de 15 linhas (o que inclui este).
Papai Noel não atendeu. Piorou. Pesquisas mostram que mais de 70% das pessoas não leem livros. Apenas redes sociais. Drops. No direito é a mesma coisa. Ou pior. Tudo virou inteligência artificial. Agora tem novos robôs. Que são incensados por parte da comunidade jurídica. Viva os robôs. Viva os algoritmos. Viva os totens. Viva a Súmula 7 (ups).
Meu segundo pedido foi: como houve tentativa de golpe e com tanta gente falando mal da Constituição querendo destruir até cláusula pétrea, pedi que Papai Noel me ajudasse na fundação do movimento salvacionista chamado Unfucking the Constitution (só posso dizer o nome em inglês porque me recuso a dizer palavrões). Ou em francês: Défornication de la Constitution. Já que tem tanta gente querendo fazer o contrário…
Papei Noel não atendeu. Piorou. Estão querendo anistia para os golpistas. Que coisa, não Papai Noel? As vezes penso que Papai Noel não é lá tão progressista…
Meu terceiro pedido: “- Papai Noel, por que tem tanta gente que faz faculdade de Direito e sai odiando a Constituição? Seus professores seriam analfabetos funcionais? Veja isso pra mim, Papai Noel. E depois me conte”.
Papai Noel não me contou. De todo modo, fui atrás da resposta e escrevi – e lancei – o livro Ensino Jurídico e(m) Crise – Ensaio Contra a Simplificação do Direito. E mandei um exemplar para o Pai Natal. Será que ele lerá? Ou Papai Noel foi fagocitado pela agnotologia jurídica?
Meu quarto pedido: que os não-democratas ajoelhassem no milho.
Nada. Parece que faltou milho e Papai Noel não conseguiu atender meu pedido.
Meu quinto pedido também foi em forma de pergunta: “ – Papai Noel, diga-me por que tem tanta gente reacionária no Direito? E na política? E nas mídias? Em que fracassamos?”
Papai Noel até tentou responder. Mandou um texto feito pelo ChatGPT, cujo modelo tomou emprestado de gente do direito que mora no Instagram. Esse Papai Noel…
Meu sexto pedido: “- que Papai Noel recolhesse todos os celulares cujos WhatsApp fizeram fake news tipo ‘o artigo 142 da CF coloca as Forças Armadas como poder moderador'”.
Bom, essa parte não foi atendida pelo Papai Noel, e, sim, pelo Xandão.
Meu sétimo pedido foi de que advogados e jornalistas não mais fossem desrespeitados.
Deu errado. Principalmente os causídicos estão muito mal. Até o meirinho tira onda com advogado. Advogar continua um exercício de humilhação cotidiana. Tente invocar os seis incisos do artigo 489 do CPC (315 do CPP). E depois me conte.
Meu oitavo pedido foi emblemático e profético: que os desembargadores e ministros, durante a sustentação oral das partes, não ficassem olhando os seus tablets; e que prestem atenção no esfalfamento do causídico (ou finjam que estão prestando atenção).
Nessa o Papai Noel foi cruel. Fez o contrário. Influenciou o CNJ a tirar dos causídicos até mesmo o direito a julgamentos em plenário e sustentações orais. Dizem que foi o Pai Natal quem redigiu o esboço da Res. 591.
Por último, pedi que a delação Sherazade do Cid acabasse.
Bom, ainda não acabou.
É isso. Está ruim a relação com Papai Noel. Deve ser coisa das fake news ou Papai Noel é um avatar. Ou Papai Noel terceirizou para os robôs. Como se faz no Direito. Ou Papai Noel não conseguiu juízo de admissibilidade. Não “conheceram do Papai Noel”…
Feliz Natal para os meus leitores e leitoras que ultrapassaram as quinze linhas…!
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