Indulto de Natal 2024: regras, impactos jurídicos e como aplicar na prática
24 de dezembro de 2024, 13h15
Publicado em 23 de dezembro de 2024, o Decreto Presidencial nº 12.338/2024 regulamenta o indulto de Natal deste ano, impactando significativamente os sentenciados e os profissionais que atuam na execução penal. Fruto de um amplo processo de discussão promovido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPC), ao longo do ano, que incluiu audiências públicas e consultas a especialistas, o decreto estabelece critérios detalhados para a redução e a extinção de penas, abrangendo sentenciados em diversos estágios de cumprimento.
Mas, afinal, o que é o indulto de Natal?
Trata-se de uma medida de clemência prevista na Constituição de 1988, destinada a extinguir, reduzir ou comutar penas de pessoas condenadas que atendam aos critérios definidos no decreto presidencial. Essa prática reflete o princípio da humanização das penas, reafirmando que o sistema penal deve sempre se alinhar aos direitos fundamentais.
Conforme o artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal, é atribuição privativa do presidente da República conceder indulto e comutar penas, sendo um ato de natureza discricionária.
O indulto para crimes comuns é regulamentado pela legislação penal, como o Código Penal (artigo 107, II), que o inclui como uma das causas de extinção da punibilidade. Adicionalmente, o decreto presidencial publicado anualmente estabelece os critérios específicos para a concessão do indulto, como o tipo de crime, o tempo de pena cumprido e outros requisitos.
Não confunda indulto com graça
No indulto, após a edição do decreto, quem se encaixa nas regras definidas deve ingressar na Justiça para solicitar o direito. Por outro lado, a graça – também chamada de indulto individual –, é o perdão da pena que o presidente pode conceder especificamente em favor de uma pessoa condenada, dispensando a necessidade de pedido na Justiça.
Indulto é diferente de saída temporária
O indulto também é diferente das saídas temporárias – popularmente conhecidas como “saidinhas” –, que ocorrem em datas comemorativas específicas, como Natal, Páscoa e Dia das Mães, para confraternização e visita aos familiares.
Nesses casos, os juízes das Varas de Execução Penal, amparados pelas direções das unidades prisionais, editam um ato normativo (em regra, portaria) que permite a saída dos presos da unidade penal pelo prazo de sete dias, devendo retornar à prisão ao final deste lapso temporal.
Regras gerais do decreto de indulto de 2024
O decreto de indulto de 2024 estabelece a extinção da pena para condenados a até 8 anos de prisão, desde que cumpram os seguintes requisitos: pelo menos um quinto da pena, no caso de não reincidentes, ou um terço da pena, se reincidentes.
Para condenados a penas não superiores a 12 anos, o decreto exige o cumprimento de, no mínimo, um terço da pena para não reincidentes, ou metade da condenação, no caso de reincidentes.
Novidade: indulto para crimes com violência ou grave ameaça
O decreto de indulto de 2024 trouxe uma série de inovações significativas, entre as quais se destaca a previsão de hipóteses de indulto para crimes cometidos com violência ou grave ameaça. Essa novidade representa um marco importante, ampliando o alcance do instituto do indulto e reconhecendo circunstâncias específicas que podem justificar sua aplicação mesmo em casos tradicionalmente excluídos dessa medida.
Novidade: cômputo do recolhimento domiciliar noturno
Outra inovação de grande relevância é a previsão contida no artigo 5º do decreto, que determina que o período de recolhimento domiciliar noturno, com ou sem monitoramento eletrônico, seja computado como pena cumprida para fins de indulto.
Embora o texto do artigo não deixe claro se todo o período de recolhimento domiciliar deve ser considerado, ou apenas as horas efetivamente passadas em casa, seguindo a jurisprudência acerca da remição, o entendimento mais adequado é que apenas o período de recolhimento domiciliar noturno poderá ser considerado como pena cumprida.
Essa medida é um avanço, especialmente porque reconhece o impacto da restrição de liberdade imposta pelo recolhimento domiciliar, valorizando essa forma de cumprimento de pena e conferindo maior equidade no cálculo do indulto.
Novidade: indulto para semiaberto com tornozeleira
O decreto de 2024 também inovou ao prever, no artigo 9º, inciso X, a possibilidade de concessão de indulto para sentenciados que estão há mais de três anos no regime semiaberto, utilizando tornozeleira eletrônica.
Essa previsão tem um alcance expressivo, pois não estabelece como requisito que o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça, ampliando o número de pessoas potencialmente beneficiadas. Tal medida reflete um entendimento mais progressista sobre a execução penal, reconhecendo a importância do monitoramento eletrônico como forma efetiva de cumprimento de pena e promovendo uma política criminal mais inclusiva e alinhada com os direitos fundamentais.
Novidade: indulto feminino de 2024
O decreto de indulto de 2024 destaca-se, especialmente, como um decreto de indulto feminino. De acordo com o artigo 9º, XVI, “c”, o indulto pode ser concedido a condenadas gestantes em gravidez de alto risco, desde que esse fato seja comprovado por laudo médico.
Nesses casos, o procedimento é claro: cabe ao advogado ou advogada apresentar o laudo médico que ateste o alto risco da gravidez, permitindo que a situação da sentenciada seja avaliada para a concessão do direito.
Além disso, o artigo 10 prevê que sentenciadas que sejam mães ou avós, condenadas por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, podem ter direito ao indulto desde que comprovem ser essenciais para o cuidado de crianças de até 12 anos ou filhos de qualquer idade com deficiência.
Importante observar que o decreto não especifica o grau de deficiência do filho/filha. Porém, determina que seja observado o disposto no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
No caso das avós, será necessário comprovar que são indispensáveis aos cuidados com a criança ou neto com deficiência. Essa comprovação pode ser feita por meio de declarações de testemunhas, documentos escolares e/ou registros médicos que tragam a avó como responsável pela criança, etc.
Contudo, em relação às mães, a jurisprudência do STF estabelece a presunção de imprescindibilidade. Uma vez comprovada a maternidade da criança de até 12 anos ou de pessoa de qualquer idade deficiente, cabe ao órgão acusador desconstituir essa presunção. Sobre o tema, o STF já se manifestou no HC 169.406 AgR, relator(a): Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 19/4/2021, com publicação no DJe-077 de 26/4/2021.
Por fim, é relevante destacar que o parágrafo 2º do artigo 9º prevê que, em onze hipóteses de indulto (incisos I a XI), o prazo do requisito temporal será reduzido pela metade se a mulher for gestante ou mãe de filho/filha de até 14 anos de idade, ou portador de doença crônica ou deficiência (neste último caso, independentemente da idade).
Indulto humanitário de 2024
O indulto humanitário restou previsto no decreto de 2024 para sentenciados infectados com HIV em estágio terminal ou com doenças graves, crônicas ou altamente contagiosas, desde que não haja possibilidade de atendimento adequado na unidade prisional.
É importante destacar que os requisitos para a concessão do indulto humanitário são cumulativos. Ou seja, além de a doença ser grave ou altamente contagiosa, é indispensável comprovar a falta de condições de atendimento na unidade prisional.
Para atender a essa exigência, será necessária a apresentação de uma declaração oficial da unidade prisional, informando a incapacidade de prestar o tratamento necessário ao sentenciado acometido por essas condições.
Além disso, o decreto também inclui no direito pessoas com transtorno do espectro autista severo, paraplegia, tetraplegia ou cegueira. Esses critérios ampliam o alcance do indulto humanitário, garantindo maior proteção a grupos vulneráveis dentro do sistema prisional.
Crimes impeditivos
Sobre os crimes impeditivos o decreto de 2024 não inovou muito. Manteve rol muito semelhante ao previsto no decreto de 2023, com a associação para o tráfico, que não é crime hediondo, dentre os crimes impeditivos.
Também previu, assim como em 2023, o pedágio de 2/3 da pena para os casos de concurso entre crime impeditivo e permissivo.
Pedágio nos crimes impeditivos
De acordo com o artigo 7º, parágrafo único, nos casos de concurso entre crime impeditivo e permissivo, será necessário que o sentenciado cumpra o tempo de pena estabelecido para o crime impeditivo antes de ter direito ao indulto do crime permissivo.
Para facilitar a compreensão, imagine uma rodovia com uma cancela de pedágio e uma fila de carros aguardando para passar. Cada carro representa um crime em execução. Na fila, os crimes impeditivos têm prioridade e precisam “pagar o pedágio” — ou seja, cumprir a pena exigida — para liberar o caminho. No entanto, esses crimes não seguem viagem; eles saem da fila apenas para dar espaço aos crimes permissivos, que serão analisados em seguida.
Por exemplo, suponha que o crime de tráfico (impeditivo) está na frente da fila. Ele só poderá sair da posição após cumprir seu “pedágio”, ou seja, o tempo de pena exigido. Quando isso acontece, o próximo carro da fila — como o crime de furto (permissivo) — pode avançar até a cancela.
Para que o furto seja indultado, será necessário verificar se o “dinheiro restante” (o tempo de pena cumprido após o pedágio do tráfico) é suficiente para pagar o pedágio do crime permissivo. Caso seja possível quitar essa “dívida”, o furto será indultado.
Agora, imagine que existem outros crimes impeditivos na fila. Cada um deles também precisa cumprir seu pedágio de forma individualizada antes de liberar o caminho para os permissivos. Somente após a quitação de todos os pedágios dos crimes impeditivos é que os permissivos poderão ser analisados para o indulto.
Essa analogia com uma rodovia ilustra, de forma clara e prática, como funciona o cálculo do indulto em situações de concurso de crimes.
Sugestões descartadas
Durante a segunda audiência pública para a elaboração do decreto de indulto de 2024, diversas sugestões relevantes foram apresentadas. Entre elas, a Comunidade Justa Pena propôs que a norma incluísse, de forma expressa, um artigo determinando que, para fins de indulto, o crime impeditivo fosse considerado o mais grave.
Infelizmente, essa sugestão não foi acolhida. Isso trará impactos negativos na concessão do direito, uma vez que o sistema SEEU utiliza como critério a pena mais alta para definir o crime mais grave. Em muitos casos, o crime impeditivo, como os de violência doméstica, possui penas mais baixas, o que pode prejudicar a análise e a aplicação correta do indulto.
Conclusão
O decreto de indulto de 2024 preserva muitas das diretrizes do decreto anterior, mas traz como destaque a importante inovação no indulto feminino, que beneficia avós e mães de crianças com deficiência. Apesar disso, uma outra proposta inovadora, relacionada aos condenados por crimes culposos, foi retirada após a primeira assinatura do presidente da República, deixando lacunas que poderiam ter ampliado ainda mais o alcance humanitário do decreto.
Ainda assim, os impactos do decreto na execução penal serão significativos, exigindo um domínio técnico aprofundado para sua correta aplicação. A leitura atenta e a compreensão detalhada das regras são indispensáveis para advogados que desejam atuar com segurança e precisão nessa área complexa.
Para mais informações, acesse o texto completo do decreto de indulto de 2024.
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