Opinião

China adota postura pró-arbitragem: o que isso significa para o Brasil?

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24 de dezembro de 2024, 6h30

A Suprema Corte Popular da China (SPC) divulgou o “relatório anual (2023) sobre revisão judicial em arbitragens internacionais”.

Recém-publicado, o relatório indicou forte tendência das cortes nacionais chinesas em adotar uma postura “pró-arbitragem”, em busca de maior credibilidade e alinhamento com a prática jurídico-comercial global. Essa postura favor arbitralis é refletida tanto no tratamento de sentenças arbitrais domésticas quanto internacionais.

Segundo o relatório, 75 pedidos para reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras na China foram apresentados em 2023. Destes, 69 foram deferidos pelas cortes locais, totalizando uma taxa de aceite de 92%. Dentre elas, constam sentenças proferidas por mais de dez instituições de arbitragem estrangeiras, como a Corte Internacional de Arbitragem da CCI, o Centro Internacional de Arbitragem de Singapura (Siac), o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS) na Suíça, a Associação de Arbitragem Comercial do Japão (JCAA) e o Tribunal Internacional de Arbitragem Comercial (Icac) da Câmara de Comércio e Indústria da Rússia, assim como sentenças ad hoc proferidas com sede da arbitragem na Inglaterra e na Índia.

Na esfera doméstica, as cortes chinesas receberam 16 mil casos de revisão judicial de sentenças relacionadas à arbitragem comercial em 2023, tendo anulado integral ou parcialmente apenas 552 sentenças arbitrais, resultando em uma taxa de anulação de 5,11%.

Além disso, mais de 5.100 pedidos de “preservação de arbitragem” foram formulados (em suma, pedidos de extinção de demandas judiciais em razão da existência de convenção de arbitragem), sendo 4.900 deferidos pelo Judiciário chinês. Ou seja, a jurisdição chinesa entendeu pelo cabimento de medidas para preservar a via arbitral em 95.73% dos casos, reforçando o posicionamento favorável à arbitragem das cortes locais. A baixa taxa de anulação e a alta taxa de aceitação de medidas de “preservação da arbitragem” refletem na prática o resultado de uma clara postura teórica “pró-arbitragem”.

Não fosse o bastante, o relatório afirma expressamente que “a prática judicial deve servir como impulsionadora do aperfeiçoamento do sistema de arbitragem em nosso país”.

Atualização do Código de Processo Civil

Também na via legislativa ocorrem mudanças. Destacou-se a atualização de artigos específicos do Código de Processo Civil chinês que tratam sobre arbitragem para propiciar maior alinhamento com a prática internacional consolidada. Os artigos 297, parágrafo segundo, e 304 do CPC Chinês são exemplos deste esforço. Anteriormente, a China considerava a nacionalidade da Câmara Arbitral que conduziu o litígio como parâmetro para distinguir sentenças arbitrais domésticas de estrangeiras.  A reforma dos artigos serviu para adotar o já consagrado critério do “seat of arbitration” como determinante do estrangeirismo da sentença.

Spacca

Além disso, anotou-se a inserção de uma reforma modernizadora da Lei de Arbitragem chinesa no plano legislativo do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional da China, pretendendo alinhar ainda mais a prática arbitral chinesa com os modelos bem sucedidos internacionais.

A preocupação chinesa em promover o alinhamento das práticas arbitrais nacionais com o modelo internacional demonstra claro indicativo de uma maior valorização do estado de direito pela potência oriental. Assumindo posição de pioneirismo em diversas áreas de resolução de litígios (notadamente com as Internet Courts e a utilização de inteligência artificial em diversos setores do judiciário), a China ruma para um cenário de maior integração jurídica com o ocidente, facilitando aos empresários brasileiros compreender e recorrer ao judiciário chinês quando necessário.

Nesse sentido, as mudanças e novos dados sobre o respeito à arbitragem na China são excelentes sinais para os empresários brasileiros. Uma vez que a prática tem crescido exponencialmente no Brasil como meio alternativo de resolução de conflitos, em especial as controvérsias comerciais, trata-se, portanto, de uma forma usual de negociação para os dois países, permitindo que questões entre empresas chinesas e brasileiras possam mediar eventuais entraves com mais celeridade e confidencialidade. Além disso, existe a possibilidade de escolha de um país “neutro” (isto é, que não seja o país dos contratantes) como sede do procedimento arbitral — afastando qualquer desconfiança com o sistema judiciário da contraparte.

Isso porque as sentenças arbitrais “estrangeiras”, aquelas proferidas pelos árbitros em um país que não seja o local em que será executada, costumam passar por um processo de “homologação”, no qual as cortes domésticas verificam, em apertada síntese, o respeito do comando decisório à normas de ordem pública e aos princípios gerais do direito. Assim, a indicação de que as cortes estatais chinesas vêm respeitando e realizando a execução das sentenças arbitrais estrangeiras é uma ótima notícia para os empresários brasileiros. Afinal, caso se envolvam em um litígio com empresas da China, passam a ficar tranquilos que contarão com o auxílio das cortes nacionais chinesas para cobrar o credor.

Relações comerciais entre Brasil e China

Tais informações têm fundamento por conta das sólidas e perenes relações comerciais entre Brasil e China estabelecidas nos últimos anos. Como exemplos concretos das  duradouras relações comerciais e diplomáticas entre os dois países, temos a visita do presidente da China, Xi Jinping, e o anúncio da elevação das relações entre os dois países à Comunidade de Futuro Compartilhado China-Brasil por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável.

Ao mesmo tempo, a relevância da economia chinesa para o superávit brasileiro é fato incontroverso, e o crescimento da vinculação econômica entre os dois países anda de vento em popa. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) indicaram que as relações comerciais com o mercado chinês representaram 43% do saldo positivo de US$ 11,9 bilhões alcançado pela balança comercial brasileira nos dois primeiros meses de 2024.  As remessas de commodities (notadamente: minério de ferro, petróleo e soja) aumentaram 49.1% em comparação com o mesmo período de 2023, por exemplo.

Esses números apontam para um fenômeno maior e já antigo: entre 2003 e 2024, o comércio bilateral entre o Brasil e a China teve desenvolvimento excepcional, saltando de US$ 6,6 bilhões para US$ 157,5 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Dados de 2024 indicam que a cifra chegou a US$ 136,35 bilhões até outubro.

Sendo assim, podemos concluir que não apenas o “relatório anual sobre revisão judicial em arbitragens internacionais” divulgado pela China mostra uma forte tendência do país em adotar uma postura “pró-arbitragem”, caminhando ao lado das principais potências mundiais, como aponta um bom caminho para as relações comerciais com o Brasil, uma vez que essa postura facilita a resolução de disputas comerciais de maneira mais eficiente e confiável. Isso, por sua vez, fortalece a confiança mútua e promove um ambiente de negócios mais estável e atrativo para investimentos bilaterais.

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