Candidatos a prefeito de Nova York prometem acabar com 'teatro policial' do perp walk
24 de dezembro de 2024, 13h45
O prefeito de Nova York, Eric Adams, orquestrou um espetáculo para a imprensa na manhã da última quinta-feira (19/12), quando Luigi Mangione chegou de helicóptero à cidade, extraditado da Pensilvânia
Mangione vai responder a processos criminais na justiça estadual e na federal, basicamente pelo mesmo crime: o homicídio do ex-CEO da seguradora UnitedHealhcare, Brian Thompson, em 4 de dezembro — acrescido de outras acusações, entre as quais a de terrorismo.
Quase duas dúzias de homens — policiais fortemente armados, alguns agentes federais e o próprio prefeito — escoltaram Mangione, algemado e em um macacão laranja de prisioneiro, do heliporto, ao lado do Rio Hudson, para um veículo que o levaria para a cadeia.
Foi um aparato digno de um chefão da máfia, captado pelas câmeras fotográficas e de TV. O prefeito aparece nas imagens, como um “papagaio de pirata” sobre o ombro direito de Mangione.
Perp walk
Desfilar suspeitos de crimes para as câmeras é um costume do Departamento de Polícia de Nova York, chamado de “perp walk“. É um jargão policial, em que “perp” é uma abreviação de “perpetrator”. Perp walk pode, então, ser traduzido como “desfile do perpetrador” (de um crime) — ou, simplesmente, “desfile do criminoso”.
Prefeitos normalmente não comparecem a perp walks. Mas o atual prefeito de Nova York esteve no de Mangione . Ele disse à imprensa que compareceu ao evento porque queria olhar nos olhos de Mangione e lhe dizer: “Você cometeu um ato de terrorismo em minha cidade, a cidade que o povo de Nova York ama”.
Há outras interpretações. Uma delas é a de que Eric Adams, que concorre à reeleição em novembro de 2025, quis projetar a imagem de “político duro no combate ao crime”, uma bandeira eleitoral que muitos eleitores apreciam.
Mas, se essa foi a estratégia, foi um tiro que saiu pela culatra: milhares de comentários e memes na rede social e em rodapés de notícias ridicularizaram o “espetáculo” do perp walk de Luigi Mangione.
Os dois principais rivais de Adams na próxima eleição, o republicano Jim Walden, advogado criminalista e ex-promotor, e o democrata Ritchie Torres, responderam rapidamente à reação popular com a promessa de acabar com a prática do perp walk assim que assumirem o cargo de prefeito, se eleitos.
Prática controversa
O objetivo do perp walk, segundo seus defensores, é promover a transparência do sistema de Justiça Criminal, mostrando à sociedade que criminosos são presos. Foi inventado para celebrar os esforços investigativos da polícia que deram o resultado esperado: tirar um criminoso das ruas.
No entanto, a prisão de Mangione não resultou dos esforços investigativos da polícia e Nova York — a não ser pela divulgação de algumas fotos. Depois de supostamente cometer o crime, ele escapou das intensas buscas policiais e embarcou para a Pensilvânia.
Foi preso na cidade de Altoona, na Pensilvânia, cinco dias depois do crime, mas não pelos esforços investigativos da polícia local. Ele foi encontrado porque um empregado do McDonald’s chamou a polícia. O mérito também não foi do empregado. Ele só chamou a polícia depois que ouviu um freguês comentar com outro que aquele sujeito, na mesa do canto, era o suspeito da morte do então CEO da UnitedHealthcare.
As críticas ao sistema de perp walk são muitas. Entre elas, a de que polícia converte o suspeito de um crime, que sequer foi denunciado ou formalmente acusado, muito menos julgado e condenado, em criminoso, perante a opinião pública — o que é uma violação de seus direitos constitucionais.
“O perp walk é uma afronta à presunção de inocência”, diz Jack King, da Associação Nacional de Advogados Criminalistas. Além disso, o perp walk é uma humilhação pública de uma pessoa que é apenas suspeita em um caso criminal.
A prática viola o direito constitucional do réu à privacidade, dizem os críticos dessa tática policial. E, obviamente, arruína a reputação – e em alguns casos a vida — de uma pessoa que poderá, no futuro, ser absolvida.
O candidato republicano Jim Walden à prefeitura da cidade apontou um outro problema de violação dos direitos constitucionais do réu: “Essa prática mina a cláusula do devido processo. Só serve para influenciar os jurados a favor da acusação”. Para Walden, o perp walk é um instrumento de autopromoção das autoridades: “Ele encoraja policiais, promotores e prefeitos a se pavonearem”.
Em uma sentença de 2001, publicada pela American Bar Association mais recentemente, um tribunal distrital federal de Nova York chegou a essa conclusão: “A única finalidade do perp walk é permitir ao delegado e aos policiais aparecerem na televisão”. E citou o fato de que os policiais sempre combinam o perp walk com a imprensa antecipadamente.
A caça contra o caçador
Curiosamente, o prefeito Adams poderá, um dia, ser vítima de um perp walk. Adams responde a um processo criminal, em que enfrenta, em um tribunal federal, acusações de corrupção e suborno.
Na mesma manhã do perp walk de Mangione, a assessora mais próxima do prefeito, Ingrid Lewi-Martin, acusada de montar um esquema de suborno na Prefeitura, se entregou às autoridades. E, à tarde, foi submetida a um perp walk.
Por coincidência, o caso do prefeito e o de Mangione estão sob a responsabilidade da mesma juíza em Manhattan, Katharine Parker. O julgamento do prefeito está marcado para abril do próximo ano.
Na justiça estadual, Mangione vai enfrentar uma acusação de homicídio de primeiro grau, duas acusações de homicídio de segundo grau, posse ilegal de arma e ato de terrorismo (por intimidação ou coerção da população civil ou de um governo). A pena pode ser de até de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional.
Na justiça federal, as acusações são de homicídio, posse ilegal de arma e stalking (da vítima do assassinato). Se condenado na justiça federal, o réu poderá ser sentenciado à pena de morte.
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