A força expansiva do processo estrutural e os processos estruturais implícitos
24 de dezembro de 2024, 11h31
Esta coluna acompanhou os trabalhos da comissão de juristas criada pelo presidente do Senado Federal para a elaboração de anteprojeto de lei do processo estrutural.
Temos dito aqui também que a ideia-força do processo estrutural possui força expansiva. Desse modo, litígios de alta complexidade e pluralidade de atores públicos e privados, cuja solução judicial carregue consequências que ultrapassem os limites aparentes da lide para alcançar o funcionamento de instituições e políticas públicas, podem e devem ser solucionados sob a estratégia jurisdicional do processo estrutural mesmo quando na sua aparência não sejam processos estruturais. Isso porque litígios há que naturalmente reclamam serem compostos por um processo estrutural sob pena de déficit de legitimidade da decisão e, pior, do aumento exponencial do risco de erro judicial.
O Supremo Tribunal Federal adiantou-se e atribuiu natureza de processo estrutural a processos cujos autos foram devidamente marcados visualmente como tal. No Supremo encontram-se sob monitoramento do Núcleo de Processos Estruturais Complexos (Nupec) a ADPF 347, ADPF 635, ADPF 709, ADPF 743, ADPF 746, ADPF 760, ADPF 857, ADPF 991, Rcl 58.207, Rcl 68.709 e a SL1.696. Outros tribunais seguem o mesmo diapasão.
Mas, a rigor, não é necessário que um órgão julgador explicite que um litígio sob sua jurisdição é nominalmente um processo estrutural para que a estrutura conceitual e procedimental do processo estrutural se faça presente no impulso oficial que faz o processo avançar até a decisão. Dito de outra forma, sempre que o iter processual do processo estrutural seja condição para uma solução justa, o juiz deve desvestir-se dos instrumentos tradicionais de formação solitária (ou solipsista) do livre convencimento para fazer a persuasão racional fincar sua legitimidade na lógica decisional do processo estrutural.
Desse modo, sempre que uma relação processual apresente, ainda que implicitamente, alta complexidade, pluralidade de atores públicos e privados e consequências de natureza estrutural sobre o funcionamento de instituições ou políticas públicas, é imposição ético-processual e lógico-processual que o órgão julgador, monocrático ou colegiado, construa o seu convencimento na compreensão dos processos sociais em cujo contexto o litígio surgiu e no qual há de encontrar solução.
Desnecessário dizer que em situações assim, força do artigo 93, IX, da Constituição, o espírito do processo estrutural deve estar, ainda que implicitamente, presente na explicitação da formação do convencimento (fundamentação da ratio decidendi).
Um novo juiz
Se a natureza estrutural do processo será óbvia para litígios em que a alta complexidade, pluralidade de atores públicos e privados e consequências estruturais sejam explícitas (como os processos que o Supremo Tribunal Federal elevou formalmente à condição de processo estrutural), em outros ela não será facilmente identificada, o que não significa que a sua percepção seja menos vital para uma solução justa e eficaz.
Julgar é ver. Para ver é preciso querer ver. Ver é atributo da sabedoria. Sempre foi assim. Salomão é um ícone ocidental do juiz que vê. O sábio vê o que outros não veem. O processo estrutural é uma estratégia lógico-decisional e argumentativa que oferece ao julgador médio (nem todos são Salomão) um caminho seguro para ver (e aplicar) uma solução justa, equilibrada, eficaz.
Verdadeiro dogma do processo estrutural, a sua natureza dialógica, presente no relatório da Comissão de Juristas do Senado, não combina com protagonismo judicial espetaculoso, salvacionista, voluntarista, autoritário. Identificar a natureza estrutural implícita em processos aparentemente solucionáveis pelos métodos tradicionais de composição da lide exige do julgador virtudes intelectuais, éticas e jurídicas fundadas na coragem da humildade e no compromisso com a verdade e a Justiça.
Como já dissemos aqui em outro momento, o processo estrutural exige um novo juiz. Não um emissor de éditos, mas um concertador, um maestro com capacidade convocatória. A emergência desse novo juiz exigirá mudanças nos critérios de arregimentação por concursos para as carreiras jurídicas e nos programas de formação.
Alea jacta est. Quem viver, verá.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!