Opinião

Comitê Gestor do IBS: o novo 'Ministério das Fazendas'

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  • é sócio fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e mestre em Direito Tributário pela Uerj membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio).

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23 de dezembro de 2024, 6h32

A Emenda Constitucional nº 132/23 promoveu mudanças significativas no Sistema Tributário Nacional, inaugurando a tão esperada — e necessária — reforma tributária. Recentemente, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do PLP nº 108/24, que traz as regras para a administração e cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Edu Andrade/MF

Dentre as inúmeras novidades, destaca-se a criação do Comitê Gestor do IBS, o qual terá natureza jurídica de entidade pública sob regime especial, e independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer desde logo que não se trata de um Quarto Poder. Alguns anos depois da promulgação da Constituição de 1988, a imprensa – livre e sem censura – ganhou muita força em sua atuação, levando parte da doutrina a sustentar que ela seria um Quarto Poder, ao lado do Legislativo, Executivo e Judiciário.

Não há dúvidas de que a imprensa é essencial para a democracia e para a fiscalização dos Poderes, mas considerá-la um “quarto poder” distorce seu papel fundamental de informar e monitorar, especialmente porque ela não detém autoridade, responsabilidade legal ou legitimidade constitucional comparáveis às dos três poderes estatais.

Posteriormente, as instituições democráticas — até então reprimidas pelo regime ditatorial — foram ganhando confiança e autonomia para atuarem, com destaque para o Ministério Público. Até hoje há quem defenda que o MP se trata de um Quarto — ou Quinto? — Poder.

De fato, nossa Constituição define o MP como uma instituição permanente, essencial para a função jurisdicional, mas não lhe atribui o status de “poder” independente, como faz com o Executivo, Legislativo e Judiciário. Ora, a concepção de “poder” implica autonomia e equilíbrio entre funções essenciais de governança, o que não corresponde ao papel do MP, que atua na proteção dos interesses públicos.

Da mesma forma, a independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira do Comitê Gestor não o transforma em um Quarto Poder, nem que terá maior controle sobre a arrecadação do que os próprios governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores.

A estrutura proposta para o comitê prevê a participação de representantes de todos os entes federativos, assegurando que as vozes dos estados, Distrito Federal e municípios sejam ouvidas nas decisões sobre arrecadação e distribuição do IBS.

Mas, afinal de contas, o que é o Comitê Gestor?

Anotem aí: trata-se de um novo “Ministério das Fazendas” (no plural mesmo).

Spacca

Como se sabe, o Ministério da Fazenda é composto por órgãos de assistência direta, órgãos específicos singulares – dentre os quais, dois se destacam: a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Secretaria da Receita Federal — , e órgãos colegiados, dentre eles, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

De forma resumida, a fiscalização dos tributos federais é feita pela Receia; uma vez contestado o lançamento, o Carf é o órgão colegiado responsável pelo julgamento dos recursos administrativos; com a decisão administrativa final, a responsabilidade pela cobrança na esfera judicial é da PGFN, que também atua na defesa dos interesses da Fazenda Nacional em juízo.

O CG-IBS apresenta uma estrutura muito semelhante. A fiscalização será conduzida pelos servidores efetivos com competência para fiscalizar e constituir o crédito tributário, ou seja, os auditores fiscais estaduais, distritais e municipais.

Havendo dois ou mais entes federativos interessados na fiscalização em relação ao mesmo contribuinte, período e fato gerador, o procedimento será feito de forma conjunta e integrada, cabendo ao CG-IBS disciplinar a organização e gestão dos trabalhos.

Se o lançamento do IBS for contestado, se inicia o contencioso administrativo. Na primeira instância haverá 27 Câmaras de Julgamento virtuais, compostas exclusivamente por auditores fiscais, seguindo o modelo já existente em âmbito federal nas Delegacias de Julgamento.

A segunda instância também será composta por 27 Câmaras de Julgamento virtuais, de maneira colegiada e paritária, com a participação de auditores e representantes dos contribuintes, replicando o modelo federal do Carf.

Por sua vez, as atividades de cobrança e representação, extrajudicial e judicialmente, serão realizadas pelos procuradores estaduais, distritais e municipais, desempenhando funções análogas às da PGFN.

Finalmente, é importante pontuar que a figura de um Comitê Gestor não é novidade em nosso sistema tributário. Exemplos disso são o Comitê Gestor do Simples Nacional, responsável por regulamentar os aspectos tributários do Estatuto Nacional da ME e da EPP; e o Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISS, que aplica o padrão nacional para as obrigações acessórias relacionadas a determinados prestadores de serviços.

O Comitê Gestor do IBS foi concebido com o propósito de facilitar e coordenar a arrecadação, não para rivalizar com os três Poderes. Longe de desestabilizar a balança entre os poderes, o comitê reflete o espírito do federalismo cooperativo, promovendo uma gestão tributária mais eficiente e equilibrada. Montesquieu provavelmente aprovaria o novo “Ministério das Fazendas” como uma inovação prática — sem, contudo, ameaçar o clássico trio que ele magistralmente definiu.

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