Justiça Tributária

A complexa ameaça de tributação das isenções das pessoas físicas

Autor

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff – Advogados.

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23 de dezembro de 2024, 8h00

Este texto analisa uma hipótese ainda não apresentada formalmente pelo ministro Haddad para a tributação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF).

Foi divulgado pela imprensa que está sendo gestada pela equipe econômica uma tributação mínima de 10% sobre os rendimentos das pessoas físicas que auferirem acima de R$ 600 mil/ano. Não pretendo entrar nos detalhes de justiça fiscal da medida, mas destacar um aspecto jurídico que me parece importante caso essa proposta avance, alertando que seus detalhes operacionais não foram apresentados, o que me leva a escrever como um vidente, tentando vislumbrar como isso será realizado.

Parece-me que a matriz do raciocínio é o que se denomina de “Pilar 2”, estabelecido pela OCDE para a tributação das multinacionais, e que o Brasil aprovou por meio da MP 1.262/24, prestes a ser sancionada pelo presidente Lula, após encerrado seu trâmite legislativo. Por essa medida, a Receita Federal cobrará a diferença de tributo sobre a renda das pessoas jurídicas que auferirem até 750 milhões de euros/ano, até chegar a 15%, o que ocorrerá por meio da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL). Essa regra de patamar mínimo de tributação, válida apenas para essas pessoas jurídicas, possui uma característica de tributação internacional muito interessante: se o país de origem da renda não tributar até esse patamar, o país de destino poderá cobrar o tributo. Pois bem, o Brasil adotou essa regra e passará a tributar tais empresas. Como o foco deste texto não é analisar o “Pilar 2”, o que foi exposto é suficiente para avançar.

Como referi, parece-me que o Pilar 2 foi a inspiração para a ideia (não há sequer uma proposta) de tributar as pessoas físicas pelo Imposto de Renda, embora não haja a ameaça de tributação internacional, como naquela incidência sobre as empresas.

O ponto sob análise é: como isso será feito pela Receita Federal no caso das pessoas físicas que auferirem mais de R$ 600 mil/ano?

Não tendo sido detalhada a ideia, arrisco um palpite: será feito no “último clique” da declaração de ajuste do IRPF. Explico: quando se conclui a declaração de ajuste anual, aparece na tela a “alíquota efetiva” que incide sobre a renda declarada. Se essa “alíquota efetiva” for inferior a 10%, será expedido um Darf para pagamento do diferencial, até o limite de 10%.

Spacca

Operacionalmente parece uma solução simples, mas contém um problema jurídico: quais serão as rendas que farão parte desse “pacote”? Dois exemplos podem esclarecer a dúvida.

Suponhamos que o declarante pessoa física tenha feito investimentos em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), que são isentos de imposto sobre a renda. Eventuais rendimentos comporão a base de cálculo entre a “alíquota efetiva” e a tributação complementar até chegar a 10%? Caso isso ocorra, a isenção desse investimento será anulada. Isso vale para investimentos semelhantes, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

Outra situação em que isso pode ocorrer diz respeito aos dividendos, que nada mais são do que os lucros distribuídos aos sócios ou acionistas das empresas. A Lei 9.249/95, artigo 10, estabelece que tais valores não estão “sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no país ou no exterior”. Se for adotada a fórmula que supus, essa isenção cairá por terra.

Nestes dois exemplos, assim como em outros casos assemelhados, pode acontecer de os rendimentos totais daquele contribuinte não alcançarem o patamar de R$ 600 mil/ano.

Daí se chega pelo menos a duas outras situações, igualmente hipotéticas.

A primeira é que as isenções “originárias” deverão permanecer, pois só quando vier a ser apurado o total de rendimentos é que se identificará se haverá ou não a imposição da tributação complementar, para se chegar aos 10% pretendidos.

A segunda é que o campo para o planejamento tributário lícito será vastamente ampliado, por meio de soluções relacionadas ao direito de família. Sem descer a detalhes, se pode imaginar investimentos em CRA ou em CRI vinculados exclusivamente ao CPF de um familiar, sem que sua renda total chegue ao patamar indicado. O mesmo poderá ser feito quanto aos dividendos, por meio da criação de holdings familiares, que controlem outras empresas, diluindo o valor individual de dividendos a serem recebidos.

Não sei qual fórmula jurídica será adotada pela equipe econômica, mas devemos estar atentos e acompanhar mais esta reforma tributária, agora sobre a renda.

Aguardemos.

 

PS: Desejo aos raros leitores e leitoras desta coluna, um Natal fraterno e com muitas alegrias. Saúde a todos e todas.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados.

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