Alteração do artigo 389 do Código Civil e seu impacto no cálculo de condenações na Justiça do Trabalho
23 de dezembro de 2024, 11h17
A Lei nº 14.905/2024, embora não trate diretamente do direito do trabalho, reacendeu a discussão sobre a atualização dos valores devidos em decorrência de direitos reconhecidos na Justiça do Trabalho, ao acrescentar o parágrafo único ao artigo 389 do Código Civil, estabelecendo o uso do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) para o cálculo de débitos quando não houver pacto convencional ou quando não existir previsão de índice específico em lei.
Essa atualização monetária é essencial porque impacta a vida financeira de pessoas físicas e jurídicas. Para o credor, ela afeta o poder de compra dos valores recebidos; para o devedor, interfere diretamente no planejamento financeiro e na previsão de custos.
Por muitos anos, houve intensos debates sobre a constitucionalidade da TR (Taxa Referencial), prevista nos artigos 879, §7º, e 899, §4º, da CLT para atualização de débitos trabalhistas. A TR, criada em 1991 para controlar a inflação, ainda é usada para corrigir valores como os da poupança, mas, em vários momentos, sua taxa ficou próxima de zero, muitas vezes não acompanhando a inflação real. Os credores, por anos, argumentaram que a TR era ineficaz na correção monetária, corroendo o valor dos créditos, enquanto os devedores defendiam sua aplicação por estar prevista em lei.
Esse debate foi encerrado com uma decisão do Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2020. No julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs) 58 e 59, propostas pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e outras entidades, o STF determinou o afastamento da TR no cálculo de débitos trabalhistas, decisão que já havia sido antecipada em 2015 no julgamento da ADI 4.357, no qual se declarou a inconstitucionalidade da TR para a atualização de precatórios. No julgamento das ADCs, o STF interpretou constitucionalmente os artigos 879, §7º, e 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, afastando de vez a aplicação da TR.
IPCA-E até a data do ajuizamento da ação
Diante da necessidade de um índice provisório até uma definição legislativa, o STF estabeleceu o uso do IPCA-E até a data do ajuizamento da ação trabalhista, com juros de 1% ao mês, e a partir de então, a taxa Selic, sem juros adicionais. O IPCA-E mede a inflação trimestralmente, sendo calculado pelo IBGE, enquanto a Selic é a taxa básica de juros do Brasil, utilizada pelo Banco Central para controle da inflação.
Com a entrada em vigor da Lei 14.905/2024, a situação muda, pois, de forma indireta, a legislação agora propõe um índice definitivo para atualização monetária, substituindo o critério provisório do STF. A decisão do STF nas ADCs 58 e 59 incluía uma condição resolutiva: o IPCA-E e a Selic seriam aplicados até que o legislador definisse um índice específico. Agora, o parágrafo único do artigo 389 do Código Civil determina que, na ausência de índice acordado ou estabelecido em lei, aplica-se o IPCA ou índice que venha a substituí-lo.
Embora não seja uma alteração direta na CLT, mas sim no Código Civil, que é aplicável aos processos trabalhistas em caso de lacunas nas normas trabalhistas, a nova lei já provoca interpretações no direito do trabalho. Muitos especialistas consideram que a forma provisória de atualização monetária definida pelo STF foi superada pela entrada em vigor da nova lei em 30 de agosto de 2024. Sendo assim, é provável que se adote o IPCA para todo o período imprescrito reconhecido em Juízo, aplicando-se os juros de 1% ao mês a partir do ajuizamento, conforme os artigos 883 da CLT e 39, §1º, da Lei nº 8.177/91.
Juros processuais em dobro
Além disso, a nova lei corrige a “anomalia” criada pelo STF ao determinar juros processuais em dobro no julgamento das ADCs 58 e 59. A questão, porém, ainda está em fase inicial de análise, e os tribunais deverão ser instados a modular a aplicação do novo critério para os processos em andamento, o que provavelmente seguirá a lógica das ADCs, preservando os índices fixados de forma definitiva em processos já julgados e aplicando o novo critério nos processos em curso e futuros.
Já há decisões judiciais propondo uma modulação, como no processo nº 0000077-05.2024.5.10.0021, no TRT da 10ª Região, em que, ao julgar recurso ordinário, aplicou-se a mecânica das ADCs 58 e 59 até 29/08/2024, adotando-se o IPCA e juros de mora de 1% a partir de 30 de agosto de 2024, data de vigência da Lei nº 14.905/2024.
Assim, é fato que a TR está definitivamente afastada. Resta agora aos operadores do direito trabalhista ponderar a aplicação do parágrafo único do artigo 389 do Código Civil, considerando a decisão final que caberá ao Judiciário sobre a modulação dos efeitos dessa lei em processos pendentes.
Para as empresas, torna-se essencial que os departamentos administrativo, jurídico e financeiro analisem estrategicamente as consequências financeiras dessa mudança, decidindo entre adotar o índice do IPCA, conforme a Lei 14.905/24, ou manter os índices da decisão das ADCs 58 e 59, com base nos impactos de cada cenário.
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