Retrospectiva 2024: o Direito das Relações de Consumo em 2024
22 de dezembro de 2024, 6h37
No ano de 2024, o Direito das Relações de Consumo foi objeto de representativas questões jurídicas. Já nos primeiros dias do ano, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), publicou o “Anexo X – Apostas”, que trata das regras do Conselho para as mensagens publicitárias, visando garantir que os anúncios de apostas sejam responsáveis, com particular atenção à necessidade de proteger crianças, adolescentes e outras pessoas em situação de vulnerabilidade.
O tema das bets permeou os debates ao longo de todo ano, não apenas no Conar e Judiciário, mas perante a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) que, em 19/11/2024, em sede cautelar, determinou a suspensão, em todo território nacional, de bonificação de jogos on-line e de qualquer publicidade para crianças e adolescentes.
Em relação aos eventos climáticos que impactaram o consumidor, estes enfrentaram queda de energia, interrupções no fornecimento, demora no restabelecimento e problemas no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), o que ensejou intensa atuação dos órgãos de defesa do consumidor em face das concessionárias de energia elétrica, sendo aplicadas diversas sanções, valendo citar a multa aplicada pelo Procon SP à Enel no valor de R$ 12,9 milhões e pela Senacon à Enel RJ, no valor de R$ 13 milhões de reais.
Na sequência, com a tragédia no Rio Grande do Sul, inúmeras violações ao CDC puderam ser vivenciadas, tal como aumento abusivo de preços, sendo publicada Nota Técnica com orientações em relação à prática abusiva, estabelecendo estratégias destinadas à fiscalização de preços, quantidade e segurança de produtos e serviços, durante estado de calamidade pública ou de emergência. Ainda, Senacon e Anac estabeleceram medidas para viabilizar a retomada da aviação civil no Estado, além de alteração nas regras de remarcação e reembolsos.
A saúde dos consumidores, em razão do cancelamento de muitos contratos, também está em pauta. Além das ações judiciais e outras medidas, a Senacon emitiu Nota Técnica tratando dos cancelamentos unilaterais em razão do aumento das reclamações registradas na plataforma governamental – consumidor.gov.br, sendo, em novembro de 2024, instaurado processo administrativo contra os planos de saúde, suspenso, em 10/12/24, em razão da criação de grupo de trabalho com representação de consumidores, de operadoras de planos de saúde e da ANS para fins de elaboração de proposta de melhorias para atendimento ao consumidor.
Além desses temas, não podemos deixar de mencionar os números de reclamações perante o Procon SP que, atualizados até 17/12/24, totalizavam 814.724, sendo que atraso na entrega, questões relacionadas a reembolso e cobrança indevida estavam entre os principais problemas.
O TJ-SP, na mesma linha das reclamações administrativas julgou questões envolvendo (1) revisão de contratos bancários, fraude e golpes em operações bancárias praticadas por terceiros, (2) questões relacionadas a cobrança e negativação indevida no setor de telefonia; (3) problemas relacionados à interrupção no fornecimento de energia elétrica; (4) transporte aéreo; (5) negativa de cobertura por parte de planos de saúde; entre outros.
Entre os temas julgados pelo STJ, vale citarmos a publicação da Súmula 675 que dispõe ser “legítima a atuação dos órgãos de defesa do consumidor na aplicação de sanções administrativas previstas no CDC quando a conduta praticada ofender direito consumerista, o que não exclui nem inviabiliza a atuação do órgão ou entidade de controle quando a atividade é regulada”.
No tema da saúde, a 4ª Turma jugou que “É legítima a recusa de seguradora em renovar o contrato de seguro de vida em grupo, desde que previamente notificado o segurado e não aceita a proposta alternativa apresentada” [1]. Também perante a Quarta Turma foi decidido que “É abusiva a negativa de tratamento essencial ao controle de doença degenerativa do sistema nervoso, apenas por ser o medicamento administrável na forma oral em ambiente domiciliar, quando, entre outras circunstâncias, esteja incluído no rol da ANS e faça parte de específico tratamento escalonado pelo qual o paciente necessariamente precisa passar para ter direito ao fornecimento de fármaco de cobertura obrigatória [2]. Já a 3ª Turma, ao julgar uma questão envolvendo exame realizado no exterior por beneficiária diagnosticada com câncer de mama, o STJ entendeu que a recusa de cobertura foi justificada pois a área geográfica de abrangência é limitada ao território nacional, salvo se houver previsão contratual em sentido contrário [3].
Em decisão envolvendo o polêmico artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor que trata das hipóteses colocadas à disposição do consumidor caso o produto, com vício, não seja reparado, no prazo de 30 dias ou no prazo acordado entre as partes, assertivamente, a 3ª Turma decidiu que “O consumidor não pode requerer a restituição da quantia paga por um produto que foi utilizado por um longo período depois de ter sido devidamente reparado, mesmo que o conserto tenha ocorrido após o esgotamento do prazo de 30 dias concedidos ao fornecedor pelo §1º, do artigo 18, do CDC” [4].
SAC, tema que certamente será muito debatido em 2025, também foi apreciado pela 2ª Turma que decidiu “É abusiva a prática consistente em condicionar as informações solicitadas via SAC ao fornecimento de informações pessoais do consumidor ou ao preenchimento de dados cadastrais, bem como é inadmissível a negativa de fornecimento do número de protocolo do atendimento [5].
Em relação às instituições financeiras a 4ª Turma entendeu que estas não podem ser responsabilizadas pelo roubo de que o cliente fora vítima, em via pública, após chegada ao seu destino portando valores recentemente sacados diretamente no caixa bancário, porquanto evidencia-se fato de terceiro, que exclui a responsabilidade objetiva, por se tratar de caso fortuito externo [6]. Em relação à demora no atendimento nas agências, em Recurso Repetitivo, a 2 Seção decidiu que “O simples descumprimento do prazo estabelecido em legislação específica para a prestação de serviços bancários não gera por si só dano moral in re ipsa” [7]. A 3ª Turma decidiu que “Não há defeito na prestação do serviço quando a instituição financeira comprova ter cumprido com seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, bem como a identidade e a qualificação dos titulares da conta, independentemente de atuar exclusivamente no meio digital [8].
Sobre a venda de ingressos a 4ª Turma decidiu que “Não configura prática abusiva a cobrança das taxas de conveniência, retirada e/ou entrega de ingressos comprados na internet, desde que o valor cobrado pelo serviço seja acessível e claro” [9]. Na mesma linha, a posição da 2ª Turma de que “São válidas as práticas de intermediação, pela internet, da venda de ingressos mediante cobrança de ‘taxa de conveniência’; assim como de venda antecipada de ingressos a um determinado grupo de pessoas; e a indisponibilidade de certas formas de pagamento nas compras efetuadas on-line e por meio de call center” [10].
Não podemos deixar de mencionar a decisão da Segunda Turma que enfrentou o tema dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), decidindo que “É compatível com o ordenamento jurídico o Decreto n. 4.680/2003, na parte que estabelece o limite de 1 (um) por cento, acima do qual se torna obrigatória a informação expressa nos rótulos dos produtos alimentícios comercializados da presença de OGM [11].
Não obstante inúmeros outros temas de relevância, acreditamos que 2025 será marcado por grandes debates no que se refere (1) aos jogos e apostas e reflexo no superendividamento; (2) alteração do Decreto do SAC em razão da recente minuta, publicada pela Senacon, em 18/11/2024, que entre outras alterações, incluiu obrigações para fornecedores de produtos e serviços com faturamento acima de R$ 300 milhões; (4) rescisão unilateral de contratos pelas operadoras de saúde, bem como (5) as consequências do julgamento sobre o artigo 19, do Marco Civil da Internet, diante do voto do Ministro Toffoli, que considerou inconstitucional a atual regra que rege a responsabilização civil das plataformas e de que compete às redes a retirada do conteúdo ilegal de forma imediata, sem esperar por uma ordem judicial. Até a finalização desse artigo, o julgamento, após pedido de vista do ministro Barroso, ainda não havia sido retomado.
[1] PROCESSO AgInt no REsp 1.585.935-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/2/2024, DJe 28/2/2024.
[2] PROCESSO AgInt no AREsp 2.251.773-DF, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para o acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024.
[3] REsp 2.167.934-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 17/10/2024.
[4] TERCEIRA TURMA – PROCESSO REsp 2.103.427-GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para Acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 18/6/2024, DJe 25/6/2024.
[5] PROCESSO REsp 1.750.604-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024.
[6] PROCESSO AgInt no AREsp 1.379.845-BA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024.
[7] PROCESSO REsp 1.962.275-GO, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/4/2024, DJe 29/4/2024. (Tema 1156).
[8] REsp 2.124.423-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 20/8/2024, DJe 27/8/2024.
[9] PROCESSO REsp 1.632.928-RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 9/4/2024, DJe 25/4/2024.
[10] REsp 1.984.261-SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por maioria, julgado em 27/8/2024.
[11] REsp 1.788.075-DF, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024.
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