Transformação de súmulas em temas repetitivos obstativos de recursos
22 de dezembro de 2024, 9h23
Muitas súmulas são criadas com o intuito de obstar recursos excepcionais [1], o que não é novidade. No entanto, houve uma evolução as súmulas obstativas de recursos [2] para temas repetitivos obstativos de recurso especial.
É uma novidade que o STJ decidiu em 2024, primeiramente quando afetou para matéria repetitiva, na 1ª Seção, o seguinte tema: “(In)admissibilidade de recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício previdenciário por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente)”.
Essa questão virou o Tema Repetitivo 1.246 e tramitou durante 2024, com o julgamento no segundo semestre. Em síntese, a questão para a discussão versava sobre uma situação previdenciária sobre o não preenchimento pelo recorrente sobre a incapacidade, com a dúvida se para situações como estas (e já delineando hipóteses como invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente) se utilizaria a súmula 7 do STJ.
Essa é a questão controvertida: a utilização repetitiva da Súmula 7 do STJ para determinada situação específica repetitiva.
A Súmula 7 do STJ já é uma das mais utilizadas, o que levaria à necessidade de um repetitivo sobre a matéria? Essa é a indagação a ser respondida. A questão foi a identificação que determinada situação fática – ou um conglomerado de situações fáticas que dialogam em uma mesma questão jurídica – ganhou um status repetitivo, com vários recursos especiais para questionar o mesmo item, a mesma questão jurídica e, de certa maneira, gerando a discussão sobre a utilização da referida súmula sempre nos casos.
A questão, aparentemente, é solucionada pela Súmula 7 do STJ, porém o que se percebe pela própria criação do tema repetitivo é a busca pela retirada da matéria do Tribunal Superior, obstando, via precedente judicial repetitivo, a chegada de recursos sobre a questão jurídica.
Mesmo com a Súmula 7 do STJ sendo aplicável ao caso (no entendimento do STJ), se as partes continuam a interpor o recurso especial, mesmo com a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido pela inadmissibilidade e não remessa ao STJ, caberia o agravo em recurso especial, como disposto no artigo 1.042 do CPC.
Já com a transformação de uma situação específica de utilização da Súmula 7 do STJ em tema repetitivo e sua decisão for pela aplicação constante da referida súmula, o óbice ao recurso especial deixa de ser pela súmula, mas pelo precedente judicial repetitivo, o que impõe ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido em negar seguimento pelo tema em questão, não pela súmula, com o cabimento somente do agravo interno para questionar essa decisão, não mais o agravo em recurso especial.
Ou seja, a revisão da correção ou não do tema repetitivo, o enquadramento ou não da situação fática sobre este ponto, será do próprio tribunal recorrido, pelo seu pleno, se houver a interposição do agravo interno.
Esse é o grande intuito dessa transformação realizada de uma súmula em um tema repetitivo em específico: barrar agravos em recurso especial e repassar a revisão para os tribunais de segundo grau.
O resultado do julgamento do Tema Repetitivo 1.246 pela 1ª Seção foi no seguinte sentido:
“Tema Repetitivo 1246 – STJ: É inadmissível recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente).”
Dessa maneira, com a transformação de uma súmula obstativa de recurso como a Súmula 7 do STJ para uma situação específica inserir que no caso em concreto caberá a súmula por meio de um tema repetitivo, já concede à discussão jurídica um óbice recursal ainda maior, criando um tema repetitivo obstativo de recurso especial.
A Súmula 7 do STJ é a pacificação do não cabimento de recurso especial para rediscussão sobre uma jurisdição fática, sobre os fatos do processo e a impossibilidade de reexame de provas, mas é uma súmula aberta a qualquer caso. O que o STJ fez foi reduzir, em tema repetitivo, que na situação fática específica a súmula já é cabível, impedindo recursos especiais desde logo e, se interpostos, que não cheguem ao STJ.
Foi criado um misto da utilização do rito repetitivo do recurso especial e a utilização de súmula obstativa para conceder efeito vinculante à não admissibilidade deste recurso em determinada situação. O intuito foi realmente retirar do STJ esta recorribilidade e esta matéria, impondo um óbice ainda maior à recorribilidade sobre a questão jurídica e se o recurso ainda for interposto, transferindo para o tribunal recorrido a revisão sobre o enquadramento da Súmula 7 do STJ via precedente judicial repetitivo e vinculante, não mais meramente persuasivo.
De certo modo, é mais um obstáculo ao STJ, transformando ainda mais a jurisdição em realmente excepcional, porém a preocupação é se esta situação sempre será uma aplicação da Súmula 7 do STJ mesmo, com a retirada de qualquer questionamento pelas partes e, nesse caso em específico, por pretendentes a benefícios previdenciários, com a porta fechada para o STJ se o tribunal entender pela falta de requisito para a incapacidade.
Alguns pontos causam reflexão e são temerários
O primeiro é sobre a própria questão e a indagação anterior, se todas as discussões sobre a questão de requisito de incapacidade poderão ser enquadrados nesse tema e não voltarão mais ao STJ, o que pode gerar óbice em discussões que deveriam chegar ao tribunal superior. O que pode levar a uma malversação e má aplicação do próprio tema e sem uma possibilidade de revisão clara pelo STJ, dado o não cabimento do agravo em recurso especial.
O segundo está na possível proliferação que pode ocorrer de diversas conversões de súmulas obstativas de recursos em temas repetitivos com especificação fática, transformando situações e aplicação da súmula em teses repetitivas, o que faria com que a técnica de repetitivo fosse readequada para inadmitir recursos especiais e construir em diversas situações específicas.
Como são diversas situações e as súmulas são abertas, como a Súmula 7 do STJ, seriam muitos temas para adequar. Seria como se a Súmula 7 do STJ, por exemplo, se transformasse em diversos temas repetitivos que seriam sobre a situação fática X e a aplicação da súmula automaticamente e, assim, a matéria não chegaria mais ao STJ.
E se a Súmula 7 do STJ foi a primeira, outras súmulas obstativas podem seguir o mesmo caminho. A preocupação deve ser sobre cada construção ter uma afetação e decisão clara sobre a situação fática específica, sem ocorrer de modo aberto ou abrangente, sem uma delimitação específica. Se a súmula em questão é aberta, o tema repetitivo deve ser mais fechado faticamente para funcionar como obstativo de recurso especial.
E o terceiro ponto de preocupação é a restrição da reclamação para casos em que necessariamente seriam casos em que detém uma situação distinta do tema em si, mesmo versando sobre requisito de incapacidade (para falar do que já foi definido no Tema Repetitivo 1.246), com a necessária análise pelo STJ.
Para que se crie os temas repetitivos obstativos de recursos, é necessário que o próprio tribunal superior abra um caminho, ainda que via reclamação, para que possa ajustar a sua própria decisão e as situações distintas e de má aplicação pelo tribunal recorrido. E, ainda, que o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido em situações assim, mesmo que o tema tenha sido aplicado, contudo com discussão clara de distinção, proceda a admissibilidade do recurso especial para que o STJ possa analisar o tema e a fundamentação de distinção.
[1] “Dessa maneira, pode-se entender como Súmulas Impeditivas de recursos excepcionais. Mas, é um instituto claro? De certo modo, não são as Súmulas em si que impedem a admissibilidade do recurso, mas os requisitos já existentes, tanto os gerais quanto os específicos, delineados pelo entendimento pacificado pelo Tribunal Superior via Súmula.” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais. 7ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2024. p.
[2] Exemplos de súmulas obstativas de recursos: as Súmulas no 7, 115 e 211 do STJ, bem como as Súmulas no 279, 282, 284 e 356 do STF. São Súmulas dos Tribunais Superiores que versam sobre admissibilidade dos recursos excepcionais, com um emaranhado muito maior existente sobre tal ponto e aplicadas cotidianamente na análise destes.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!