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Conclusão do acordo UE-Mercosul e o spillover effect das resoluções do Green Deal Europeu

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  • é mestre em Direito pela USP especialista em Direito e Processo Penal pelo IDP graduada pela UFMG advogada habilitada no Brasil e em Portugal e especializada em Compliance PLD Sanções Internacionais e ESG.

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  • é consultor jurídico professor universitário doutorando e mestre em Direito pela Fundação Getulio Vargas-SP presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade) e advogado com destacada atuação em temas de direito público corporativo e compliance.

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22 de dezembro de 2024, 8h00

Desde 1986, o meio ambiente tornou-se uma esfera de cooperação política na União Europeia [1]. Com o passar dos anos, as políticas ambientais relacionadas ao meio ambiente, clima e energia evoluíram para o núcleo das tomadas de decisão [2]. Em 2019, foi introduzido o Green Deal Europeu como o principal impulsionador da estratégia de crescimento econômico do bloco, colocando a transição ecológica no centro das suas políticas.

O Green Deal é um pacote de iniciativas destinado à transição para uma economia verde e uma sociedade resiliente ao clima. A meta é que a Europa esteja completamente adaptada aos impactos inevitáveis das mudanças climáticas e alcance a neutralidade climática até 2050. Entre 1990 e 2018, o bloco reduziu em 23% suas emissões de gases de efeito estufa, enquanto a economia cresceu 61%. Em 2021, a Lei do Clima da UE reforçou o compromisso de neutralidade climática, estabelecendo a meta de reduzir as emissões líquidas em pelo menos 55% até 2030, em relação aos níveis de 1990. Em 2023, o pacote legislativo ‘Fit for 55’ foi adotado, juntamente com medidas de economia e eficiência energética [3].

A diplomacia do Green Deal busca usar ferramentas diplomáticas, financeiras e comerciais para apoiar outros países na transição ecológica. Como maior mercado único do mundo, a UE estabelece padrões aplicáveis em cadeias de valor globais e colabora com parceiros para desenvolver mercados internacionais.

Diversas normativas do Green Deal afetam não apenas as empresas sediadas na UE, mas também filiais de empresas estrangeiras que participam de cadeias de valor globais ou que desejam exportar para o bloco. Entre elas estão a Diretiva de Diligência Devida em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), o Regulamento de Materiais Críticos (CRMA), o Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) e o Regulamento sobre Trabalho Forçado.

Em paralelo, o Acordo UE-Mercosul, concluído em 2024 após mais de duas décadas de negociações, representa um marco no fortalecimento dos laços econômicos e políticos entre os blocos [4]. A assinatura será realizada uma vez que os textos negociados passem por uma revisão jurídica e sejam traduzidos para os idiomas oficiais dos países. Em seguida, o acordo seguirá os ritos internos de aprovação e será ratificado, para enfim entrar em vigor. Como o acordo estabelece a possibilidade de vigência bilateral, basta que a UE e o Brasil tenham concluído o processo de ratificação para a sua entrada em vigor para ambos [5].

A UE é um dos principais parceiros comerciais do Mercosul, e este acordo tem potencial para aumentar significativamente o comércio e investimento entre as regiões. O acordo prevê reduções ambiciosas de tarifas para os setores industrial e agrícola. O acordo prevê a remoção de tarifas sobre aproximadamente 95% dos bens e 92% do valor das importações europeias de bens brasileiros [6].

Além de eliminar barreiras tarifárias e não tarifárias, o acordo inclui um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável. O Capítulo 17 reafirma compromissos com normas sociais e ambientais, integrando dimensões econômicas, sociais e ambientais no relacionamento comercial. Esse capítulo assegura o direito de regulação de aspectos ambientais e trabalhistas por cada país, desde que não representem discriminação arbitrária ou restrições disfarçadas ao comércio. As medidas devem ser baseadas em evidências científicas de órgãos reconhecidos e em padrões internacionais. Também enfatiza transparência e participação pública na elaboração de medidas [7].

O Anexo ao Capítulo 17 reforça a urgência de enfrentar desafios ambientais, geopolíticos e comerciais, destacando a necessidade de acelerar ações para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Anexo detalha, dentre as áreas de cooperação os acordos multilaterais (como o Acordo de Paris e Convenções da OIT), relações birregionais de comércio e investimento e abordagens sustentáveis em políticas domésticas. Essas disposições estabelecem um ambiente propício para a harmonização de normativas e legislações entre as duas economias [8].

As normativas do Green Deal geram impacto significativo sobre as exportações brasileiras. Um estudo da própria União Europeia com relação ao impacto da CSDDD no Brasil destacou que o “spillover effect” das normativas da EU podem ser tanto positivos quanto negativos e a capacidade das normativas de gerar efeitos positivos dependeria da disposição da UE em incluir as demandas das pessoas afetadas e seus representantes no texto final. Dentre os potenciais efeitos negativos, o estudo destaca elevados custos para empresas brasileiras cumprirem as normativas, interrupção do comércio entre os blocos; aumento da atividade econômica informal que pode levar involuntariamente a práticas ilegais ou antiéticas, como corrupção; e complexidade na coordenação e harmonização entre diferentes legislações da cadeia de suprimentos global [9].

Com a crescente ênfase em normas de sustentabilidade e responsabilidade social, inclusive a partir da conclusão do acordo, as empresas brasileiras devem se adaptar às exigências do Green Deal para garantir seu acesso ao mercado europeu, que representa uma oportunidade significativa de negócios. Vale lembrar que estudo da FGV Europe constatou que, em 2023, a União Europeia foi o segundo maior parceiro comercial do Brasil. O país se destacou como o principal exportador de produtos agrícolas e alimentícios para a UE [10].

A CSDDD, por exemplo, impacta empresas brasileiras em suas cadeias de fornecimento, exigindo maior escrutínio de parceiros comerciais em relação a direitos humanos e meio ambiente. As empresas brasileiras, mesmo sem sede na UE, precisarão realizar avaliações de risco, desenvolver políticas e revisar contratos para atender às obrigações de suas contrapartes europeias. Isso implica ajustes operacionais (adoção de novos materiais, tecnologias, certificações ESG) e legais (cláusulas contratuais de conformidade, auditoria e suspensão). O impacto é mais significativo para empresas que exportam diretamente para a UE ou que trabalham com empresas europeias cobertas pela diretiva [11].

Já o EUDR afeta diretamente as exportações brasileiras de produtos agrícolas como soja, madeira e café, exigindo prova de que suas cadeias de suprimentos são livres de desmatamento. Empresas brasileiras terão que implementar sistemas de rastreabilidade, monitoramento e verificação para garantir a conformidade, o que implica custos e ajustes na produção e comercialização [12].

Similarmente ao EUDR, o Regulamento sobre Trabalho Forçado impacta significativamente as empresas brasileiras, exigindo demonstração de que suas cadeias de suprimentos são livres de trabalho forçado. A adaptação envolve auditorias, melhorias nas condições de trabalho e na transparência das operações, com impacto potencialmente severo em empresas com práticas precárias [13].

O CRMA afeta empresas brasileiras que atuam na extração e exportação de materiais críticos para a transição energética da Europa. As empresas precisarão cumprir com os requisitos de fornecimento seguro e sustentável desses materiais, o que pode incluir transparência na cadeia de suprimentos, novas certificações e práticas de mineração mais sustentáveis [14].

O acordo busca integrar práticas ambientais e sociais nas cadeias de valor, reconhecendo a interdependência entre comércio e sustentabilidade. A cooperação em áreas como mineração responsável, energia renovável, e biodiversidade é crucial para alcançar os objetivos mútuos de crescimento econômico e proteção ambiental, criando oportunidades comerciais e de investimento para ambos os blocos [15]. A integração de práticas sustentáveis no acordo reforça a necessidade de um desempenho ambientalmente responsável das empresas brasileiras [16].

Essas normativas colocam as empresas brasileiras diante de desafios operacionais e legais. As exigências de rastreamento, certificações e práticas mais responsáveis aumentam os custos, exigem investimentos e melhorias contínuas nos processos produtivos e nas relações comerciais. A cooperação com parceiros comerciais e o fortalecimento das cadeias de valor são cruciais para atender às novas exigências.

Por outro lado, representam uma oportunidade para avançar na internacionalização da marca. Empresas que adotam práticas ESG e investem em transparência possuem vantagem competitiva no acesso ao mercado europeu e global.

Portanto, a intersecção entre o Acordo UE-Mercosul e o Green Deal reflete a crescente interdependência entre comércio e sustentabilidade. A pressão por conformidade com as normativas da UE é intensa, mas também oferece uma oportunidade para as empresas brasileiras consolidarem relações comerciais mais sustentáveis. Além de impulsionar o desenvolvimento econômico, essas transformações podem posicionar o Brasil como líder em sustentabilidade em um mercado global cada vez mais exigente.

 


[1] Single European Act (SEA)

[2] Treaty on European Union (TEU) / Maastricht Treaty

[3] European Climate Law

[4] Acordo de Parceria entre Mercosul e União Europeia

[5] PerguntaserespostasMERCOSULUE.pdf

[6] Fact Sheet Acordo de Parceria entre Mercosul e União Europeia

[7] Capítulo 17 – Trade and Sustainable Development

[8] Anexo ao Capítulo 17

[9] Spillover Effects of the EU Supply Chain Legislations

[10] The Global Gateway Initiative within the context of Brazil-Eurelations, FGV Europe, 2024.

[11] Directive – EU – 2024/1760 – EN – EUR-Lex

[12] Regulation – 2023/1115 – EN – EUR-Lex

[13] Regulation – EU – 2024/3015 – EN – EUR-Lex

[14] Regulation – EU – 2024/1252 – EN – EUR-Lex

[15] Factsheet EU-Mercosur on Critical Raw Materials

[16] Factsheet EU-Mercosur on Sustainable Development

Autores

  • é mestre em Direito pela USP, especialista em Direito e Processo Penal pelo IDP, graduada pela UFMG, advogada habilitada no Brasil e em Portugal e especializada em Compliance, PLD, Sanções Internacionais e ESG.

  • é consultor jurídico, professor universitário e advogado, com destacada atuação em temas de Direito Público, Corporativo e Compliance, doutorando e mestre em Direito pela Fundação Getúlio Vargas-SP.

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