Opinião

Crime de extorsão: recebimento da vantagem econômica pode aumentar pena-base?

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21 de dezembro de 2024, 7h02

Este artigo busca responder ao questionamento sobre a possibilidade do exaurimento no crime de extorsão (artigo 158, Código Penal) ser utilizado como circunstância judicial negativa nos termos do artigo 59 do CP.

O artigo estabelece que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, procederá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Outrossim, como já destacado no livro “Aplicação da Pena” (2020, página 65), “a pena-base é o primeiro marco no momento da fixação da pena, a qual é encontrada após a valoração das circunstâncias judiciais (artigo 59, CP)”, que pode se tornar definitiva, caso inexistam agravantes e atenuantes ou causas de diminuição ou aumento da pena.

Como se sabe, no crime de extorsão o agente (sujeito ativo) constrange a vítima (sujeito passivo) mediante violência ou grave ameaça — e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica — a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.

Sendo assim, pode ser que o criminoso mediante grave ameaça constranja a vítima a lhe dar uma determinada quantia em dinheiro, sob pena de divulgar alguma informação pessoal desta.

Pergunta-se, o recebimento da vantagem econômica (ou mesmo a tolerância da vítima que se faça ou deixar de fazer alguma coisa) pode ensejar o aumento da pena-base do sujeito ativo?

Extorsão é crime material ou formal?

Primeiramente, cabe registrar acerca da consumação do delito de extorsão, isto é, se o mesmo se trata de delito material ou formal. Há algumas teorias acerca do tema:

Crime material (minoritária): Para essa parte da doutrina, o delito de extorsão se consuma com o recebimento da vantagem econômica pelo criminoso. Logo, se não houver o recebimento da referida vantagem, há mera tentativa.
Crime formal (majoritária): Já para essa parte da doutrina, o crime de extorsão é crime formal, sendo que para uns se consuma quando o agente constrange a vítima (sujeito passivo), mediante violência ou grave ameaça — e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica — a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, nos exatos termos do caput do artigo 158 do CP.

Há precedentes do STJ nesse sentido:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO. CONSUMAÇÃO. MOMENTO EM QUE HÁ O EFETIVO CONSTRANGIMENTO. OBTENÇÃO DA VANTAGEM ECONÔMICA INDEVIDA. MERO EXAURIMENTO. SÚMULA 96/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A consumação do delito de extorsão ocorre quando há o efetivo constrangimento, independente da obtenção da vantagem. Isso porque o crime de extorsão é formal, consumando-se no momento em que o agente, mediante violência ou grave ameaça, constrange a vítima com o intuito de obter vantagem econômica indevida. O recebimento da vantagem, por sua vez, constitui mero exaurimento do crime. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.880.393 – SP, Rel. MINISTRO RIBEIRO DANTAS, 5ª T., DJe: 20/09/2021)

No mesmo sentido: STJ, AgRg no Recurso Especial nº 1.907.765 — AC, relatora ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe: 25/11/2021.

O Supremo Tribunal Federal tem precedente nesse sentido: RHC 117.129, relator(a): Luiz Fux, 1ª , julgado em 10-09-2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-191  DIVULG 27-09-2013  PUBLIC 30-09-2013.

Já para outra vertente desta mesma teoria, não basta o constrangimento do autor em face da vítima, sendo necessário que esta se submeta ao constrangimento que lhe foi imposto, seja realizando um fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Sendo assim, caso a vítima não se submeta ao constrangimento, há mera tentativa. Nesse sentido, preciso é o magistério de Nélson Hungria (1955, p.74):

Apesar de se tratar de crime formal, a extorsão admite tentativa, pois não se perfaz unico actu, apresentando-se um iter a ser percorrido. Assim, toda vez que deixa de ocorrer a pretendida ação, tolerância ou omissão da vítima, não obstante a idoneidade do meio de coação […] de se ultimar (por circunstância alheia à vontade do agente), não se pode reconhecer senão a tentativa.

Também há precedentes do STJ nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO QUALIFICADA. CRIME CONSUMADO. VÍTIMA QUE SE SUBMETEU ÀS EXIGÊNCIAS DOS RÉUS. ENTREGA DOS VALORES EXIGIDOS. FLAGRANTE ESPERADO. INVIABILIDADE DA TESE DO CRIME IMPOSSÍVEL. VANTAGEM INDEVIDA. MERO EXAURIMENTO DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O crime de extorsão é formal e se consuma no momento em que a vítima, submetida a violência ou grave ameaça, realiza o comportamento desejado pelo criminoso. É irrelevante que o agente consiga ou não obter a vantagem indevida, pois esta constitui mero exaurimento do crime (Súmula n. 96 do STJ). (AgRg no REsp 1.868.140/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 14/08/2020)

Nesse mesmo sentido: STJ, Habeas Corpus Nº 410.220 — PB, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe: 23/02/2018.

De igual forma há precedente do Supremo Tribunal Federal: RvC 4886, Relator(a): Sepúlveda Pertence, relator(a) p/ Acórdão: Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 29-03-1990, DJ 02-04-1993 PP-06919  EMENT VOL-01698-04 PP-00701 RTJ VOL-00146-01 PP-00049.

Spacca

No campo jurisprudencial, a corrente que prega a natureza de crime formal se sobressai, conforme estabelece a Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça: “O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.”

Desta forma, já ficou assentado que a doutrina e jurisprudência majoritárias assentam a natureza formal do crime de extorsão.

Todavia, conforme se observa dos precedentes do STJ e do STF, uns consideram que, para a consumação da extorsão, basta o constrangimento contra a vítima e outros entendem que além do constrangimento realizado pelo sujeito ativo, necessita que a vítima realize a conduta a que foi constrangida.

Recebimento da vantagem indevida caracteriza circunstância judicial negativa?

Sendo assim, voltemos à pergunta objeto deste articulado: o recebimento da vantagem econômica pode ensejar o aumento da pena-base do sujeito ativo?

No campo doutrinário há quem sustente a admissibilidade do exaurimento do crime de extorsão ser utilizado como fundamento para um aumento da pena-base do condenado. Nesse sentido, Cleber Masson (2022, p.459):

Tratando-se de crime formal, a superveniência do resultado naturalístico é possível, mas prescindível para fins de consumação. Se, todavia, o agente alcançar a visada vantagem econômica indevida, o crime atingirá o exaurimento, que deverá ser levado em consideração na dosimetria da pena-base, como consequência do delito, nos termos do artigo 59, caput, do Código Penal.

No mesmo sentido, Rogério Sanches Cunha (2018, p.523):

Para a maioria, o crime é formal (ou de consumação antecipada), perfazendo-se no momento em que o agente emprega os meios aptos a constranger a vítima a lhe proporcionar indevida vantagem econômica (o enriquecimento indevido constitui mero exaurimento, a ser considerado na fixação da pena).

Data venia, em que pese o respeito à opinião dos festejados doutrinadores (e de qualquer pessoa que pense diversamente), sou contrário à admissibilidade do recebimento da vantagem econômica poder ensejar o aumento da pena-base do sujeito ativo no crime de extorsão (artigo 158, CP), senão vejamos.

Ora, como sabido, o delito de extorsão é crime contra o patrimônio, logo, tem-se que o motivo da prática da referida infração penal é a obtenção de alguma vantagem econômica (que no artigo 158 do CP está dito de forma expressa “e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica”).

Por esta singela razão, com relação ao crime de extorsão (artigo 158 do CP), a motivação do agente em conseguir uma vantagem econômica não pode ser utilizada como motivo negativo nos termos do artigo 59 do CP, sob pena de violação ao princípio da ne bis in idem. Tratando acerca dos motivos do crime, no livro “Aplicação da Pena” (2020, p.95-96), defendi:

Por fim, cabe destacar ainda, caso o motivo – o que vale para todas as circunstâncias judiciais – seja inerente à estrutura típica do delito atribuído ao réu, o mesmo não poderá ser valorado para a fixação da pena-base, vez que também seria caso de bis in idem, tendo em vista que os motivos já teriam sido levados em consideração pelo legislador no momento da conduta delituosa.

Assim, por exemplo, não seria possível o julgador valorar negativamente o motivo lucro fácil com relação aos delitos patrimoniais (furto, roubo, apropriação indébita, etc.), eis que em tais crimes o referido motivo é inerente aos crimes patrimoniais, ou seja, tal circunstância faz parte da estrutura típica dos referidos delitos, conforme entende o STJ, por exemplo, no HC 556481/PA, Ministro RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, DJe 12/02/2020.

Por outro lado, remanesce a pergunta: na infração penal da extorsão, excluída a circunstância judicial “motivo” do crime, o recebimento da vantagem econômica pode ocasionar o recrudescimento da pena-base a título de outra circunstância judicial prevista no artigo 59 do CP?

A nosso ver, a resposta só pode ser negativa. Isto porque, assim como acontece com os motivos dos crimes nos delitos patrimoniais, frise-se, e a extorsão é um delito patrimonial, as consequências do crime (artigo 59 do CP) nos delitos patrimoniais tem como inerência que o agente obtenha a vantagem econômica e que a vítima tenha um desfalque na mesma medida. Por exemplo, se a vítima foi constrangida pelo sujeito ativo e entregou R$ 10 mil ao agente, respectivamente, a consequência da infração penal da extorsão é que a vítima teve um prejuízo no referido quantum e o sujeito ativo obteve um acréscimo no mesmo patamar.

Com efeito, por se tratar de delito patrimonial, o recebimento da vantagem econômica é almejado (motivo do crime) pelo sujeito ativo e tem como consequência inseparável que a vítima sofra um desfalque patrimonial e por outro lado o autor da extorsão obtenha um aumento no seu patrimônio.

Importa ficar claro que, por se tratar de crime formal, a extorsão se consuma, conforme a doutrina e jurisprudência majoritárias, quando o agente constrange a vítima mediante violência ou grave ameaça — e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica — a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa (desde que a vítima realize a conduta que lhe foi requerida), pouco importando se há o recebimento ou não da vantagem.

Se é assim, se mostra altamente indevido o incremento punitivo na extorsão ante o fato do recebimento da vantagem indevida (exaurimento), já que o motivo do crime é a obtenção de ganho patrimonial, sendo inerente ao delito que a vítima sofra um prejuízo e o criminoso obtenha um ganho patrimonial indevido. Sobre o ne bis in idem e o princípio da inerência, precioso é o magistério de Keity Saboya (2014, p.232):

Por ocasião da determinação judicial da pena, é indiscutível, ao menos em teoria, a impossibilidade de renovação do juízo de valoração dos elementos inerentes ao próprio tipo penal, representados por aquelas circunstâncias que, por si mesmas, constituam o delito ou sejam essenciais a sua configuração.

A doutrina espanhola trata a proibição de revaloração das circunstâncias de aplicação da pena como princípio da inerência, entendendo-se por esse termo a união entre coisas que são inseparáveis por sua própria natureza ou que somente podem separar-se por abstração.

[…] É que, ao incluir-se determinada circunstância no processo de incriminação de uma conduta, esse elemento – já considerado pelo legislador – apreende ou absorve o desvalor integral que ela representa na figura típica subsuntiva, exaurindo qualquer possibilidade de o magistrado considerá-la na determinação em concreto da pena.

Diante do exposto, caso seja aceito que o recebimento da vantagem indevida no crime de extorsão enseje a caracterização de circunstância judicial negativa, há clara violação ao princípio do ne bis in idem, já que se considera a valoração de circunstâncias inerentes ao referido tipo penal.

Por idênticas razões, exemplificativamente, não se deve admitir a causa de aumento da pena constante do crime de corrupção passiva (artigo 317 do CP).

O artigo 317 do CP dispõe que caracteriza corrupção passiva o ato de solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, sendo que o § 1º do aludido artigo estabelece uma causa de aumento de pena, qual seja, a pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Dito de outra forma, o §1º do artigo 317 do CP estabelece uma causa de aumento da pena em caso de exaurimento do delito de corrupção passiva, conforme defende a doutrina. Nesse sentido é o magistério de Nélson Hungria (1958, p.370):

Apresenta-se, aqui, um caso em que o exaurimento do crime (seguindo-se à consumação) funciona como condição de maior punibilidade. A majoração é condicionada à efetiva violação do dever funcional: retardamento ou abstenção de ato de ofício, ou prática de ato contrário ao dever do cargo ou função. Nos dois primeiros casos, trata-se de ato lícito (que se retarda ou omite); no terceiro, de ato ilícito.

Nesse diapasão, a causa de aumento da pena prevista no §1º do artigo 317 do CP é indevida, já que o funcionário público busca a vantagem indevida em troca de alguma conduta sua que acabe por beneficiar o corruptor, ou seja, a causa de aumento da pena se funda em circunstâncias inerentes ao tipo penal da corrupção passiva, havendo clara violação ao princípio do ne bis in idem.

Destarte, tendo em vista que a causa de aumento da pena prevista no §1º do artigo 317 do CP viola o princípio da dupla apenação (ne bis in idem), por consequência há também a violação ao princípio da individualização da pena (XLVI, artigo 5º, Constituição), vez que há excesso de punição estatal por considerar circunstâncias inerentes ao tipo penal da corrupção passiva.

Conclusão

Sendo assim, não se pode concordar com a doutrina que defende o incremento punitivo na extorsão ante o fato do recebimento da vantagem indevida (exaurimento), tendo em vista que conforme já assentado, o motivo do crime de extorsão é a obtenção de ganho patrimonial, sendo inerente ao delito que a vítima sofra um prejuízo e o criminoso obtenha um ganho patrimonial indevido.

De fato, a admissão de que na extorsão o recebimento da vantagem indevida caracteriza circunstância judicial negativa enseja a violação ao princípio da individualização da pena (XLVI, artigo 5º, Constituição), vez que o Poder Judiciário recrudesce a pena do condenado com base em circunstância que é o motivo do crime e que também tem como consequência inerente à referida infração penal, tanto do ponto de vista da vítima que sofre o desfalque patrimonial, quanto do ponto de vista do sujeito ativo, que vai ter um aumento financeiro.

Importa registrar que, da análise da jurisprudência do STJ, verifica-se que em regra há apenas o reconhecimento de que o recebimento da vantagem econômica pelo sujeito ativo configura apenas exaurimento, sem fazer qualquer ressalva da possibilidade do exaurimento caracterizar uma circunstância judicial negativa (artigo 59 do CP), o que denota o entendimento do STJ de que o referido recebimento não pode aumentar a pena-base do condenado.

Nessa senda, conferir: STJ, AgRg no Recurso Especial nº 1.907.765 – AC, relatora ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe: 25/11/2021; REsp 1805173/MT, relator ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 14/10/2022; AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 1.880.393 – SP, relator ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe: 20/09/2021; CC 163854/RJ, relator ministro Joel Ilan Paciornik, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 09/09/2019; AgRg no HC 506875/SP, relator ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., DJe 28/08/2019; HC 450314/SP, ministro Felix Fisher, 5ª T., DJe 14/08/2018; HC 410220/PB, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 23/02/2018.

Em outras palavras e respondendo à pergunta objeto deste texto, a nosso ver, em respeito aos princípios da individualização da pena e também do ne bis in idem, não se pode admitir que o recebimento da vantagem econômica pode ensejar o aumento da pena-base do sujeito ativo do crime de extorsão (artigo 158 do CP).

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Referências

CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos. 11 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2018.

GOMES, Adão Mendes. Aplicação da Pena: doutrina e jurisprudência. Taboão da Serra: Vicenza Edições Acadêmicas, 2020.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. VII (arts.155 a 196). 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. IX (arts.250 a 361). Rio de Janeiro: Forense, 1958.

MASSON, Cleber. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212. 15. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: MÉTODO, 2022.

SABOYA, Keity. Ne bis in idem: História, teoria e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014.

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