Opinião

As visões distorcidas da Secretaria de Fazenda de São Paulo

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21 de dezembro de 2024, 17h18

A Secretaria de Fazenda de São Paulo deflagrou a operação “loki” no fim de maio deste ano notificando contribuintes a regularizar transações de participações societárias com valores baixos, indicando possíveis doações disfarçadas. O poder dever das autoridades administrativas é legítimo e deve ser por elas utilizado, mas muitas vezes a atuação dos órgãos administrativos extrapola os limites, inclusive constitucionais, evidenciando a necessidade de clareza legal na tributação de operações societárias complexas.

Sefaz/SP

No contexto da reforma tributária, os estados conseguiram emplacar uma compensação financeira para suas perdas com uma reformulação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e, no projeto original, São Paulo fez incluir uma previsão de que operações de distribuição desproporcional de lucros seriam operações de fachada para a transmissão de patrimônio sem o devido pagamento do tributo de doação.

Mesmo sem a previsão legal, a Sefaz-SP iniciou a operação “loki” para averiguar suspeitas de transmissão fraudulenta de patrimônio, incluindo situações de distribuição desproporcional de lucros e suas variantes, como a doação de ações seguida de aumento de capital com reserva de lucros.

Não se está aqui dizendo que a fiscalização tributária não deva ser realizada, mas há limites legais que devem ser não só observados, mas respeitados. Eis aqui um caso em que isso não foi feito: AIIM 4.129.976-0. Isso porque a doação não admite prova por presunção e o fiscal teria confundido o direito dos acionistas de participar dos lucros da companhia com a efetiva distribuição de dividendos.

Na visão da Sefaz, no caso mencionado, teria havido omissão quando da doação de valores advindos de dividendos mantidos em conta então ilegal de reserva de lucros da donatária, uma holding criada para que fosse feito o planejamento sucessório de uma família. O patriarca doou a nua propriedade das ações aos sucessores, reservando para si 100% do poder de voto e 20% do poder econômico dos frutos.

A Delegacia Tributária de Bauru julgou procedente a autuação e manteve integralmente o auto de infração e imposição de multa (AIIM), mantendo como responsável solidário o patriarca. O contribuinte, irresignado, recorreu ao Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo.

Em resumo, o recurso do contribuinte aduziu que a fiscalização não observou os procedimentos constantes da Lei de S.A. (Lei nº 6.404) e que a suposta doação não admitiria prova por presunção. Já que não se presume recebimento de dinheiro e que a autuação como lavrada fazia nada mais, nada menos do que tributar aumento de capital mediante incorporação de reserva de lucros, o que não é plausível juridicamente. Por fim, argumentou também que a Sefaz-SP teria confundido o direito dos acionistas de participar dos lucros da companhia com a efetiva distribuição de dividendos.

Spacca

Em sua defesa a Sefaz alegou que o aumento de capital mediante conversão de reserva de lucros seria uma doação, considerando a ideia de distribuição mínima de dividendos de que trata o artigo 202 da Lei de S.A. Também aduziu uma ocultação dos valores doados em conta de reserva de lucros, fundamentando que (1) os valores da reserva de lucros seriam na verdade da pessoa física do patriarca por serem dividendos mínimos obrigatórios que deveriam ter sido distribuídos e não foram e (2) os aumentos de capital realizados com tais valores se caracterizam como doação do patriarca à holding, fato gerador do ITCMD.

Entendimento da 6ª Câmara do TIT-SP

O juiz do TIT, dr. Flavio José Sanches Arantes, da 6ª Câmara Julgadora, afirmou em seu voto, seguido pela unanimidade dos outros juízes, que a holding, empresa donatária, acumulou os lucros contabilizando-os na conta “reserva de lucros” e nos anos fiscalizados de 2014 e 2015 tais reservas foram simplesmente utilizadas para aumento de capital da companhia, nada tendo a ver com doação. Portanto, o recurso ordinário do contribuinte foi conhecido e julgado procedente, dando-se provimento para cancelar o auto de infração e imposição de multa.

Foi citado julgamento de caso semelhante em que o então juiz dr. Flávio Nacimbem de Freitas, em 2021, decidiu que, por ser tratar de S.A, ainda que não tivesse sido observada a forma prescrita na Lei das S.A. para a distribuição de dividendos, o Fisco estadual não tem competência para determinar o valor dos dividendos e presumir a sua ocorrência.

Não há dúvida de que para o caso em comento aplica-se o artigo 202, §3°, inciso II da Lei das S.A. Isso porque a assembleia geral de acionistas das companhias fechadas pode deliberar sobre a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório ou ainda reter o lucro líquido desde que não haja discordância de qualquer dos acionistas, o que não aconteceu no caso aqui narrado, já que todos estavam de acordo.

O fato é que, se o lucro for contabilizado na conta de reserva de lucros, sem ser distribuído aos acionistas, não se pode falar em acréscimo patrimonial. No entanto, a Sefaz entendeu de forma diferente e alegou que havia acréscimo patrimonial e que a contabilização foi feita com o objetivo de ocultar patrimônio transmitido e evitar o pagamento do ITCMD devido.

Não satisfeita, a Sefaz utilizou como critério quantitativo para a autuação o valor do lucro apurado para distribuição de dividendos. Contudo, lucro apurado não equivale a saldo disponível, e o aumento de capital social não corresponde à disponibilidade em caixa para o pagamento de dividendos, de modo que a Sefaz não pode tributar essas operações como pretendia.

Portanto, diante de todos esses argumentos apresentados por ambas as partes, a 6ª Câmara do TIT-SP considerou regular a conta de reserva de lucros e que não houve nenhuma doação disfarçada para não pagamento do ITCMD, dando razão ao contribuinte.

O texto sobre a tributação de dividendos por meio do ITCMD já foi retirado do PLP 108, mas a orientação da fiscalização é manter as autuações, o que deve levar o contribuinte a avaliar cuidadosamente se e como realizará a distribuição desproporcional de dividendos ou utilizará a reserva de lucros, caso deseje evitar depender de discussões administrativas e judiciais.

Autores

  • é advogado especializado em planejamento patrimonial, nova economia, assuntos digitais e sócio da LBZ Advocacia. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP e Mestre em Direito Constitucional, possui MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI, extensão em Direito Internacional em Genebra, em Direito Falimentar pela FGV, em Estratégias de Mentoria Empresarial e Liderança por Harvard. Cursou LL.M. em Direito Societário e Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. É acadêmico de economia e entusiasta de Blockchain e criptoativos.

  • é advogada e graduada em Jornalismo, com pós-graduação em Direito Civil e especialização em Direito Empresarial e especialista em planejamento patrimonial e sucessório na LBZ Advocacia.

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