Paradoxo da Corte

Superveniente extinção ou não instituição de câmara arbitral

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  • é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

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20 de dezembro de 2024, 8h00

Há quase dez anos, dois ilustres colegas advogados, Daniel Ponte e Luisa Coelho, com arrimo em dois precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, enfrentaram a questão da extinção da câmara arbitral eleita pelas partes (Extinção da instituição arbitral eleita na cláusula compromissória e a subsistência da jurisdição privada, Migalhas, 19/10/2015).

Defenderam então que nesta inusitada hipótese, desde que não haja qualquer especificação na respectiva cláusula compromissória quanto à confiança depositada numa determinada instituição arbitral, as partes podem perfeitamente, na ocasião oportuna, escolher uma nova instituição para administrar o procedimento.

O que não se admitiu nos dois apontados acórdãos foi o ajuizamento da demanda perante o juízo estatal, fundado no argumento de que não mais subsistia a câmara constante do compromisso arbitral.

Isso significa, como bem ponderam os citados autores, que o Poder Judiciário prestigiou a vontade originária das partes, qual seja a de afastar a jurisdição estatal. Lê-se, com efeito, no voto condutor do desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, proferido no recurso de Agravo de Instrumento nº 2204194-40.2014.8.26.0000, que a turma julgadora concluiu: “não tendo sido expressamente convencionada na cláusula compromissória a vedação à substituição do órgão arbitral inicialmente eleito, deveria prevalecer a intenção das partes de afastar a jurisdição estatal, aplicando ao caso concreto, por analogia, a regra disposta no artigo 16, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96, segundo a qual ‘nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista no artigo 7º desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, expressamente, na convenção de arbitragem, não aceitar substituto’…”.

Acrescente-se que, passados dois lustros, a 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça bandeirante, ao ensejo do julgamento da Apelação nº 1017605-17.2021.8.26.0224, da relatoria do desembargador Sá Duarte, secundou idêntico entendimento, ao assentar que:

“o processo em que deduzida a execução foi julgado extinto, acolhidos os embargos, com fundamento na existência de cláusula compromissória de arbitragem, não obstante a atual inexistência da Câmara Arbitral lá especificada (São Paulo Arbitral).

Tal solução merece prevalecer, em nada abalada pelo alegado nas razões recursais.

Com efeito, ainda que a Câmara Arbitral escolhida pelas partes não mais exista, a cláusula compromissória (fl. 34) continua a produzir efeito, afastando a competência da justiça estatal.

Nesse sentido, o pronunciamento desta Câmara, quando do julgamento da Apelação nº 0019267-08.2012.8.26.0011, relatora a desembargadora Maria Cláudia Bedotti:

‘(…) a circunstância de a câmara arbitral indicada alegadamente ser inexistente não implica a ineficácia da cláusula compromissória. Ela passa a equiparar-se à cláusula vazia, isto é, aquela que não indica o método ou critério para nomeação de árbitros, limitando-se a dispor que as partes recorrerão a juízo arbitral em caso de litígio, produzindo, de qualquer modo, o efeito de afastar a competência do juiz togado’…”.

A denominada cláusula arbitral vazia – que não se confunde com a cláusula arbitral teratológica – é a que se caracteriza por não apontar a instituição arbitral que se incumbirá de administrar a procedimento, bem como por não conter os critérios de instituição da arbitragem.

Spacca

Caso análogo

Mais recentemente, no exercício profissional, deparei-me com situação de certo modo análoga àquela que ocupou a atenção dos meus referidos colegas.

Celebrado um contrato de marketing digital, as partes subscreveram compromisso arbitral, elegendo o prestigioso CAM-CCBC para administrar eventual conflito que pudesse surgir entre os contratantes.

Em momento posterior, as mesmas partes assinaram outro instrumento de prestação de serviço, coligado ao primeiro, no qual ficou estipulado que qualquer controvérsia porventura eclodida entre elas, determinada instituição arbitral, em vias de ser criada numa grande metrópole do interior do estado de São Paulo, deveria administrar o respectivo procedimento.

Pois bem, passado o tempo, os contratantes se desavieram sobre a integralidade do negócio.

Qual a instituição arbitral competente?

Ora, como aquela eleita no segundo instrumento não chegou a ser instalada, defendi a tese de que, mantida a autonomia da vontade das partes, o CAM-CCBC é que deveria ser competente para administrar o litígio advindo de ambas as contratações.

Irresignada, a parte contrária, sem sucesso, tentou submeter a questão ao juízo estatal, que acabou reconhecendo, pela inequívoca deliberação dos contratantes manifestada na cláusula compromissória do primeiro instrumento, a competência do CAM-CCBC para administrar o procedimento arbitral que se instaurou entre os litigantes.

Revela-se, pois, seguro e convergente o posicionamento pretoriano acerca dessa interessante situação, qual seja o de reconhecer a eficácia do compromisso arbitral na hipótese de superveniente substituição de câmara arbitral extinta ou inexistente.

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, conselheiro do MDA e vice-presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp.

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