Perto de ser julgado pelo CNJ, Marcelo Bretas colecionou abusos na 'lava jato'
20 de dezembro de 2024, 14h31
Ao menos 887 pessoas foram presas, tiveram bens bloqueados ou enfrentaram outras restrições por causa de graves erros judiciários cometidos pelo juiz afastado Marcelo Bretas. Embora haja provas de que Bretas infectou o devido processo legal com fraudes e práticas juridicamente corruptas, suas vítimas padecem de condenações sem fundamento, enquanto o juiz recebe para ficar em casa há quase dois anos.
Antigo titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Bretas — que está afastado do cargo desde fevereiro de 2023 — pode ser punido no começo do ano que vem pelo Conselho Nacional de Justiça em razão dos abusos que praticou na filial fluminense da “lava jato”. E não foram poucos.
Bretas é alvo de três reclamações disciplinares que tramitam em sigilo no CNJ. Os procedimentos estão nas mãos do conselheiro José Rotondano, após trocarem de relator três vezes. O juiz pode até ser punido com a aposentadoria compulsória.
Na “lava jato”, Bretas constantemente atuou para inviabilizar o exercício do direito de defesa pelos acusados. Os advogados dos réus não tinham acesso a acordos de colaboração premiada — os principais pilares das ações penais —, a atas de audiências, a documentos. O juiz afastado também usou diversos mecanismos ilegais para manter processos sob sua alçada.
Bretas ordenou 806 buscas e apreensões, 70 prisões temporárias e 264 prisões preventivas. O Ministério Público Federal denunciou 887 pessoas, e o juiz condenou 183 delas — os dados, do MPF, incluem os julgados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Muitas pessoas foram condenadas mais de uma vez por Bretas. E a penas altíssimas e desproporcionais. Para o mesmo crime, o juiz federal aplicou penas que variavam 273%, conforme destacou a revista eletrônica Consultor Jurídico.
Nesta semana, o TRF-2 não homologou o acordo de colaboração premiada do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho pela suposta falta de provas de corroboração dos depoimentos. Nythalmar afirma que Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o MPF. O juiz comemorou: “A farsa foi revelada e, como sempre, a Justiça prevaleceu”.
A celebração pode ter sido precipitada. A não ratificação do acordo não interfere nos processos contra Marcelo Bretas no CNJ. O conselho analisa se o juiz cometeu infrações disciplinares, não crimes, para os quais a versão do delator precisa de corroboração por outras provas. Nythalmar foi ouvido como testemunha, na terça-feira (17/12), nos procedimentos no CNJ. E há outras pessoas que acusam o juiz de ilegalidades no órgão.
O maior alvo de Bretas foi o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. O juiz recebeu 32 denúncias contra o político e o condenou a penas que, somadas, ultrapassaram 425 anos de prisão.
Parceria com advogado
Não faltaram abusos nesses processos. O mais gritante deles talvez esteja no uso, por Bretas, do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho para achacar Cabral.
A partir de 7 de junho de 2018, Nythalmar esteve quatro vezes no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como Bangu 8, para, em nome de Marcelo Bretas, oferecer benefícios a Cabral e à sua ex-mulher, Adriana Ancelmo, em troca da entrega dos bens do casal à Justiça, ainda durante o trâmite da ação penal.
“Nythalmar me ofereceu uma solução para a Adriana, dizendo ele que falava em nome do juiz Marcelo Bretas e que desejava passar a mensagem do juiz de que, se a Adriana e eu assinássemos, junto com nossos advogados, um documento devolvendo os nossos bens, teria uma solução positiva no processo quanto à Adriana”, disse Sérgio Cabral, em declaração lavrada pelo 8º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.
“Isso me impactou muito! Na hora, reagi dizendo a ele que era um absurdo, pois a Adriana tinha uma série de clientes no seu escritório, grandes empresas nacionais que em nada se relacionavam com o governo, de modo que a oferta era totalmente descabida, se tratando de uma coação e extorsão a mim. Ele reforçou dizendo que só tinha essa solução”, contou o ex-governador.
Como estava sem contato com sua então mulher, Cabral, por carta, pediu para ela assinar o documento de renúncia dos bens. Ele não deixou claro o motivo disso, apenas explicou que a medida beneficiaria o casal. “Soube, na ocasião, que ela chorou muito, ficou muito triste, muito abatida.”
Porém, Nythalmar não gostou do documento em visita em 12 de junho, e Bretas mandou que fossem feitas algumas alterações. “No dia 17/6, Nythalmar retorna com as alterações, dizendo mais uma vez que estava fazendo tudo em nome de Marcelo Bretas”, afirmou o ex-governador.
Sem opções, ele e Adriana acabaram assinando a renúncia aos bens. “Eu me senti muito extorquido ali por ele. Mas tive de devolver, em que pese o fato de ela assinar ser algo totalmente descabido diante da situação concreta.”
Conforme Cabral, Nythalmar disse que não tinha interesse financeiro direto nele, mas que, se tivesse sucesso no caso, gostaria que o ex-governador ajudasse os empresários Eike Batista e Flavio Godinho a contratá-lo como advogado. Cabral ressaltou que não poderia auxiliá-lo nisso.
Em 20 de junho de 2018, Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo peticionaram a Marcelo Bretas informando que não se opunham à venda antecipada da casa deles em Mangaratiba (RJ), de joias e dos carros que tinham. Também afirmaram que não apresentariam oposição às alienações antecipadas de outros bens móveis ou imóveis do casal.
Seis dias depois, por ordem de Bretas, Cabral e Adriana foram mais enfáticos e disseram que “abriam mão” e “entregavam” ao juízo todos os bens móveis e imóveis que tinham.
Na sentença, o juiz cumpriu parcialmente o acordo e reduziu a pena de Adriana pelo fato de ela ter renunciado aos bens. Porém, Bretas e Nythalmar não concederam todos os benefícios que tinham prometido ao ex-governador.
“Ao final, o Nythalmar e o Marcelo Bretas não entregaram o que prometeram, pois atenuaram a pena da Adriana, mas não a absolveram, conforme anteriormente combinado. Foi uma covardia muito grande e cruel. Isso me deixou muito abalado, pois a fiz assinar um documento totalmente absurdo e, no final, após ser submetido a essa extorsão e chantagem, ela foi condenada na Operação Eficiência em quatro anos e seis meses, por corrupção, apesar de ter sido deixado de aplicar a pena prevista para lavagem de dinheiro, em razão da entrega dos bens, o que restou expresso na sentença”, contou Cabral.
Por causa do achaque, o ex-governador moveu reclamação contra Bretas no CNJ, que ainda não foi julgada.
Gestão de bens
Em julho de 2019, a 7ª Vara Federal Criminal do Rio informou que, em 25 desdobramentos da “lava jato”, havia apreendido 699 imóveis, além de navios, aeronaves, joias e R$ 1,7 bilhão em espécie.
A ConJur perguntou à Justiça Federal no Rio quantos imóveis foram apreendidos por ordem de Marcelo Bretas e quantos estão sob administração da 7ª Vara Federal Criminal. A assessoria de imprensa do órgão disse que não poderia precisar o número.
Administrador de bilhões em valores e bens apreendidos, Bretas ocupava-se, sozinho, de alugar imóveis, leiloar veículos e destinar dinheiro para a polícia, por exemplo. Enquanto zelava pelos bens, Bretas ainda tinha de decidir sobre o futuro de réus de renome. E caía em contradições ao adotar penas até 350% diferentes em relação a condutas idênticas, a depender do réu.
Cuidar dos bens de uma clientela abastada ocupava o tempo do antigo titular da 7ª Vara Federal, que despachava até sobre os aluguéis de cada um dos imóveis confiscados. O apartamento da família Cabral no Leblon, por exemplo, foi alugado por R$ 25 mil ao mês, indo R$ 19,6 mil mensais para o proprietário, R$ 5,4 mil para o condomínio e R$ 700 anuais para o IPTU, contou o jornal O Globo.
Para especialistas, o leilão de bens de réus em ações penais antes do trânsito em julgado da sentença condenatória é inconstitucional, embora seja uma prática comum na Justiça Criminal. Em grandes processos, juízes acabam acumulando a função de administradores de propriedades. Como não têm prática na atividade, seria mais eficaz nomear os réus depositários fiéis de seus bens, avaliam advogados ouvidos pela ConJur.
Caso Fecomércio
O ex-presidente da Fecomércio do Rio Orlando Diniz é outro que foi procurado por Nythalmar em nome de Marcelo Bretas. No caso, para celebrar acordo de colaboração premiada que tinha o objetivo de enfraquecer advogados de acusados da “lava jato”.
Diniz foi parar na cadeia duas vezes por suposto desvio de verbas entre 2007 e 2011, e tentou por mais de dois anos emplacar sua delação. Só conseguiu, segundo publicou a revista Época, depois que concordou em acusar advogados que estavam na mira da “lava jato” por defender clientes acusados de corrupção. Em troca da delação, Diniz ganhou a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior, de acordo com o Ministério Público Federal do Rio.
Reportagem da ConJur mostrou que o MPF dirigiu as respostas de Orlando Diniz. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.
Com base na delação premiada de Diniz, Bretas ordenou, em 2020, buscas e apreensões em 75 endereços ligados a advogados. O juiz ainda determinou o bloqueio de bens e valores dos advogados, retidos a título de indenização por dano moral coletivo.
Em 2021, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou as medidas decretadas por Bretas e declarou a incompetência da 7ª Vara Federal Criminal do Rio para julgar o processo, enviando o caso para a Justiça Estadual. Posteriormente, a 1ª Vara Criminal Especializada do Rio invalidou o acordo de colaboração premiada de Orlando Diniz, por entender que suas declarações foram dirigidas por procuradores para atingir alvos específicos. Além disso, o juiz Marcello Rubioli extinguiu a ação penal por ausência de justa causa e prescrição dos fatos narrados.
Prisão de familiares
A prisão de familiares de investigados na “lava jato” era um método que Marcelo Bretas usava para puni-los ou forçar a celebração de acordos de colaboração premiada. O juiz tentou fazer isso com o ex-deputado federal Marco Antônio Cabral, filho de Sérgio Cabral, mas não deu certo.
Talvez o exemplo mais claro dessa tática abusiva tenha sido o caso do empresário Miguel Iskin. Em sua delação premiada, Nythalmar afirmou que “em determinado momento, ficou claro que o que importava para o juízo era arrecadar o máximo de recursos possíveis e que essa era a forma menos traumática desses alvos saírem dessa retaliação”, além de confirmar que o método havia sido utilizado com Miguel Iskin.
Quando Iskin negou-se a firmar acordo de colaboração premiada, Bretas mandou prendê-lo preventivamente. O empresário havia acabado de colocar uma prótese no quadril. E os procuradores da República ficavam convocando-o constantemente a depor, o que exigia penosos deslocamentos entre o presídio e a 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
O objetivo dos integrantes do MPF, com o apoio de Bretas, era forçar Iskin a delatar. Quando viram que o empresário não estava disposto a isso, pediram, e o juiz mandou prender preventivamente o filho dele, Pedro Iskin. O motivo? Um delator declarou que, certa vez, Pedro havia entrado em uma reunião em que supostamente era discutido um esquema de corrupção e fez uma pergunta.
Ligações perigosas
Outros investigados pela “lava jato” que foram alvo da dupla Marcelo Bretas- Nythalmar Dias Ferreira Filho foram o empresário Marco Antônio de Luca e o advogado José Antonio Fichtner.
Luca contratou Nythalmar para defendê-lo de acusações de corrupção. Vinte dias depois, Bretas decretou a sua prisão domiciliar, sem pedido do MPF. Posteriormente, o condenou a 32 anos de prisão. Luca desconstituiu Nythalmar e, no mesmo dia, a Polícia Federal instaurou inquérito e cumpriu mandados de busca e apreensão contra o advogado.
Em perícia no computador de Luca, foram encontradas gravações de conversas entre o empresário e Nythalmar, feitas clandestinamente pelo advogado. Os áudios demonstram que houve um acordo entre o advogado e Bretas que não foi cumprido pelo juiz. Por isso, Nythalmar diz que irá “entrar no CNJ contra o juiz, porque o que ele fez com você é desumano”. Luca moveu reclamação no CNJ contra o julgador pela relação com Nythlamar.
Em 2019, José Antonio Fichtner estava sendo investigado por suspeitas de usar empresas para lavar dinheiro de um suposto esquema de corrupção. Seu irmão, Régis Fichtner, ex-chefe da Casa Civil do governo estadual, estava preso.
Foi, então, que ele foi procurado por Nythalmar, que se apresentava como alguém que tinha acesso privilegiado ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. Por causa disso, Nythalmar prometia ser capaz de influenciar decisões, blindar investigados e conseguir bons acordos para clientes.
José Antonio Fichtner afirma que, para provar suas alegações, Nythalmar mostrou a ele detalhes de confissões sigilosas, exibiu cópias de acordos de colaboração em andamento e ainda se comprometeu a conseguir uma autorização especial do juiz para uma visita ao presídio de Bangu 8 no meio de um feriado de Carnaval. Nythalmar não apenas conseguiu a visita como revelou que tinha tido acesso aos sigilos do advogado.
Diante de todas as circunstâncias e pressionado pelo que chamou de intensa “tortura psicológica” aplicada por Bretas, Fichtner decidiu fazer acordo de delação. Entre outras acusações, ele dizia que seu irmão embolsou sobras de dinheiro da campanha de Cabral e confirmou ter servido como laranja em um negócio imobiliário que beneficiou Aécio Neves.
Em 2020, no entanto, Fichtner enviou uma carta para a Procuradoria-Geral da República, em Brasília, narrando todo o episódio, desde a abordagem agressiva de Nythalmar até as estratégias de intimidação de Bretas. O documento foi analisado pela subprocuradora Lindôra Araújo, e as informações foram consideradas graves.
No final de 2020, Fichtner foi convocado a prestar esclarecimentos à PGR e confirmou o conteúdo da carta: disse que foi ameaçado, pressionado e constrangido pela “lava jato” do Rio, a confessar fatos que ele desconhecia. No caso envolvendo Aécio Neves, por exemplo, ele disse que não houve crime na transação.
Três reclamações
O CNJ decidiu em 28 de fevereiro do ano passado pelo afastamento de Bretas. Na ocasião, também ficou determinada a abertura de um procedimento para apurar a conduta do juiz nos processos da “lava jato” fluminense.
O colegiado analisou três reclamações disciplinares. Todas estão em sigilo. Por isso, a sessão não foi transmitida. O relator das reclamações era o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão.
Um dos pedidos foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base em reportagem da revista Veja, segundo a qual Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público. A publicação se baseou em delação de Nythalmar.
Segundo a OAB, Bretas violou deveres de imparcialidade e tratamento urbano com as partes, entre outros previstos no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, culminando, inclusive, em desrespeito às prerrogativas dos advogados.
O segundo processo foi ajuizado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que apontou a condução de um acordo de colaboração premiada baseado apenas em informações repassadas por terceiro, cujo intuito, segundo ele, era favorecer a candidatura de Wilson Witzel ao governo estadual em 2018.
O caso é o da delação premiada de Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio, que envolveu Paes em um esquema de propinas no plano de infraestrutura da Olimpíada de 2016. Ele chegou a admitir que não estava presente no momento em que Paes teria acertado um pagamento à construtora Odebrecht.
A defesa do atual prefeito do Rio pediu acesso ao material da delação, mas Bretas alegou sigilo do caso e negou. Mesmo assim, alguns trechos do depoimento vazaram. Na época em que a delação veio à tona, Paes liderava as pesquisas de intenção de voto para o governo do Rio. Porém, ao fim, Witzel foi eleito.
A terceira reclamação disciplinar foi ajuizada pela própria Corregedoria Nacional de Justiça, a partir de correição extraordinária determinada pelo corregedor e coordenada pelo desembargador Carlos von Adamek.
Delação premiada
Em acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, Nythalmar Dias Ferreira Filho teria apresentado uma gravação, na qual Bretas diz que vai “aliviar” acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator que também chegou a ser preso pela “lava jato”.
A Veja transcreveu a gravação, na qual Bretas afirma: “Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”. “E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos”, diz ele, em outro trecho do diálogo.
Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da “lava jato” no Rio de Janeiro. Os “43 anos” se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.
Além disso, Nythalmar afirma que Bretas atuou para que Wilson Witzel (PSC) fosse eleito governador do Rio em 2018. De acordo com o advogado, no segundo turno, Eduardo Paes, em busca de uma trégua, comprometeu-se a nomear uma irmã do juiz para uma secretaria se fosse eleito.
Depois de Witzel ganhar as eleições, ele, Paes e Bretas firmaram um acordo informal, narra Nythalmar. O ex-prefeito assegurou que abandonaria a política “em troca de não ser perseguido” (o que não aconteceu, pois foi novamente eleito prefeito do Rio em 2020).
Já Witzel nomeou Marcilene Cristina Bretas, irmã do juiz, para um cargo na Controladoria-Geral do Estado do Rio. À Veja, Bretas negou as acusações.
Competência forjada
Nythalmar Dias Ferreira Filho era um nome completamente desconhecido no meio jurídico. Advogados cariocas se surpreenderam ao ver que ele era o responsável pela defesa do empreiteiro Fernando Cavendish, dono da Delta.
Cavendish foi o elo para que Marcelo Bretas concentrasse todos os processos da “lava jato” do Rio. O juiz era responsável pelo processo da autoapelidada operação saqueador, que envolvia o empreiteiro, o bicheiro Carlinhos Cachoeira e um esquema de desvio de verbas públicas em Goiás, mas nenhum dos políticos que viriam a ser acusados no caso, como Sérgio Cabral.
A pedido de Bretas, Nythalmar orientou Cavendish a promover um depoimento programado especificamente para criar essa conexão com a operação calicute, que passou a ter políticos fluminenses como alvo — sendo que o empreiteiro era o único elo em comum entre os casos. O juiz, então, concedeu prisão domiciliar a Cavendish e protegeu o seu patrimônio.
A partir dessa manobra, Bretas concentrou todos os processos da “lava jato” do Rio. Para o juiz, tudo que estivesse ligado à “organização criminosa liderada por Sérgio Cabral” seria de competência da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Isso resultou em 56 operações deflagradas e 104 ações penais, com 887 pessoas denunciadas.
Logo no início das atividades da “lava jato” fluminense, em 2016, o suposto envolvimento do então governador Luiz Fernando Pezão nos esquemas de corrupção no Rio de Janeiro foi omitido pelo MPF. O objetivo era evitar tirar os casos do controle de Bretas. Afinal, por ser governador, Pezão tinha foro por prerrogativa de função, e as investigações deveriam ser remetidas ao Superior Tribunal de Justiça.
A manobra permitiu a criação de hiatos e elos diretos na narrativa dos lavajatistas, estabelecendo um artificial contato entre Sérgio Cabral, ex-governador, e ocupantes de cargos mais baixos da administração estadual, como o subsecretário de Obras Hudson Braga — que, à época dos supostos crimes, tinha Pezão como superior direto e secretário de Obras. Pezão só tornou-se alvo direto das investigações ao fim de seu mandato, em 2018.
Nythalmar defendeu grandes nomes na “lava jato”, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o ex-deputado federal Pedro Corrêa, os empresários Arthur Soares, o “Rei Arthur”, e Carlos Felipe da Costa Almeida de Paiva Nascimento, e o ex-diretor da Eletronuclear Edno Negrini.
Ele foi acusado na Ordem dos Advogados do Brasil de cooptação indevida de clientes da “lava jato” que já tinham defesa constituída. O defensor sempre foi visto com reservas entre criminalistas mais experientes por causa dos seus métodos. Além da rapidez ao firmar acordos de delação — devido, muitas vezes, à proximidade com Bretas —, Nythalmar é criticado pela fragilidade jurídica de seus argumentos.
Com seu acordo de delação premiada com a PGR, o fim da “lava jato” e o afastamento de Bretas, Nythalmar sumiu das páginas jurídicas. Até que, nesta semana, o TRF-2 deixou de homologar seu acordo de colaboração.
Reclamação disciplinar 0004278-39.2021.2.00.0000
Reclamação disciplinar 0006499-58.2022.2.00.0000
Reclamação disciplinar 0007861-95.2022.2.00.0000
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