Direito do Agronegócio

Funrural: desnecessidade de sub-rogação nas exportações

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  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV Direito SP e Ibet sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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20 de dezembro de 2024, 11h25

Funrural e exoneração das exportações

Spacca

Como é de conhecimento de nosso leitor, a Constituição reconhece expressamente a imunidade nas receitas decorrentes de exportação, conforme artigo 149, § 2º, I, ao enunciar que “As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”. [1]

Daí porque, tributos que tenham como critério de incidência a receita (ou faturamento), como é o caso das contribuições previdenciárias e RAT exigidas (o que denominamos de “Funrural”), no setor do agronegócio, sobre a receita bruta da produção devem ser exoneradas. [2]

Mais do que isso, o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o texto constitucional a respeito da imunidade das receitas decorrentes de exportação quanto ao Funrural, reconheceu a ilegalidade das restrições impostas à época pela legislação, ampliando, corretamente, referida exoneração em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.735 [3] e Recurso Extraordinário em Repercussão Geral 759.244 [4].

Dever de retenção nas aquisições de produtor rural pessoa física: sub-rogação.

Sem pretensão, no momento, de voltar à polêmica da sub-rogação, prevista no artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91 [5], tecnicamente, reconhecida como ilegal e inconstitucional pelo STF, mas, ainda, aguardando proclamação de julgamento perante a ADI 4.395/DF, o fato é que esta continua a vigorar e exigir dos adquirentes pessoas jurídicas (agroindústrias, tradings, cooperativas, entre outros) a retenção, declaração e recolhimento ao Fisco Federal de tais contribuições exigidas do produtor rural pessoa física, nos termos do artigo 25 da Lei nº 8.212/91.

Ademais, embora, nos termos da decisão do Supremo não haveria retenção a título de sub-rogação nas exportações, o posicionamento da Receita Federal é restritivo, impedindo esta exoneração quando houver algum tipo de processo produtivo ou beneficiamento antes do envio ao exterior, como se nota da Solução de Consulta Cosit nº 101/2023:

Solução de Consulta Cosit nº 101, de 17 de maio de 2023
(Publicado(a) no DOU de 25/05/2023, seção 1, página 314)
Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
IMUNIDADE. EXPORTAÇÃO INDIRETA. AQUISIÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA DE EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA OU SEGURADO ESPECIAL. INDUSTRIALIZAÇÃO PRÉVIA À EXPORTAÇÃO. SUB-ROGAÇÃO.
A imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da CF/88, abrange as receitas decorrentes da exportação, seja direta ou indireta.
Não configura exportação indireta a aquisição de matéria-prima de empregador rural pessoa física ou segurado especial, quando beneficiada ou transformada em produto final que será exportado, de forma que, nesse caso, o valor da matéria-prima não será imune às contribuições sociais previdenciárias devidas por sub-rogação pela empresa adquirente, por falta de previsão legal.
A receita de exportação da agroindústria será imune às contribuições previdenciárias. Já a empresa industrial deve recolher as contribuições previdenciárias sobre a remuneração dos segurados contratados e não sobre a receita, de forma que a exportação não tem efeito de afastar a obrigação tributária.
Dispositivos Legais: art. 149, § 2º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), arts. 12, V, a), 25 e 30, IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; e art. 4º do Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010; e arts. 148 a 150 da IN RFB nº 2.110, de 17 de outubro de 2022.

Em regra, portanto, somente seria possível deixar de reter na hipótese de exportação direta ou indireta (com fins específicos), não se reconhecendo a imunidade nas demais situações.

Recente decisão do Carf: caso do café para exportação

Em nossa visão, a interpretação restritiva do Fisco não é compatível com o texto constitucional, uma vez que estamos diante de imunidade preconizando as exonerações das exportações, o que implica numa interpretação finalística que concretize efetivamente este fim.

E, perante o agronegócio, muitas vezes, diante da realidade negocial e do próprio processo produtivo, não há a possibilidade de se adquirir, desde logo, com fins específicos de exportação, na medida em que o produto agropecuário ainda irá passar por alguma modalidade de beneficiamento ou processo, o que, indevidamente, impediria o gozo da imunidade e a consequente desnecessidade de retenção — sub-rogação — quando da aquisição perante o produtor rural pessoa física.

Ocorre, porém, que, em recente decisão, em uma operação envolvendo a aquisição de café, por votação unânime, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), acertadamente, excluiu a exigência de Funrural de um adquirente, por meio da sub-rogação, uma vez que houve a exportação do produto:

“RECEITAS DECORRENTES DE OPERAÇÕES INDIRETAS DE EXPORTAÇÃO CARACTERIZADAS POR HAVER PARTICIPAÇÃO DE SOCIEDADE EXPORTADORA INTERMEDIÁRIA. IMUNIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO n.º 759.244. Conforme decisão proferida pelo STF no RE nº 759.244, em sede de repercussão geral, as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária não integram a base de cálculo das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico incidentes sobre a comercialização da produção rural” [6]

Apesar de a decisão enunciar uma exportação indireta, o este julgamento é relevante, na medida em que, como é de conhecimento, em geral, o café produzido pelo produtor rural e adquirido pelas exportadoras, antes da exportação, passam, geralmente, por processo de beneficiamento ou rebeneficiamento, inclusive, para fins de definição de aroma e sabor (blend), não sendo comum uma operação com fins específicos.

Esta decisão do Carf, portanto, certamente, abre um relevante precedente para a não retenção — sub-rogação — nas aquisições de produtor rural pessoa física para hipóteses, tal qual o café, onde, apesar de não ser uma aquisição tipicamente para fins específicos, este produto, forçosamente, após processo de beneficiamento e blend, será destinado ao exterior, cabendo, assim, o reconhecimento da imunidade nas receitas decorrentes de exportação.

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[1] Sobre o tema das exportações e exoneração já tivemos oportunidade de tratar em diversas ocasiões nesta coluna: https://www.conjur.com.br/2023-set-08/direito-agronegocio-funrural-exportacao-cooperativas-imunidade-receitas/ ; https://www.conjur.com.br/2021-set-17/direito-agronegocio-funrural-receitas-decorrentes-exportacao/ ; https://www.conjur.com.br/2023-dez-29/exoneracao-tributaria-na-cadeia-do-agronegocio/

[2] Lei 8.212/91: “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I – 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.”

[3] “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS EXPORTAÇÕES. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. EXPORTAÇÃO INDIRETA. TRADING COMPANIES. Art.22-A, Lei n.8.212/1991” (RE 759244, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-071  DIVULG 24-03-2020  PUBLIC 25-03-2020).

[4] “CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS E DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. ART. 170, §§ 1º e 2º, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (RFB) 971, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2009, QUE AFASTA A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ARTIGO 149, § 2º, I, DA CF, ÀS RECEITAS DECORRENTES DA COMERCIALIZAÇÃO ENTRE O PRODUTOR E EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS. PROCEDÊNCIA.(ADI 4735, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-071  DIVULG 24-03-2020  PUBLIC 25-03-2020).

[5] “Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:  (…) IV – a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea “a” do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento;”.

[6] – CARF, 2ª Seção, Ac. 2201-011.892 – 2ª SEÇÃO/2ª CÂMARA/1ª TURMA ORDINÁRIA SESSÃO DE 5 de setembro de 2024.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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