Redução de jornada para servidor público com filho autista independe de previsão em lei local
18 de dezembro de 2024, 17h18
No âmbito federal, a Lei nº 13.370/16 garante ao servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência o direito à jornada especial de trabalho, sem necessidade de compensação horária, conforme disposto no artigo 98, §§ 2º e 3º da Lei nº 8.112/90.
O transtorno do espectro autista é reconhecido como deficiência para todos os efeitos jurídicos, nos termos do artigo 1º, § 2º, da Lei nº 12.764/12 (Lei Berenice Piana). Assim, indivíduos diagnosticados com TEA têm direito a todas as garantias asseguradas às pessoas com deficiência pela legislação brasileira, conforme disposto na Constituição e nas normas infraconstitucionais, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15).
Embora não exista previsão expressa em normas estaduais ou municipais para a redução da jornada de trabalho de servidores públicos que necessitem acompanhar filhos com TEA, a jurisprudência vinha reconhecendo que tal benefício configura um direito fundamental. Este entendimento encontra respaldo nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição), da proteção à maternidade e à infância (artigo 6º da Constituição) e do melhor interesse da criança, conforme estabelecido em diversas normas internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD).
A seguir, destacam-se precedentes judiciais que corroboram esse entendimento:
“Servidora pública municipal. São Paulo. Pretensão à redução da jornada de trabalho para acompanhamento de filho autista. Ausência de previsão na legislação municipal. Julgamento à luz da proteção especial à pessoa com deficiência. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Status de norma constitucional, com a capacidade de derrogar normas conflitantes. Direito já reconhecido aos servidores públicos da União. Interpretação sistemática do ordenamento jurídico que autoriza a concessão da medida. Ação julgada improcedente. Sentença reformada. Recurso provido.” (Apelação nº 1052876-28.2015.8.26.0053, Rel. Des. HELOÍSA MARTINS MIMESSI, DJ: 10/04/2017)
“Apelação cível. Servidora estadual. Pretensão de servidora à redução da carga horária de trabalho, sem prejuízo de vencimentos, para permitir-lhe prestar assistência nas rotinas da vida diária da sua filha portadora de deficiência. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Status de norma constitucional, com a capacidade de derrogar normas conflitantes. Direito já reconhecido aos servidores públicos da União. Interpretação sistemática do ordenamento jurídico que autoriza a concessão da medida. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido, com a consequente inversão da sucumbência.” (Apelação n. 1039674-49.2016.8.26.0602, Rel. Ponte Neto, DJ: 11/04/2018)
“Recurso inominado. Servidora pública municipal. Redução da jornada de trabalho para cuidar do filho portador de transtorno do espectro autista, sem necessidade de compensação e nem diminuição do vencimento. Direito amparado na Constituição Federal, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Estatuto da Pessoa com Deficiência e princípio da dignidade da pessoa humana. Ausência de violação ao princípio da legalidade ou da separação dos poderes. Sentença reformada. Recurso provido.” (TJSP; Recurso Inominado Cível 1018946-96.2019.8.26.0564; Rel. Eduarda Maria Romeiro Corrêa; DJ: 21/01/2021)
O Supremo Tribunal Federal, em 16 de dezembro de 2022, fixou entendimento definitivo sobre a matéria ao estabelecer a tese de repercussão geral no Tema 1.097, com o seguinte enunciado: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o artigo 98, § 2° e § 3°, da Lei nº 8.112/1990.”
Mudança de entendimento para servidora estadual
A Corte Suprema analisou o caso de uma servidora estadual cujo pedido de redução de jornada foi negado sob o fundamento de ausência de previsão legal na legislação local. Seguindo o voto do ministro Ricardo Lewandowski, o STF reconheceu a aplicação analógica da norma federal aos servidores estaduais e municipais, fundamentando-se nos princípios da igualdade substancial e da proteção integral às pessoas com deficiência.
O relator enfatizou que a ausência de regulamentação local não pode ser obstáculo à concretização de direitos fundamentais, que estão assegurados pela Constituição e pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, norma com status constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.
Com essa decisão, a Suprema Corte consolidou o entendimento de que a redução da jornada de trabalho para servidores públicos que cuidam de filhos com TEA, sem prejuízo de vencimentos, é um direito constitucionalmente assegurado, independente de regulamentação estadual ou municipal específica.
Embora o STF tenha pacificado a controvérsia jurídica, é recomendável que os estados e municípios legislem sobre o tema, visando a reforçar a segurança jurídica e a implementação de políticas públicas inclusivas, atendendo às necessidades das famílias de pessoas com deficiência e promovendo a efetivação desses direitos em âmbito local.
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