Como enfrentar a corrupção endêmica que assola a administração pública nas licitações?
18 de dezembro de 2024, 13h22
O tema não é simples e envolve, necessariamente, a participação do Ministério Público, que nem sempre tem a vivência dos meandros apodrecidos pela corrupção.
Listamos os sete pontos que, em nosso modesto sentir, seriam mecanismos de prevenção a esta praga: atores concursados, padronização dos procedimentos, formalização das divergências e demandas (ainda que por simples e-mail), vedação ao “lobby”, prova da exequibilidade, combate à “ineptocracia” e penalização dos licitantes irresponsáveis.
Atores concursados
A administração pública é “gerida”, em boa medida, pelas pressões diárias. À míngua de um planejamento, as “prioridades” são dadas pelo voluntarismo diário das cobranças. Enquanto alguém não cobra… nasce samambaia no processo em algum escaninho da repartição pública. Ou seja, ainda que com polimento, as cobranças são o método de “gestão” por excelência. Nesse quadro de falta de planejamento e pressões corriqueiras, apenas servidores concursados têm condição efetiva de fugir das ordens “manifestamente ilegais”. Nesse sentido, já nos manifestamos nesta ConJur [1] sobre tema. Assim:
“O próprio autor deste texto é procurador municipal apenas em razão da visão de primeiro mundo do Ministério Público Estadual de São Paulo, que conseguiu eliminar a figura do ‘procurador comissionado’, exigindo que os procuradores fossem concursados, como manda a regra elementar e republicana do artigo 37, V da CF e o bom senso civilizatório”.
Apesar de insuficiente, a existência de atores concursados nos procedimentos licitatórios é fator de maior lisura ao certame. Também servidores “proativos” serviriam à mesma finalidade. Este tema é abordado no item “ineptocracia”, mais adiante.
Padronização de procedimentos
Qualquer gestor privado sabe que a organização dificulta desvios. A padronização de procedimentos facilita a visualização dos erros e viabiliza a correção destes.
O certificado ISO (Organization for Standardization, que em português significa Organização Internacional para Padronização) é um parâmetro da iniciativa privada.
Como a Lei de Licitações introduziu parâmetros da gestão privada, é possível e recomendável que haja o uso da padronização, ainda que não se busque a certificação.
Tal certificação não se mostra absurda (como dirão os “ineptocratas”), já que a Alesp [2], por exemplo, já obteve referida certificação.
Nem todo ambiente bagunçado é corrupto, mas a gestão corrupta brota melhor no esterco da baderna sistemática. Já ouvimos relatos de casos em que o setor de licitações tentou enviar processo licitatório para parecer sem autuação e sem numeração das páginas!
Formalização de divergências e demandas
Um dos indícios de corrupção é tentar “ganhar no grito”, reclamando, gritando e “causando”. A forma de contornar isso é muito simples: basta pedir, elegantemente, que o (a) “barraqueiro(a)” formalize a demanda num ofício ou até mesmo num singelo e-mail. A recusa em registrar a divergência já faz sentir o verdadeiro cheiro purulento da “divergência”.
Uma versão polida do “ganhar no grito” é perguntar insistentemente o mesmo tema, se fazendo de bobo para forçar determinado comportamento. Essa versão costuma ser acompanhada de ofertas indiretas de propina com perguntas insistentes sobre os valores envolvidos na licitação.
A formalização de ofício ou e-mail também é o remédio. O corrupto e o corruptor sabem que são marginais e não querem produzir provas contra si mesmos.
Vedação ao ‘lobby’
Outro método de forçar o comportamento corrupto é utilizar o “lobby” de pessoa que, formalmente, sequer pertence aos quadros de empresas licitantes mas tem uma “procuração implícita e verbal”. Não tem representação formal exatamente para livrar a empresa de consequências caso o meliante seja flagrado.
Vendem a imagem de “donos do poder” afirmando que transitam em qualquer âmbito do poder público, tribunais e Tribunais de Contas, etc.
Com “muito amor ao próximo” querem apenas “ensinar” como gerir uma licitação.
Duas formas simples de afastá-los: pedir a procuração da suposta representação verbal ou mediúnica da empresa licitante e inclusão no edital de regras de penalização na fase licitatória.
Assim, sugerimos a inclusão da seguinte forma, nos editais:
“LOBBY
xx – O licitante não tem direito a fazer gestões de convencimento junto aos servidores da licitação tampouco “explicar” ou “ensinar” regras licitatórias aplicáveis ou criticar decisões do E. TCE/SP.
xx – A mesma regra se aplica às hipóteses de prorrogação contratual que é prerrogativa da administração e não direito do licitante vencedor.
xx – O descumprimento das regras de vedação ao “lobby” acarreta a possibilidade de penalização na fase licitatória no montante de 10 a 100 UFESPs”
Em razão do princípio da isonomia, não se admite que determinado licitante se sinta privilegiado em relação aos demais, podendo influir como se fosse “o dono” da licitação.
Prova da exequibilidade
As principais finalidades da prova da exequibilidade prevista no artigo 59, IV da Lei federal nº 14.133/2.021 são evitar a “corrupção de baixo meretrício” (medições fajutas), efetivo cumprimento do contrato e observância substancial da licitação em todas as suas fases.
Sobre o efetivo cumprimento já escrevemos [3] sobre a relevância apenas da solvência da empresa e não do tamanho ou inexistência de lucro, bem como das garantias suplementares [4].
Sobre evitar-se a corrupção de baixo meretrício [5] já nos manifestamos e, da mesma forma [6], quanto à higidez da licitação mantendo-se a substancialmente a mesma do início ao fim. Também o seguro integral da obra (“performance bond” ) é instrumento de exequibilidade conforme já escrevemos [7].
A prova da exequibilidade, em síntese, é instrumento de combate à corrupção na medida em que “espanta” aventureiros e corruptores das licitações.
Ineptocracia
A ineptocracia afeta a administração pública de forma estrutural. Fatores como melhores condições salariais na iniciativa privada e falta de planejamento crônico do poder público podem transformar a administração pública num ambiente de “seleção às avessas”. O quadro se agrava em administrações cujos servidores mais antigos teriam redução salarial se ocupassem cargos de liderança.
Ou seja, apenas profissionais que jamais seriam contratados num ambiente privado é que são “selecionados” para cargos do alto escalão, exatamente, por não entenderem nada e, por conseguinte, não notarem que são “laranjas institucionais”. Esse tipo de “líder”, que nunca ouviu falar em proatividade, é fisiológica e espiritualmente reativo. Nunca sabe de nada, nunca tem pessoal para o trabalho e, em síntese, nada é da competência da secretaria dele. Nem preciso detalhar a “boa vontade” para penalizar licitantes irresponsáveis por parte desses baluartes da ineptocracia.
Trata-se de um problema político e econômico de difícil resolução. Serve, por ora, como forte indício de que o ambiente está carcomido e a corrupção tem facilidade para vicejar, máxime se os demais fatores estiverem presentes.
Conclusão
A endemia da corrupção, no âmbito das licitações, pode ser combatida com a existência de atores concursados, padronização dos procedimentos, formalização das divergências e demandas (ainda que por simples e-mail), vedação ao “lobby” nos editais, prova e garantia da exequibilidade, combate à “ineptocracia” e penalização dos licitantes irresponsáveis. Claro que isso não exclui os mecanismos a cargo do Ministério Público.
[2] https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=274730
[3] https://www.conjur.com.br/2021-jul-14/opiniao-marketing-licitatorio-inexequibilidade-lei/
[4] https://www.conjur.com.br/2024-ago-19/licitacoes-e-a-ambiguidade-das-garantias-suplementares/
[5] https://www.migalhas.com.br/depeso/400923/nllc-preco-inexequivel-e-show-musical
[6] https://www.migalhas.com.br/depeso/418166/licitacao-cronograma-fisico-financeiro-e-exequibilidade
[7] https://www.conjur.com.br/2024-mai-01/licitacao-obras-e-matriz-de-riscos-da-seguradora/
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