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Aventuras e desventuras do contribuinte: o que esperar de 2025?

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  • é mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo–FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU–IICS e advogada em São Paulo.

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18 de dezembro de 2024, 8h00

O final do ano de 2024 exige que façamos algumas reflexões sobre o que virá em 2025. Certamente que viveremos grandes aventuras descobrindo um novo mundo tributário, ainda não experimentado no Brasil, por conta da Emenda Constitucional nº 132/23, cuja regulação já está em fase final com a divulgação, em 12/12/2024, do Relatório do PLP nº 68/24, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, encaminhado à Câmara dos Deputados. A submissão desse relatório ao Plenário da Câmara deveria ter ocorrido dia 16/12/2024, contudo foi transferida para 17/12 e, ao que se divulgou, diversas alterações que haviam sido propostas pelo Senado foram retiradas do texto. Teremos que aguardar o dia de hoje para termos ciência plena da aventura que nos aguarda.

No que tange às desventuras, sem dúvida, elas vêm se repetindo ao longo dos anos, especialmente pelos estratagemas de que o Poder Executivo se vale para arrecadar, razão pela qual não se pode duvidar venha a ocorrer o mesmo em 2025. A ênfase nas desventuras fica por conta das medidas provisórias que não param de ser editadas, surpreendendo os contribuintes.

A grande aventura da reforma tributária brasileira: experiência ainda não testada

É sabido que a reforma tributária brasileira buscou louvar-se no Imposto de Valor Agregado (IVA), modelo de tributação do consumo adotada em grande parte dos países desenvolvidos, contudo, deve-se destacar que nem sempre o traje que serve a alguns presta-se a vestir todos. O fato é que o Brasil é uma federação, com entes tributantes que sempre foram independentes e autônomos (União, estados/Distrito Federal e municípios), com  orçamentos próprios e tributos específicos para compô-los, previstos na Constituição e tudo isso agora mudou, radicalmente, com a Emenda Constitucional nº 132/23.

Está correto adaptar o IVA às idiossincrasias brasileiras?

Idiossincrasia é expressão própria da Medicina que indica a predisposição particular do organismo que reage de maneira específica aos agentes exteriores, ou seja, a alergia, sendo que essa palavra também é utilizada para indicar característica comportamental peculiar a um grupo ou a uma pessoa. É notória a inserção de peculiaridades brasileiras, que não se querem abandonar por fins arrecadatórios, no novo modelo tributário.

De fato, o Relatório do PLP 68/24, lei complementar que dispõe sobre os novos tributos oriundos das alterações constitucionais, vai além de todas as expectativas: o IVA brasileiro é realmente inovador e se afasta do modelo internacional. Quem assim o declara é o próprio Ministro da Fazenda na Exposição de Motivos do PLP nº 68/24, item 131, ao buscar razões para tributar as receitas financeiras como serviços financeiros: “O Brasil será pioneiro ao tributar os serviços financeiros remunerados por margem pelo IBS e pela CBS que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos”!!! Pretensamente inspirada nos tributos sobre o consumo, a nossa reforma sobre o consumo é, na realidade, equivocada, embora pretenda ser inovadora.

O relatório resume o perfil dos novos tributos, Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo de competência  estadual/municipal, os quais observarão o princípio da neutralidade, logo não devem afetar as escolhas dos consumidores cobrados, em regra, no destino,  de forma não cumulativa, por meio da incidência sobre o valor adicionado, de maneira que o ônus recaia sobre o consumidor final do bem ou serviço adquirido, o que se implementa por meio de um sistema de crédito e débito. Uma parcela do valor pago a título de IBS e CBS, por pessoas de baixa renda, será devolvido, no sistema designado por cashback. Manteve-se o tratamento diferenciado dos produtos da Cesta Básica e preservaram-se alguns dos benefícios voltados ao desenvolvimento regional (Zona Franca e Áreas de Livre Comércio) até 2050 e, a depender do caso, 2073. Foi introduzido o Imposto Seletivo com o objetivo de onerar de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Spacca

Ficam revogadas, a partir de 2026 as contribuições devidas ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Os atuais Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS) incidirão em operações com bens e serviços até 2033, em percentuais decrescentes e com a redução de benefícios fiscais de forma equivalente. O IPI tem suas alíquotas reduzidas a zero, exceto a Zona Franca de Manaus.

Possíveis problemas do novo modelo tributário

A despeito de aprovado o relatório no Senado, ele carrega problemas bastante discutidos e não resolvidos, tais como: (1) split payment, considerado  como um dos principais temas da  reforma tributária por permitir a redução da sonegação e definido como “ferramenta tecnológica que permitirá a segregação do pagamento efetuado pelo adquirente, com vistas a destinar os tributos devidos diretamente ao Comitê Gestor do IBS e à RFB em cada operação com bens e serviços”.

Contudo, até o momento questões sobre  ele não encontraram solução, além desse modelo não ter trazido bons resultados onde foi adotado; (2) identidade de hipótese de incidência com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), na tributação de serviços financeiros, configurando bitributação; (3) gestão do alto custo de adaptação dos contribuintes ao novo modelo tributário e da dedução ou repasse desses gastos; (4) oneração de atividades e pessoas, inclusive físicas,  que antes não eram tributadas, afetando os preços de mercado e subvertendo tais relações.

Esse modelo exige que os contribuintes adaptem seus orçamentos e tecnologia, não só aos novos tributos como também considerem os tributos que estão sendo revogados, mas que seguirão sendo exigidos. O custo de controle de legislações tão diferentes colide com o princípio da simplicidade apregoado ao longo da reforma. A tributação de receitas financeiras, como se serviços financeiros fossem, alonga a vida dos moribundos PIS e Cofins que hoje incidem sobre o spread financeiro.

Infelizmente, a reforma caminha ao sabor de interesses variados tanto que no último momento de aprovação na CCJ do Senado foram feitas alterações significativas e surpreendentes na lista de produtos sujeitos à incidência do Imposto Seletivo. Hoje, ao que se sabe, até o momento em que finalizamos nosso comentário, a Câmara já modificou o projeto para alterar tanto o Imposto Seletivo quanto a alíquota padrão do IBS/CBS de 28,5%, como decidido pelo Senado, para 27,97%. Quanto ao fruto desse debate, fiquemos atentos ao que pode ser modificado.

A despeito de a reforma ter sido introduzida por emenda constitucional e sua regulação ter sido veiculada por lei complementar, é certo que o caminho da sua aceitação e adoção pelos contribuintes é longo cabendo, inclusive, avaliar se tais atos estão em conformidade com os demais princípios que orientam a instituição de tributos, contemplados na Constituição. Desta aventura, todos devem participar!!!

E as desventuras dos contribuintes? Têm sido muitas e devem continuar, com certeza…

Depois do cenário da grande aventura que a reforma representa em 2025, passa-se às desventuras que perseguem os contribuintes há muitas anos. Sem qualquer margem de erro, a medida provisória é a grande vilã e está sempre à espreita para trazer desconfortos e dificuldades. Em 1988, ao ser editada a Constituição, os integrantes da Assembleia Constituinte, cansados de verem o mal uso que se fazia do Decreto-Lei, instrumento autorizado para o presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, introduziram na Lei Maior a figura da medida provisória. Esse instrumento, embora tratado como uma faculdade do presidente, tem força de lei, nos termos do artigo 62, da Constituição, e só deve ser usado nos casos de relevância e urgência.

Após a Constituição de 1988, observou-se que tal regra, se aplicada a todas as questões de Direito, poderia ter reflexos desastrosos, de tal sorte que a Emenda Constitucional nº 32/01, de maneira sábia, vetou a sua edição em hipóteses que já haviam gerado graves problemas como o sequestro de bens, poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro. Além disso, dispôs que a instituição ou majoração de impostos por medida provisória, exceto os previstos nos artigos 153, I, II, IV, V, e 154, II, da Constituição, só produziria efeitos no exercício financeiro seguinte desde que convertida em lei até o último dia do exercício em que tenha sido editada. Se não convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, tais normas perderão eficácia, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, vedando-se a sua reedição, na mesma sessão legislativa, se rejeitada ou desde que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

Por fim, pode o presidente da República solicitar urgência para apreciação de medida provisória, solicitando que não sendo apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, lhe seja aplicado regime de urgência, sobrestando até sua votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

Com o passar do tempo, entretanto, a medida provisória vem se tornando o instrumento de governo do Poder Executivo, da mesma forma que ocorria com os velhos decretos-leis, especialmente em matéria tributária, o que é muito preocupante.  Observe-se que o  atual Presidente da República editou, desde janeiro de 2023, primeiro mês de seu mandato, 124 medidas provisórias, sendo 21 delas sobre matéria tributária, inclusive processo administrativo fiscal, tendo 12 sua vigência encerrada sem apreciação do Congresso, 4 revogadas por inclusão de seu conteúdo em leis que tramitavam no Congresso Nacional, quatro ainda estão em tramitação e as demais, duas, foram convertidas em lei [1]. Em contrapartida enviou nove projetos de lei, instrumento que deveria ser utilizado para propor a criação de normas novas, ao Congresso Nacional, inclusive sobre matéria tributária.

Onde está a urgência e a relevância de algumas medidas provisórias?

A leitura da relação de medidas provisórias editadas e contempladas no site do Planalto indica que a maior parte desses atos normativos trata de créditos extraordinários em favor dos ministérios ou de atos de gestão do Poder Executivo que, não nos cabe julgar, devem se revestir do caráter de urgência e relevância como é o caso de aumento da remuneração do pessoal administrativo, de estratégias de gestão e similares.

Excluídas essas questões, o maior volume de medidas provisórias volta-se a temas tributários o que exige cautela para se verificar se as premissas constitucionais estão sendo preservadas. Contudo, esse instrumento segue sendo usado por todos os governantes, sem exceção, desprezando-se os critérios de relevância e urgência exigidos pela Lei Maior. Esse fato é tão notório que os contribuintes quando se socorrem do Poder Judiciário alegam, em sendo o caso, a falta de relevância e urgência da medida provisória que introduz exigência tributária sem que esse argumento tenha sido, até agora, objeto de exame mais atento por parte dos tribunais.

O incorreto uso de medidas provisórias

O uso da medida provisória tem se prestado a uma função que despreza o aspecto da   relevância e urgência apenas por estar voltada à arrecadação em curto prazo. É o que se pode constatar da Medida Provisória nº 1.262/24, que institui o “Adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”, no processo de adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE, Pilar 2, que já teve sua vigência prorrogada, por mais 60 dias, os quais se esgotam durante o recesso do Congresso, devendo ser por ele examinada em 2025.

Essa matéria é de extrema relevância, mas não urgência, e merecia um tratamento diferenciado e cauteloso, pois, cria no contexto da Ação 1 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting – erosão da base e transferência de lucros), solução designada Pilar 2,  para reformar as regras de tributação internacional, com o objetivo de que grupos multinacionais paguem a parcela  justa de tributos. Enquanto o Pilar 1 se volta ao pagamento de parcela justa de tributo sobre o lucro nos locais onde tais entidades atuam, o Pilar 2 considera a sua tributação global, reduzindo as hipóteses de concorrência em matéria de imposto sobre a renda e assim criando uma tributação mínima global para  entidades que integram grupo de empresas multinacional que tiver auferido receitas anuais de 750 milhões de euros ou mais nas Demonstrações Financeiras Consolidadas da Investidora Final, na forma da lei.

Exige-se dessas entidades que paguem uma alíquota efetiva mínima de 15% sobre os respectivos lucros em todas as jurisdições onde atuam. A Medida Provisória nº 1.262/24, ao introduzir essa tributação, elegeu como tributo para permitir sua implementação a Contribuição Social sobre o Lucro, o que é questionável, mas justificável para o poder público, pois, a contribuição poderá ser cobrada em 90 dias a contar da data de sua instituição, diferentemente do Imposto sobre a Renda que, se eleito para fins de tributação da renda global, só poderia ser cobrado no ano subsequente à edição da norma de conversão.

Outro tema que foi objeto da Medida Provisória nº 1.227/24, depois revogado pela Lei nº 14.973/24 e introduzido em seus artigos 43 e 44, foi a criação da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi) a ser apresentada nos termos da Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.198/24 e alterações. A Lei nº 14.973/24  foi objeto da Ação de Declaração de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.765, no Supremo Tribunal Federal, dentre outros os  artigos 43 e 44, considerando-se que essas informações já estão à disposição da RFB, o que aumenta a burocracia e viola os princípios constitucionais da simplicidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive pelas multas desproporcionais que impõe.

Todo esse açodamento, na ausência de relevância e urgência, para legislar nos casos propostos, deixa evidente uma intenção de arrecadar, inclusive através de sanções, o que é vedado, sempre em detrimento do contribuinte. Seria bom que em 2025 se refletisse acerca dos danos que as medidas provisórias vêm causando em termos tributários.

 


[1] https://www4.planalto.gov.br/legislacao/portal-legis/legislacao-1/medidas-provisorias/2023-a-2026

 

Autores

  • é mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo/FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU—IICS e advogada em São Paulo.

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