Na base da conversa

AGU vai propor conciliação em disputa bilionária no setor de açúcar e álcool

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18 de dezembro de 2024, 8h49

Para 2025, a grande meta da Advocacia-Geral da União (AGU) em questões judicializadas é buscar consensos para encerrar disputas bilionárias sobre indenizações a serem pagas ao setor de açúcar e álcool.

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Disputa envolvendo setor de açúcar e álcool já dura mais de três décadas

Trata-se de mais de uma centena de ações em que a União foi condenada a indenizar os usineiros por prejuízos causados pelo tabelamento de preços feito pelo governo entre os anos de 1985 e 1999. Esses processos levam em conta o valor fixado abaixo do preço de mercado.

Segundo o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais da AGU, o impacto financeiro atualizado para a União é de R$ 147 bilhões — valor contestado pelo setor sucroalcooleiro, que o calcula em R$ 63 bilhões.

A AGU planeja um esforço inédito de mapeamento desses processos em busca de pontos comuns para saber como a União pode negociar com os usineiros de forma mais estruturada.

“O que a União faz questão é que a gente precisa de um dano efetivo. Eu não posso admitir que o contribuinte brasileiro pague uma indenização para um determinado setor produtivo com base em presunções”, disse Flávio José Roman, adjunto do advogado-geral da União.

A existência ou não do dano efetivo está no cerne da disputa com os usineiros, a ponto de eles temerem que o Supremo Tribunal Federal revise as decisões já definitivas condenando a União a pagar indenizações, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

Acordo desrespeitado

União e usineiros já chegaram a um acordo sobre o tema no passado, quando se decidiu que a fixação de preços deveria levar em consideração a apuração técnica de custos e a sugestão da FGV.

Esse acerto foi motivado pelos prejuízos que a União já começava a sofrer nas ações que chegavam ao Judiciário, por causa do tabelamento. Sem aviso prévio, no entanto, o governo passou a descumprir o acordo em fevereiro de 1990.

Foi a partir dali que cresceu o número de ações indenizatórias. Em 2005, o STF reconheceu que o valor devido pela União seria aferido com base no critério da diferença entre o preço praticado pelo governo e o que decorreria da apuração técnica da FGV, nos termos do acordo de 1989.

De lá para cá, cerca de 50 casos analisados no Superior Tribunal de Justiça e 30 no Supremo levaram à mesma conclusão: a de que a indenização era devida. Muitos deles já transitaram em julgado, com precatórios expedidos, pagos, distribuídos a sócios, acionistas e usados em negociações com o poder público.

Em 2013, o STJ analisou um recurso repetitivo envolvendo a Usina Matary (Tema 613), mantendo o direito à indenização, mas substituindo o critério de cálculo. Segundo a decisão, a dívida deveria ser calculada com base no custo efetivamente suportado pela empresa.

Dois anos depois, no mesmo repetitivo, foi estabelecido que a decisão não alcançava os casos transitados em julgado, em respeito à coisa julgada, mas somente processos ainda em aberto. A União não entrou com recurso.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Tema 826, sobre o mesmo caso, manteve a decisão do STJ.

Esforço conciliatório

O temor recente dos usineiros é que a União tente aplicar a nova fórmula de cálculo também a processos que já transitaram em julgado e estão em fase de execução.

A rodada de negociação com os empresários pode servir para que se encontre um caminho intermediário, mas isso ainda vai demandar tempo e esforço da advocacia pública, já que há uma análise substancial de documentação necessária. A AGU quer fixar equipes com dedicação exclusiva ao tema.

“Estamos empenhando um esforço inédito de mapeamento desses processos justamente porque a gente acredita que pode encontrar uma via conciliatória”, disse Roman. “Esse é o esforço que a gente vai fazer para poder negociar com o setor, nesses aspectos que remontam à década de 80 ainda.”

Conciliação é bem-vinda

Maílson da Nóbrega era ministro da Fazenda em 1989, durante o governo de José Sarney, quando o acordo foi assinado. À ConJur, ele disse que a tentativa da União de negociar com o setor sucroalcooleiro é bem-vinda, ainda que não afete precatórios já existentes.

“Isso é bom. É uma tendência que está se firmando no Ministério da Fazenda e na AGU, que é buscar negociar dívida ativa e outras dívidas do governo. Para mim, trata-se da extensão desse processo de negociação”, afirmou ele.

Segundo o ex-ministro, o que as usinas buscam hoje é que o cálculo siga os preços definidos pela FGV e que haja correção com base nos índices de inflação. Com a negociação, no entanto, a AGU e os usineiros podem chegar a outros termos, ao menos em parte dos processos.

Maílson da Nóbrega lembra que, de certa maneira, quando o acordo de 1989 foi assinado, o cenário era parecido: a União constatou que começava a ter prejuízos com ações que chegavam ao Judiciário. À época, no entanto, segundo ele, o que se buscava era a pacificação entre as partes.

“Naquela época foi diferente. O acordo foi para evitar o prosseguimento das ações, mas, sobretudo, para adotar as estimativas da FGV para os preços da cana e do açúcar. Naquela época era uma espécie de pacificação. Agora, o nome mais certo me parece ‘negociação’.”

Segundo o ex-ministro, o prejuízo do setor de açúcar e álcool foi, durante muito tempo, negligenciado. Ele lembra que os reajustes aos usineiros eram pequenos, a ponto de não cobrir custos, e isso desde o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), durante a ditadura militar. O acordo de 1989 buscou resolver esse impasse.

Longo tempo

Hamilton Dias de Souza, advogado tributarista que representou a Copersucar, maior cooperativa brasileira de açúcar e etanol, no acordo de 1989, disse que também considera a iniciativa da AGU benéfica.

“Acho uma boa ideia. Aliás, para o país e para o setor, todas as questões que se arrastam indefinidamente são complicadas. A União entra com recurso em absolutamente tudo. Uma situação assim é negativa de todos os ângulos.”

Para ele, é difícil dizer o que seria um acordo ideal para o setor porque seria preciso ver caso a caso.

“Temos de saber qual é o critério usado pela União. Veremos o que vem. Mas já está na hora de parar com isso. Afinal de contas, já são 35 anos. Eu comecei a atuar nesses casos 35 anos atrás.”

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