Sustentação oral obrigatoriamente assíncrona
17 de dezembro de 2024, 7h02
Quanto tempo você leva para perder o foco, olhando para uma mesma tela? Segundo um especialista ouvido pela CNN Brasil, num período de aproximadamente sete anos, o tempo médio de foco desabou de 2,5 minutos para 47 segundos.
Agora, tente se imaginar assistindo a uma sustentação oral telepresencial de 15 minutos, que inicie com todos os efusivos cumprimentos de praxe.
Viaje um pouco mais na imaginação e se coloque na posição de espectador de uma sustentação oral gravada em arquivo de áudio ou de vídeo por 15 minutos. Em quanto tempo você perderia o foco?
Pois é, a Resolução nº 591/2024 do CNJ conferiu ao relator o poder de obrigar o advogado a apresentar a sustentação oral de forma exclusivamente assíncrona, ou seja, gravada.
Segundo a dita Resolução, todos os processos em órgãos colegiados podem se submeter ao julgamento virtual ou eletrônico. Nesse caso, o advogado poderá enviar ao tribunal um arquivo de áudio ou de vídeo, contendo a sustentação oral.
Mas o advogado tem o poder de provocar uma alteração da forma assíncrona para a forma síncrona? Sim. Nesse caso, deverá pedir destaque, para que a sessão não ocorra na forma virtual.
Ocorre que — e aqui está o X do problema — o pedido de destaque está sujeito à aprovação do relator.
A leitura do texto sugere que essa aprovação é discricionária. No entanto, conforme o artigo 93, IX da Constituição, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade.
Vale também lembrar que as decisões do relator estão sujeitas à interposição do agravo interno, conforme o artigo 1.021 do CPC.
Não seria competência do CNJ
Mas a Resolução 591/2024 viola algum princípio ou alguma regra processual?
De início, percebe-se que o CNJ teve o intuito de legislar sobre algo que não lhe compete. O § 4º do artigo 103-B da Constituição não atribui ao CNJ competência para legislar sobre processo, muito menos sobre prerrogativas do advogado.
Ademais, a Resolução do CNJ choca-se frontalmente com o disposto no caput e no § 4º do artigo 937 do CPC, que dispõem a respeito de sustentação oral síncrona, presencial ou telepresencial, sem qualquer referência ao envio de arquivo de áudio ou de vídeo
No mesmo Código, em seu artigo 942, vemos que, no colegiado ampliado ou estendido, o advogado tem o direito de sustentar oralmente perante os novos julgadores convocados — não lhes sendo dado o poder de dispensar a sustentação, porque a sessão foi gravada.
Os artigos 937 e 942 são concretizações do princípio da oralidade, em sua dimensão estrita, que se manifesta pela comunicação efetivamente oral com a potencialidade de uma interação síncrona. Uma gravação de áudio ou de vídeo anexada aos autos constitui um documento, não uma comunicação oral.
Para que se perceba a ofensa à oralidade, basta imaginar, nessa mesma linha, eventual Resolução do CNJ permitindo ao julgador substituir o depoimento pessoal e a prova testemunhal por meras gravações de áudio ou de vídeo. Haveria uma alteração da natureza da prova.
Limitação do princípio do contraditório
Por outro caminho, mas com o mesmo destino, pode-se afirmar que a sustentação oral assíncrona obrigatória limita, em essência, o princípio do contraditório, previsto no inciso LV do artigo 5⁰ da Constituição.
Em razão do contraditório substancial ou dinâmico, a parte deve ter o poder de influenciar o resultado do processo e não pode ser surpreendida sobre fundamento de decisão a respeito do qual não foi consultada. Nesse sentido, são as regras dos artigos 9⁰, 10 e 933 do CPC.
A sustentação oral assíncrona obrigatória limita substancialmente o poder de influenciar os julgadores, porque não permite que se apresente, com foco e em tempo verdadeiramente real, os argumentos fundamentais e os esclarecimentos pontuais sobre as questões de fato indispensáveis à compreensão da controvérsia, ainda mais quando se leva em consideração o fato de que desembargadores e ministros dificilmente possuem contato imediato com as partes e com as provas.
A relação entre o contraditório e a sustentação oral é tanta que motivou a Corte Especial do STJ, em questão de ordem, a impedir de participar do julgamento ministro que não acompanhou a sustentação oral (EREsp 1447624) — isso levou, inclusive, a uma alteração do regimento interno do tribunal.
Mas não se pode fugir da realidade: nos últimos anos ocorreu um aumento visível do número de sustentações orais, especialmente com a implementação do modelo telepresencial.
Isso diminuiu o tempo de análise dos processos, aumentou o trabalho dos julgadores e reduziu a importância das próprias sustentações orais. Como sempre repete um amigo, “quando todos são VIPs, ninguém é VIP”.
Urge, portanto, uma reforma da legislação, que consiga equilibrar, de um lado, as prerrogativas dos advogados e o respeito ao contraditório, e do outro, a celeridade e a eficiência do Poder Judiciário. Um bom começo seria criar uma alternatividade entre despachos de memoriais ou sustentações (um ou outro), e a redução do tempo das sustentações e dos votos.
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