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Rateio de ICMS envolvendo municípios exportadores e o STF

Autor

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff – Advogados.

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17 de dezembro de 2024, 8h00

Existe um problema na divisão federativa de receitas do ICMS com os municípios. Trata-se do rateio do Valor Adicionado Fiscal (VAF), que os estados devem repassar aos municípios por força do artigo 157, §1º, CF.

Em sua redação atual, 25% do que for arrecadado pelos estados deve ser transferido aos municípios, adotados os seguintes critérios: (a) 65% “no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios”; e (b) 35% de acordo com o que dispuser lei estadual, sendo dez pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem. Desde a redação anterior dessa norma, muitos estados estabeleceram leis para o rateio desse percentual menor, hoje em 35%, que ficou conhecido como ICMS Ecológico, ou nomes semelhantes, como ICMS Verde, com vasta literatura jurídica já produzida, agora acrescido do ICMS Educacional, com literatura jurídica em construção.

O ponto a ser tratado neste texto diz respeito ao percentual maior, hoje em 65%, fruto do desequilíbrio federativo em sua apuração, o que alcança uma gama enorme de estados, nos quais existem municípios onde se localizam atividades econômicas (1) vinculadas ao setor primário da economia e (2) voltadas essencialmente para a exportação. Esses dois aspectos desequilibram o rateio federativo entre os estados e os municípios e geram desigualdade na apuração dos critérios estabelecidos. Exemplifico.

Suponhamos que no município A, situado em um estado qualquer, existam empresas que desenvolvam atividades de extração mineral. Utilizado o critério determinado pela norma constitucional mencionada, a divisão dos 65% de ICMS entre todos os municípios daquele Estado deve seguir a regra do valor adicionado em seu território. Ocorre que nessa atividade a proporção do valor adicionado é sempre gigantesca, pois praticamente não há valor inicial a ser computado nas entradas, sendo, portanto, o valor daí resultante, proporcionalmente sempre muito alto. Basta um pouco de matemática elementar: sendo zero o valor inicial (ou algo próximo disso), o número do valor final será proporcionalmente alto. Logo, o valor adicionado no território daquele município será sempre desproporcional relativamente ao conjunto de municípios daquele estado.

Spacca

Apenas esse fato já acarreta um desequilíbrio em favor do município A, mas existe a segunda variável mencionada, que é a exportação. Caso a produção realizada no território desse hipotético município seja destinada à exportação, a arrecadação de ICMS será zero, pois as exportações são corretamente desoneradas. Daí resulta o segundo desequilíbrio, pois esse município, que já obteve um índice de valor adicionado proporcionalmente alto, não terá contribuído com nem um centavo para a composição do valor a ser distribuído. Desse modo, participa do rateio de um montante para o qual nada contribuiu. Em linguagem popular: vai à festa sem levar nada e come a maior parte do bolo.

O exemplo usa a atividade minerária, mas serve também para qualquer outra atividade do setor primário da economia, como as vinculadas ao agronegócio. Qual o valor adicionado fruto do nascimento de novos bezerros ou do crescimento de espigas de milho? Seguramente alto, pois o valor inicial será proporcionalmente baixo. Desse modo, a resultante será sempre alta.

Esse desequilíbrio no rateio federativo do VAF ocorre de forma completamente constitucional e legal, embora o problema persista. É um caso de mau desenho normativo, e não de aplicação errada da norma.

Carona

O estado do Pará identificou o problema e adotou uma inteligente solução normativa, pegando carona em uma norma relativa ao sistema de tributação do Simples Nacional, para o qual foi criada (por lei complementar federal, sem contestação judicial) uma presunção de valor adicionado de entrada de 32%, o que equaliza o problema federativo do rateio do ICMS referente a esse sistema simplificado de tributação.

A inteligente carona normativa foi a de adotar por lei estadual esse presumido valor adicionado de entrada para as empresas que atuam na atividade de extração de minérios. Com isso, pelo menos 32% seriam usados para diminuir o impacto no rateio federativo dentro do estado, reduzindo o percentual a ser recebido pelos municípios nos quais essa atividade ocorre, e, consequentemente, aumentando o percentual de ICMS a ser recebido pelos demais municípios.

Acontece que essa novidade normativa paraense não foi bem recebida pelo STF na semana passada. Na ADI 7.685, proposta pela Procuradoria da República e relatada pelo ministro Gilmar Mendes, o placar foi unânime pela inconstitucionalidade, tendo sido o problema muito bem exposto pelo contraditório ocorrido. O ministro Gilmar Mendes, ao finalizar seu voto, bem afirmou: “Apesar do louvável objetivo exposto pelo governador do Pará de corrigir as distorções e as dificuldades de corretamente quantificar o valor adicionado conforme previsto no artigo 1º da Lei Complementar nº 63/1990, não poderia a legislação estadual extrapolar a competência expressamente atribuída pela Constituição Federal à lei complementar”.

Em síntese: foi reconhecida a justiça da norma em busca de solução para o problema, mas o veículo normativo utilizado pelo Estado não foi adequado em face da Constituição.

Agiu bem o STF, porém o problema persiste, sendo necessário que um parlamentar federal, ou o Poder Executivo, proponha um projeto de lei complementar para o solucionar. Fica a sugestão.

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  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados.

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