Opinião

Como o TJ-PE julgou Habeas Corpus depois de Gusttavo Lima?

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17 de dezembro de 2024, 9h23

Abstract: e a Procuradoria de Pernambuco arquivou, de plano, os casos contra Gusttavo Lima. Ótimo. Garantias devem ser cumpridas. Enquanto isso, quantas ações penais contra furtos dos quais nem restou prejuízo foram e são propostas? E ignoram insignificância?

Explicando o imbróglio e meu texto anterior

Uma juíza de Pernambuco decretou a prisão de Gusttavo Lima e da influencer Deolane — a notícia esteve em todos os jornais e sites. Deolane chegou a ser recolhida por alguns dias. Já o cantor obteve Habeas Corpus antes de ser preso (leiam aqui o artigo que escrevi sobre).

Houve um frisson sobre a (quase) prisão de Gusttavo Lima. Ainda há juízes no Brasil, disseram alguns causídicos.

Sim, ainda há juízes no Brasil, concordei.

Correta a decisão do HC concedido pelo desembargador pernambucano. Porém, fiz uma pesquisa para saber como foram as demais decisões do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Como foi a pesquisa anterior? Como decidiam no TJ-PE?

Em cem pedidos de Habeas Corpus apreciados desde 2023 até a semana em que houve a concessão da ordem a favor de Gustavo Lima, o desembargador pernambucano Eduardo Maranhão ou não conheceu ou não deferiu (nenhuma) liminar.

No mérito, os HCs relatados pelo desembargador, com raras exceções, foram negados à unanimidade. Portanto, o que eu quis dizer é que a comemoração pela concessão do Habeas Corpus em favor de Gustavo e Deolane fica, digamos assim, ofuscada pelas notícias acerca dos demais Habeas Corpus. Lembro que é fundamental que o leitor leia o texto anterior.

Isonomia, eu quero uma para viver no Brasil

Spacca

Não está errada a decisão que concedeu o HC em favor de Gusttavo Lima. Mas um acerto não conserta vários erros (ou apreciações seletivas). Assim, talvez não tão corretas estejam muitas das decisões do desembargador (ou do Tribunal) que não concede(ra)m liminar (e/ou o Habeas Corpus no mérito) a acusados presos cautelarmente no estado de Pernambuco (sim, sei que no restante do Brasil isso se repete).

No artigo anterior, listei dezenas de HCs negados, mostrando que o caso Gusttavo Lima foi tratado de forma seletiva pelo TJ-PE.

Há mais de 30 anos eu dizia nas palestras e textos: no Brasil, la ley es como la serpiente; solo pica al descalzos. A frase é de um camponês salvadorenho, repetida por Jesus José  de La Torre Rangel.

O resto é autoexplicativo pela modernidade tardia brasileira.

No Brasil, pessoas como Gusttavo Lima sabem se defender (meus cumprimentos ao trabalho eficaz dos seus advogados). A minha preocupação é com os não-gustavos. De todo o Brasil.

Como o Tribunal continuou julgando depois de Gusttavo Lima

Minha equipe fez uma pesquisa para esclarecer o imbróglio. Buscou decisões monocráticas e acórdãos do desembargador Eduardo Guilliod Maranhão como relator em Habeas Corpus Criminais (24/9/2024 a 27/11/2024). Das dez decisões monocráticas encontradas a partir dos critérios de busca estabelecidos, a maior parte foi julgada prejudicada por perda de objeto (oito decisões).

Há duas decisões monocráticas em que os respectivos HCs não foram conhecidos, com fundamento na impossibilidade de manejar o writ em substituição a recursos ordinários. Não há, portanto, decisões monocráticas que tenham sido conhecidas e/ou favoráveis aos pacientes.

Em relação aos 24 acórdãos encontrados a partir dos termos de busca estabelecidos, cabe destacar que em apenas um deles (Habeas Corpus Criminal nº 0032016-85.2024.8.17.9000)  a ordem foi concedida, com fundamento na prescrição. Os demais foram denegatórios da ordem, por decisão unânime, nos termos do voto do telator.

Destaque-se coisas como Habeas Corpus Criminal 0040753-77.2024.8.17.9000, no qual foi alegado, em síntese, que o paciente vem suportando coação ilegal ante o excesso de prazo em que permanece preso preventivamente, considerando que está encarcerado desde junho de 2019, sem que tenha sido marcada uma data para o tribunal do júri.

Não vou explicitar um a um os Habeas Corpus — todos negados. Apenas quero mostrar que no Brasil o HC corpus é um “produto” não bem aceito pelos Tribunais. Portanto, quero mostrar que o caso Gusttavo Lima teve um tratamento correto, que, todavia, não foi estendido aos demais não-gustavos de Pernambuco.

Isso é fato.

Portanto, não nos empolguemos dizendo “ainda há juízes no Brasil”. A frase vale se for dita em detalhes: ainda há juízes no Brasil, principalmente nas hipóteses em que o réu ou indiciado for alguém como Gusttavo Lima. E que esse tratamento não é dado aos não-gustavos.

Fato é fato. Eu acredito em fatos. E acho que a frase niilista de Nietzsche é falha. Aliás, não é por nada que Umberto Eco a ironiza fortemente no livro “Aos Ombros de um Gigante”. Sobre o qual já escrevi aqui.

Portanto, garantistas de todo o Brasil: quando ocorre uma decisão como a de Gusttavo Lima, não há o que comemorar. Há, sim, o que reclamar: afinal, como estão os não-gustavos? Eis a pergunta de um milhão de CPPs.

Ainda numa palavra: fiz uma busca pela aplicação do princípio da insignificância no TJ-PE. Não é fácil encontrar decisões favoráveis. O Ministério Público de Pernambuco também não preza muito esse princípio. Aliás, não só em Pernambuco.

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