2024: o ano em que fizemos contato (parte 2)
17 de dezembro de 2024, 8h00
Na última semana, iniciamos a Retrospectiva Aduaneira 2024, à luz de temas tratados na coluna Território Aduaneiro ao longo do ano “em que fizemos contato”. Falamos sobre odisseias e a respeito do tema vice-campeão de colunas no ano: a modernização do contencioso administrativo.
Hoje continuamos com o tema campeão de colunas (reforma tributária), sobre o terceiro colocado (Lei Geral de Comércio Exterior), e sobre eventos e publicações relativos à temática aduaneira, destacando ainda a relevância de temas novos que se apresentam neste final de ano.
Agregamos ainda novidades surgidas na última semana, no que se refere a nosso primeiro tópico: a reforma tributária, que impacta a tributação aduaneira niveladora, norteada pela cláusula do tratamento nacional (artigo III do Gatt) e pela livre concorrência.
Sobre a reforma tributária
O tema campeão de artigos na coluna “Território Aduaneiro” em 2024, foi também líder nos noticiários, pois reformulará substancialmente uma estrutura tributária concebida na década de 60 do século passado, no que se refere ao consumo, ramo em que se concentra (aparentemente, na contramão da justiça fiscal!) a matriz tributária brasileira.
Ao todo, foram dez artigos, cerca de 25% de toda a coluna no ano, tratando de expectativas [1], importações indiretas [2], impactos no comércio exterior [3], IBS e CBS nas importações [4] e regimes aduaneiros [5]. Esse “tema do momento” em 2024, no entanto, alastrar-se-á aos próximos anos, seja pelas alterações que ainda devem ocorrer aos projetos, ou pelo início do período de transição, e o leitor pode esperar novas colunas em 2025 acompanhando o andamento dos debates legislativos e doutrinários.
![](https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2022/29/rosaldo-trevisan-tarja.jpeg)
Na última semana, o Plenário do Senado aprovou o PLP 68/2024, que retorna agora à Câmara dos Deputados. Durante a votação no Senado, o relator, Eduardo Braga (MDB-AM), acolheu mais de 600 emendas. Entre as modificações introduzidas pelo Senado estão novas hipóteses de redução dos futuros tributos CBS e IBS – como na conta de água – e a inclusão de mais itens na cesta básica, como a erva-mate. O presidente do Senado comentou que ao Câmara deve pautar o projeto para esta semana [6].
Sobre a Lei Geral de Comércio Exterior
O tema vice-campeão de artigos na coluna, e responsável por substancial modernização na legislação aduaneira brasileira, alinhando-a às melhores práticas internacionais presentes em tratados assinados pelo Brasil, como a Convenção de Quioto Revisada (no âmbito da OMA) e o Acordo sobre a Facilitação do Comércio (da OMC), mereceu mais elogios que críticas no “Território Aduaneiro”, em 2024. Com cinco artigos que retratam o projeto em distintas fases: a concepção [7], os impactos [8], a consulta pública [9], a busca pelo consenso [10] e a veiculação do PL 4.423/2024 [11].
O PL 4.423/2024, publicado no Diário do Senado Federal em 18 de novembro de 2024, não sofreu emendas na primeira etapa de tramitação, e, na última semana, aguardava designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado [12]. A comunidade aduaneira acompanha com bastante entusiasmo e atenção o projeto, que caminha no sentido da facilitação do comércio, seguindo tendência mundial, incorporando explicitamente práticas como a gestão de risco, a conformidade, a utilização intensiva de tecnologia, a cooperação e a desburocratização nas operações de comércio exterior.
Apesar de não ter sido líder em número de artigos na coluna, esse tema promete povoar intensamente os debates no próximo ano, sendo sério candidato ao campeonato de 2025.
Eventos e publicações
O ano de 2024 foi repleto de eventos temáticos aduaneiros, presenciais e virtuais, vários eles sobre o assunto do tópico anterior (Lei Geral de Comércio Exterior), que efetivamente merece debates acadêmicos buscando o aprimoramento e o assentamento de posições a respeito do PL 4.423/2024.
Numerosos debates promovidos nos seminários e eventos promovidos pelas representações específicas aduaneiras da OAB, locais e regionais (por exemplo, em SP, ES, PR e SC) contribuíram para o “ano em que fizemos contato”, trazendo o Direito Aduaneiro ao centro de importantes foros nacionais e internacionais.
O já tradicional Congresso Internacional de Estudos Aduaneiros, da Associação Brasileira de Estudos Aduaneiros (Abead) , que teve lugar na Cidade Administrativa de Belo Horizonte, em 29 e 30 de agosto de 2024, foi uma boa amostra de que a academia pode fomentar debates que culminem no aperfeiçoamento de práticas e da legislação, apresentando e confrontando posicionamentos dos mais variados segmentos, buscando o fim comum da facilitação do comércio sem prejuízo do controle aduaneiro.
Ainda em 2024, no mês de novembro, o Rio de Janeiro teve a satisfação de sediar um dos principais eventos da OMA, o “World Customs Organization’s Technology Conference & Exhibition”, com a presença de relevantes atores internacionais do Direito Aduaneiro, inclusive o Secretário Geral da OMA.
Assim como a realização de eventos, a produção bibliográfica de 2024 merece destaque em termos quantitativos e qualitativos, e aproveitamos para citar aqui, sem pretensão de exaustão [13], algumas das relevantes obras publicadas ao longo de 2024 sobre matéria aduaneira, no Brasil, evidenciando que o país já é o polo onde mais se pesquisa e produz bibliografia especializada sobre Direito Aduaneiro, hoje, na América do Sul [14]. E o melhor é que a produção já não bebe na fonte da doutrina tributária doméstica, mas na aduaneira, internacional e doméstica (mormente os “clássicos”) [15].
“Infrações Aduaneiras à luz do Direito Aduaneiro Internacional”[16]; “Gestão de Riscos no Despacho Aduaneiro de Importação: Inteligência Artificial como instrumento e agente de controle”[17]; “Medidas de Fronteira TRIPS: O papel da Aduana no combate à pirataria” [18]; “Perspectivas e Desafios do Direito Aduaneiro no Brasil” [19]; “Direito Aduaneiro Tributário” [20]; “Regimes Aduaneiros Especiais voltados à industrialização e o desenvolvimento nacional” [21]; e “Ad Valorem Tariffs and Customs Valuation: Implications for the stability and predictability of national revenue from tariffs” [22]; além do volume 2 de nossa coletânea “Território Aduaneiro” [23], são uma boa amostra da produção aduaneira brasileira em 2024.
E ainda há obras pendentes de publicação que devem vir à tona já no início de 2025, o que fará com que uma nova retrospectiva possa quebrar o recorde de notas de rodapé que estamos estabelecendo nesta coluna.
Ademais, autores brasileiros e estrangeiros na área do Direito Aduaneiro estão cada vez mais conectados em grupos de pesquisa, em eventos, em publicações conjuntas, proporcionando intercâmbio de informações e benchmarking que contribuem para o aprimoramento do ramo jurídico, cabendo ainda salientar que em 2025 a Reunião Mundial de Direito Aduaneiro (evento que reúne os principais autores internacionais da área) já está agendada (e com inscrições abertas), e será realizada de 3 a 5 de setembro de 2025, em Porto/Portugal [24].
Cenas dos próximos capítulos…
Não bastassem os temas aqui expostos, 2025 será ainda marcado por novidades que acabam de sair do forno de 2024 e impactam diretamente o cenário aduaneiro, como as alterações geopolíticas dos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, os últimos movimentos dos Brics, a novamente comemorada aliança Mercosul-União Europeia, a eleição do presidente norte-americano Donald Trump (fã declarado das “tariffs”) [25], e a evolução dos debates sobre o corredor bioceânico (acentuado pela recente construção do porto de Chancay, no Peru).
O Direito Aduaneiro é diretamente impactado por esses acontecimentos recentes, todos com elevado potencial para instigar estudos, inclusive no âmbito do “Território Aduaneiro”. Nesse cenário de crescentes tensões globais, que muito lembra a descrição inicial do filme “2010”, descrito na última semana, temas não faltarão para as colunas de 2025. Boas Festas! Que a parceria com o leitor continue. Estamos em contato!
[1] PIERI, Fernando; LACERDA Daniela. Sobre reformas e tributos aduaneiros: expectativas, em 16 de janeiro de 2024 – disponível em: Sobre reformas e tributos aduaneiros: expectativas.
[2] PIERI, Fernando; NAVARRO, Carlos. Como o novo IVA dual brasileiro deverá incidir nas importações indiretas?, em 12 de março de 2024 – disponível em: Como o novo IVA dual brasileiro deverá incidir nas importações indiretas?.
[3] MEIRA, Liziane. O impacto da reforma tributária no comércio exterior (parte 1), em 21 de maio de 2024 – disponível em: O impacto da reforma tributária no comércio exterior (parte 1); MEIRA, Liziane; DORNELLES, Arnaldo. O impacto da reforma tributária (parte 2): as empresas comerciais exportadoras, em 30 de julho de 2024 – disponível em: O impacto da reforma tributária (parte 2): as empresas comerciais exportadoras; e MEIRA, Liziane. Impactos da reforma tributária (parte 4): comércio exterior e PLP 68/2024, em 8 de outubro de 2024 – disponível em: Impactos da reforma tributária (parte 4): comércio exterior e PLP 68.
[4] PIERI, Fernando. Incidência do IBS e da CBS sobre importações, em 13 de agosto de 2024 – disponível em: Incidência do IBS e da CBS sobre importações.
[5] PIERI, Fernando. Regimes Aduaneiros Especiais e o Projeto de Lei Complementar 68/24, em 27 de agosto de 2024 – disponível em: Regimes Aduaneiros Especiais e o Projeto de Lei Complementar 68/24; MEIRA, Liziane. Impacto da reforma tributária (parte 3): regimes aduaneiros especiais, em 3 de setembro de 2024 – disponível em: Impacto da reforma tributária (parte 3): regimes aduaneiros especiais; MEIRA, Liziane. Impactos da reforma tributária (parte 5): a nova Lei Geral Aduaneira e os regimes aduaneiros especiais, em 12 de novembro de 2024 – disponível em: A nova Lei Geral Aduaneira e os regimes aduaneiros especiais; e BRANCO, Leonardo, FRONER, Guilherme. Impactos do PLP nº 68/2024 sobre as Zonas de Processamento de Exportação, em 19 de novembro de 2024 – disponível em: Do PLP nº 68/2024 sobre as Zonas de Processamento de Exportação.
[6] Disponível em: Pacheco comemora reforma tributária depois de 30 anos: ‘dia muito relevante’ — Senado Notícias.
[7] TREVISAN, Rosaldo. Lei Geral de Comércio Exterior: um alinhamento importante, em 17 de setembro de 2024 – disponível em: Lei Geral de Comércio Exterior: um alinhamento importante.
[8] BRANCO, Leonardo, ANDRADE, Thális. Lei Geral de Comércio Exterior e a modernização das aduanas, em 15 de outubro de 2024 – disponível em: Lei geral de comércio exterior e a modernização das aduana.
[9] PIERI, Fernando. Anteprojeto da Lei Geral de Comex: comentários (parte 1), em 22 de outubro de 2024 – disponível em: Anteprojeto da Lei Geral de Comércio Exterior: comentários.
[10] TREVISAN, Rosaldo. Churchill, Caetano e o ‘tema do momento’, em 5 de novembro de 2024 – disponível em: Churchill, Caetano e o ‘tema do momento’.
[11] PIERI, Fernando. Anteprojeto de Lei Geral de Comex (parte 2): PL nº 4.423/2024, em 26 de novembro de 2024 – disponível em: Anteprojeto de Lei Geral de Comex (parte 2): PL nº 4.423/2024.
[12] O trâmite do PL 4.423/2024, assim como o texto do projeto, pode ser conferido em: PL 4.423/2024 – Senado Federal.
[13] Eventuais ausências de menção a eventos e a obras bibliográficas não refletem seletividade ou demérito, mas simples falha, por esquecimento, por parte deste colunista.
[14] Destaca-se, na América do Sul, por exemplo, os dois tomos “clássicos” de Ricardo Xavier BASALDÚA (Derecho de la Integración. Buenos Aires. Abeledo Perrot, 2024).
[15] Dando sequência ao artigo aqui já referido, que trata dos “clássicos aduaneiros”, em 2024 foram elaboradas colunas específicas sobre dois, o primeiro se referindo a obra de Ricardo Xavier BASALDÚA (TREVISAN, Rosaldo; FAZOLO, Diogo. Clássicos aduaneiros: o direito da integração, em 9 de abril de 2024 – disponível em: Clássicos aduaneiros: o direito da integração), e o segundo ao livro de Claude BERR (TREVISAN, Rosaldo; SUCIPIRA, Renata. Clássicos aduaneiros: Introdução ao Direito Aduaneiro, de Claude Berr, em 23 de julho de 2024 – disponível em: Clássicos aduaneiros: Introdução ao Direito Aduaneiro, de Claude Berr).
[16] FAZOLO, Diogo Bianchi. Infrações Aduaneiras à luz do Direito Aduaneiro Internacional. São Paulo: Caput Libris/NSM, 2024. Tivemos a satisfação de orientar a dissertação de Diogo e prefaciar seu livro.
[17] SEGALLA REIS, Raquel. Gestão de Riscos no Despacho Aduaneiro de Importação: Inteligência Artificial como instrumento e agente de controle. São Paulo: Caput Libris/NSM, 2024. Tivemos a satisfação de orientar a dissertação de Raquel e prefaciar seu livro.
[18] OLIVEIRA, Dihego Antônio Santana de. Medidas de Fronteira TRIPS: O papel da Aduana no combate à pirataria. São Paulo: Caput Libris/NSM, 2024. Tivemos a satisfação de orientar a dissertação de Dihego e prefaciar seu livro.
[19] VALLE, Maurício Dalri Timm do; TREVISAN, Rosaldo (coord.). Perspectivas e Desafios do Direito Aduaneiro no Brasil. São Paulo: Caput Libris/NSM, 2024.
[20] MINEIRO, Pedro. Direito Aduaneiro Tributário. Belo Horizonte: Arraes, 2024. Registramos aqui o agradecimento pelo livro recebido do autor, com dedicatória, há duas semanas.
[21] MINEIRO, Rodrigo. Regimes Aduaneiros Especiais voltados à industrialização e o desenvolvimento nacional. Belo Horizonte: Arraes, 2024.
[22] MACEDO, Leonardo Correia Lima. Ad Valorem Tariffs and Customs Valuation: Implications for the stability and predictability of national revenue from tariffs. Maastricht University, 2024. Registramos aqui o agradecimento pelo livro recebido do autor, com dedicatória, há uma semana.
[23] TREVISAN, Rosaldo; L;MEIRA, Liziane; KOTZIAS, Fernanda; BRANCO, Leonardo; PIERI, Fernando. Território Aduaneiro. São Paulo: Amanuense, 2024.
[24] Mais informações em: PORTO, PORTUGAL 2025 | ICLA.
[25] Vários desses temas tratados em recentíssimo artigo de Ricardo Xavier Basaldúa (Derecho del Comercio Internacional: Bilateralismo, Multilateralismo y Regionalismo), Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 26, n. 140, Set/Dez. 2024.
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