Direito Civil Atual

Ingeborg Maus: despedida da teórica da soberania popular

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16 de dezembro de 2024, 9h22

Ingeborg Maus faleceu em Frankfurt a. M., em 14 de dezembro de 2024, e deixa um legado de reflexões na teoria política. Nascida em Wiesbaden, em 1937, Maus foi assistente científica de Carlo Schmid e depois de Christian Graf Krockow na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Frankfurt.

ConJur

Integrou de 1987 a 1992 no mesmo grupo de trabalho em que Jürgen Habermas desenvolveu sua teoria do discurso da democracia: Leibniz-Arbeitsgruppe Rechtsheorie. Em 1992, após longo percurso acadêmico e de pesquisadora, foi professora da Universidade de Frankfurt de teoria política e história das ideias, de onde se retirou em 2003, permanecendo como professora emérita desta universidade até seu óbito.

Maus ficou conhecida do público brasileiro pela tradução que realizamos, eu e o professor Paulo Antonio de Menezes Albuquerque, de seu ensaio de 1986 “Judiciário como superego da sociedade”, publicado em 2000, na Revista Novos Estudos, do Cebrap. Posteriormente, um de seus principais trabalhos — Zur Aufklärung der Demokratietheorie — apareceu em tradução pela editora DelRey, em 2009, sob o título “O Direito e a Política — Teoria da Democracia”.

Trata-se de uma das mais respeitadas intelectuais sobre o pensamento democrático do período pós-guerra na Alemanha. Sua reflexão procura recuperar a força da normatividade democrática, ou seja, o positivismo democrático, contra a “usurpação” pelo aparelho judicial do estado desta normatividade. Esta radicalidade democrática se deixou traduzir nas suas posições sobre a decisão do direito de asilo, bem como a intervenção militar “humanitária”, todas dos anos 1990. Maus foi a teórica a recuperação democrática contra s regressões da própria democracia.

Em 1969, após a publicação de seu ensaio Zur ‚Zäsur’ von 1933 in der Theorie Carl Schmitts, na revista Kritische Justiz, de 1969, começaria uma troca de correspondência entre Schmitt e Maus, que se estende até 1983, da qual ela gentilmente se distanciou.

Recebe intensa atualidade sua tese de doutorado em 1976, publicada posteriormente em 1980: Bürgerliche Rechtsthorie und Faschismus — Zur sozialen Funktion und aktuellen Wirkung der Theorie Carl Schmitts (Teoria do Direito Civil e Fascismo — sobre a função social e efeito atual da Teoria de Carl Schmitt). Neste trabalho, Ingeborg Maus adverte do risco da regressão da democracia. A Autora interpreta a teoria de Schmitt como uma tentativa de preservar a ordem burguesa-capitalista diante de ameaças sociais ou econômicas.

Contextos de crise

Segundo Maus, a concepção jurídica de Schmitt serve como uma ferramenta para manter as hierarquias sociais e o poder econômico existentes, especialmente em contextos de crise que ameaçam o status quo. Maus argumenta que a teoria de Schmitt continua a ser relevante e problemática nas democracias contemporâneas, pois suas ideias sobre soberania, ordem e estado de exceção ainda são mobilizadas em discussões sobre crises políticas e segurança nacional.

Em Rechtstheorie und politische Theorie im Industriekapitalismus (Teoria do Direito e Teoria Política no Capitalismo Industrial, 1986), a autora destaca as tensões inerentes entre os princípios democráticos e as exigências do capitalismo industrial. Enquanto a democracia promete igualdade e participação, o capitalismo industrial requer hierarquias e exclusão para maximizar a eficiência econômica e a acumulação de capital.

Maus propõe uma abordagem crítica para superar a visão instrumental e ideológica do direito e da política no capitalismo. Ela defende a necessidade de uma teoria que promova a emancipação social e política, desvelando as relações de poder ocultas no discurso jurídico e político dominante. Maus apresenta uma análise marxista e crítica das teorias jurídicas e políticas, revelando como elas estão intimamente ligadas à estrutura e às necessidades do capitalismo industrial.

Foi, porém, com Über Volkssouveränität, em 2011, que Ingeborg Maus fez publicar seus escritos filosóficos, antigos e recentes, onde procura recuperar a força do conceito iluminista de soberania popular, especialmente com Rousseau e Kant, agora de forma madura a respeito de sua atuação teórica. Permanece em Ingeborg Maus a força da sociedade, como ator político fundamental para a construção da emancipação humana e da democracia.

Para aqueles que viveram a experiência dos seminários de Frau Maus, especialmente sobre Teoria do Conservadorismo 1 e 2, suas lições, seus escritos, sobretudo sua generosidade com todos que a ela acorriam, deixaram marcas que jamais se apagarão.

 

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

Autores

  • é mestre em Direito pela UFC (Universidade Federal do Ceará), doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt, pós-doutorado em Direito pela Universidade de Frankfurt, procurador-Geral de Fortaleza (2006-2012), coordenador da Área de Direito na Capes (2011-2014) e atualmente professor titular da Unifor e procurador do Município de Fortaleza.

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