Segunda Leitura

Livro da Justiça do Paraná entra na memória do Poder Judiciário

Autor

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

    Ver todos os posts

15 de dezembro de 2024, 7h44

A memória do Poder Judiciário brasileiro, por décadas desprezada, entra agora na agenda do Poder Judiciário e dos historiadores. Nada mais natural, porque conhecer o passado ajuda a compreender o presente, evitar a repetição de erros e planejar o futuro.

Spacca

O movimento de resgate histórico vem se processando de forma crescente, através de publicações oficiais de tribunais, ação do CNJ, artigos, sites, ONGs, congressos presenciais ou online. Além disto, profissionais de outras áreas vêm publicando obras ou pesquisas de interesse, como, por exemplo, na História, Arno e Maria José Wehling, “Direito e Justiça no Brasil Colonial” e, na Ciência Política, “A nobreza togada. As elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil”, tese de doutorado de Frederico Normanha Ribeiro de Almeida, na USP.

As publicações de tribunais ou de órgãos de primeira instância atualmente tendem a ser elaboradas por órgãos da estrutura administrativa, de forma leve, jornalística, com o uso de imagens. Há, contudo, as que se aprofundam no tema, não só com referências, mas também com análise de dados históricos. Entre estas, cita-se a mais recente, que é do Tribunal de Justiça de Alagoas neste ano de 2024, “Alagoas Colonial. Processos do século XVIII”, organizada pelo juiz Claudemiro Avelino de Souza.

Pois bem, optando por esta segunda via, o Tribunal de Justiça do Paraná, a Academia Paranaense de Letras Jurídicas e o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, lançaram dia 13 passado, de forma impressa e virtual (QRCode), o livro “Em homenagem aos 300 anos da Justiça togada na terra das araucárias”. Evidentemente, obra de tal porte exige apoio total da presidência do Tribunal, o que no caso aconteceu com o interesse do presidente, desembargador Tomasi Keppen, e órgãos de estrutura competentes e motivado.

Tive o prazer de ser um dos coordenadores da obra e de participar com um artigo e com a apresentação. O prefácio foi do professor Roberto Rosas, com o selo de qualidade que lhe é próprio. Os temas, expostos em artigos escritos por profissionais da área do Direito, giram em torno da Justiça e sua história, dos tempos da Colônia aos dias atuais, além de outros tratando dos desafios próprios da Justiça na atualidade. A maioria deles aborda temas de forma pioneira, dando margem a que outros aprofundem pesquisas setoriais.

Século 17

Os primeiros registros históricos, a partir do século 17, têm estudos dos desembargadores Bacellar e Henriques Filho, este com João Siqueira, e do diplomata Pinheiro Machado. Ali estão as informações de um Brasil distante, tempo dos juízes ordinários, escolhidos entre os vereadores, da época dos juízes de fora, criados por Portugal para que as leis do Reino fossem cumpridas e do poder absoluto dos detentores das capitanias hereditárias, que nos confins do imenso território acabavam também por exercer a jurisdição.

Nos tempos do Império, sob as mudanças da Constituição de 1824, parte das pesquisas estão no artigo de Pinheiro Machado. Da minha autoria estudo sobre a justiça nos tempos da Província do Paraná (1853-1889), com os recursos de apelação sendo julgados pelos Tribunais da Relação do Rio de Janeiro e depois de São Paulo.

Nele o resgate histórico dos que foram juízes no período e comentários sobre as dificuldades de ter-se bacharéis nas profissões jurídicas, exercendo os rábulas, na advocacia, um papel importante. A situação dos escravizados e, décadas depois, dos seus descendentes na condição de magistrados, foi analisada pela professora Ângela dos Prazeres. Coube aos advogados Popp o enfrentamento da forma como se desenvolveu o Direito Comercial no Império, dando preciosas informações sobre o Código de 1850 e os Tribunais do Comércio, hoje sucedidos pelas Varas Empresariais do Rio de Janeiro e a Câmara Empresarial do TJ-SP.

No Império, porém com reflexos e parte na República, a história fica mais próxima e os dados a serem pesquisados tornam-se mais ricos. Aí entram artigos como a importância dos nordestinos na forma da Justiça paranaense, do desembargador Maranhão e da Juíza Crocetti, que de forma inédita, escrevem a respeito.

Os nordestinos eram os chamados bacharéis do norte, que ao fim do Império e início da República manifestavam interesse em ser juízes na terra das araucárias e aqui faziam carreira. O desembargador Cury discorre sobre os descendentes de imigrantes na Justiça paranaense. O Paraná tinha uma população pequena, a maior parte do território era ocupada por indígenas.

Dom Pedro 2º, querendo povoar terras da região, incentivou a vinda de italianos, sírios, libaneses, poloneses, ucranianos e outros povos. Gerações posteriores estudaram e começaram a envolver-se na área jurídica, inclusive, aos poucos, na magistratura.

Na República, a criação do Tribunal de Apelação do Paraná foi dissecada pela professora Chloris Oliveira e o Poder Judiciário e a Revolução Federalista pelo desembargador Hapner. Eram tempos difíceis, com a República se firmando entre conflitos e revoltas regionais, tendo a região sul sofrido os efeitos também no Poder Judiciário e seus membros, sendo que muitos perderam o cargo por razões políticas.

Desta época, temas paralelos, mas de igual importância, foram abordados. O desembargador Vargas analisou as questões eleitorais antes da Justiça Eleitoral, os advogados Câmara e Alcântara os crimes contra a honra e a liberdade sexual em tempos de severa vigilância dos costumes, ressaltando a perene culpabilização da mulher. Os artigos, além do pioneirismo, têm lastros em casos concretos, tornando a pesquisa não uma simbólica referência à legislação, mas também como era aplicada na realidade da época.

Poucas décadas depois, mudanças na sociedade motivaram artigos não menos relevantes, como a análise pela desembargadora Karam dos julgamentos do Tribunal, da República à Constituição de 1988. Esta pesquisa permite constatar como a Justiça decidiu ao longo do tempo, adaptando-se às mudanças políticas, sociais e econômicas.

O ingresso na magistratura paranaense, pelo desembargador Alvarez Vianna, e as primeiras mulheres magistradas, pela advogada Rogéria Dotti, dão-nos ideia de como estas mudanças ocorreram, sempre em meio a luta intensa para firmarem-se. Afinal, governadores não queriam mudar seu poder de nomear juízes e as mulheres eram rejeitadas pelos homes em posições de mando, entre elas a de julgar.

Após a Constituição de 1988, com profundas mudanças nos rumos do Brasil, a questão de novos costumes e união em família foi analisada pelo desembargador Cambi e a doutoranda Nosaki. A formação dos magistrados foi dissecada pelo desembargador José Laurindo e a doutoranda Lara Zambão. A arquitetura judiciária, tema tão pouco comentado, foi objeto de análise do coordenador Pedralli e a secretária Brandão do TJ-PR. O orçamento do Judiciário, outra matéria sem textos, foi estudada pelo desembargador Nogueira e assessora Calixto. E o humor não poderia faltar, razão pela qual o jornalista Buchmann brindou-nos com passagens do folclore forense e derivações.

Finalmente, o presidente do Tribunal, Tomasi Keppen, teceu comentários sobre a estrutura do Poder Judiciário e reforma administrativa, temas essenciais para a pretendida celeridade dos processos.

Assim, aí está uma obra que vai a fundo na história e nos temas mais complexos e diversificados do Poder Judiciário. E para que isto não fique restrito aos que detêm o poder de acesso aos livros, ela está disponível eletronicamente a todos, conforme o QRCode abaixo. E a todos é referência, não apenas a bacharéis em Direito, mas aos estudiosos de áreas interdisciplinares, especialmente historiadores.

Autores

  • é professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!