STF mantém decisão contra repercussão geral em caso de uso de banheiro por pessoa trans
14 de dezembro de 2024, 11h38
Qualquer dos ministros do Supremo Tribunal Federal pode propor o cancelamento de um tema de repercussão geral nos casos que ainda não terminaram de ser julgados, não sendo a iniciativa apenas de iniciativa do relator.
Com base nesse entendimento, o STF manteve a decisão que cancelou a repercussão geral de uma ação que discutia o uso de banheiros femininos por pessoas transexuais.
Os embargos de declaração foram julgados pelo Plenário Virtual entre os dias 6 e 13 de dezembro. Venceu o voto do ministro Luiz Fux. Ficou vencido o relator, ministro Luís Roberto Barroso.
Em junho, o Plenário do Supremo cancelou a decisão da própria corte que havia reconhecido a repercussão geral do julgamento sobre o uso de banheiro por pessoas trans e negou seguimento ao caso.
A análise do mérito, depois do reconhecimento da repercussão geral, estava parada desde 2015, quando Fux pediu vista. O caso concreto é de uma pessoa transexual impedida de utilizar o banheiro feminino de um shopping.
A repercussão geral foi reconhecida em 2014 e decidiria se a pessoa trans tem o direito “de ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente”.
Voto vencedor
Atuaram no caso os advogados Paulo Roberto Iotti e Isabela Pinheiro Medeiros. Nos embargos, argumentaram que o Regimento Interno do STF só permite a revisão do reconhecimento da repercussão geral por iniciativa do relator do caso. Também disseram que, ao contrário do decidido pelo STF em junho, o caso envolve matéria constitucional.
Para Fux, no entanto, já decidiu pela revisão do reconhecimento de repercussão geral a partir de levantamentos feitos por outros ministros que não o relator. O ministro citou de exemplo o Recurso Extraordinário 614.873, em que houve o cancelamento da repercussão geral após questão de ordem proposta por Dias Toffoli.
“Ressalta-se a ausência de qualquer divergência do Pleno quanto à possibilidade de apresentação de proposta de questão de ordem por Ministro desta Corte para revisão de tema submetido à sistemática da repercussão geral”, disse Fux.
“Destaca-se a ausência de qualquer preponderância do ministro relator frente aos demais ministros que compõem essa corte, não havendo que se falar em hierarquia”, prosseguiu.
Fux foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, André Mendonça, Flávio Dino, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Nunes Marques.
Divergência
Edson Fachin divergiu, votando pelo acolhimento dos embargos. Para ele, o caso envolve, sim, questão constitucional, uma vez que a discussão questiona juridicamente o caráter discriminatório de impedir uma pessoa trans de usar o banheiro.
“Sendo assim, o juízo de valoração jurídica do acórdão do Tribunal a quo, que concluiu
que a retirada de uma mulher transexual do banheiro feminino não configuraria dano moral, pode ser objeto de discordância por parte desta Corte, mediante a revaloração jurídica do referido quadro fático”, disse Fachin.
Segundo o ministro, é claro o caráter constitucional da ação, uma vez que o que a Corte discute é “um caso de discriminação envolvendo uma pessoa cuja proteção se fundamenta em uma principiologia axiológica de matriz constitucional, voltada a salvaguarda da dignidade humana”.
“A proteção de grupos vulneráveis, como do caso dos autos, é por excelência uma das funções primordiais atribuídas ao Supremo Tribunal Federal, reforçando seu papel na defesa dos direitos fundamentais e na promoção da justiça social.”
Fachin foi seguido só pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.
‘Negacionismo absurdo’
O advogado Paulo roberto Iotti, que atuou no caso, criticou a decisão. Para ele, a maioria do Supremo “praticou um negacionismo absurdo”.
“O STF decidiu não decidir dizendo que a ação não tinha se baseado em fundamentos constitucionais desde o início e que a decisão de Santa Catarina não tinha falado de discriminação transfóbica, só que nada disso é verdadeiro. Provei no recurso agora negado que a ação se fundou desde o início na Constituição, que os embargos de declaração de segunda instância prequestionaram a matéria”, disse.
O Ministro Dino ironizou em junho dizendo que não poderiam querer que o Supremo usasse um ‘poder ditatorial’ para julgar um caso contrariando os requisitos da lei. Só que, com todo o respeito, em resposta por isonomia, o negacionismo que citei acima mostra que quem usou um ‘poder ditatorial’ de ignorar requisitos processuais básicos que foram atendidos no processo foi a maioria do Supremo, ao negar que o recurso atendeu requisitos que ele atendeu.”
O caso
Em Santa Catarina, uma pessoa transexual foi impedida pela segurança de usar o banheiro feminino de um shopping da capital, Florianópolis. Ela pediu indenização ao estabelecimento, pois acabou fazendo suas necessidades fisiológicas na própria roupa por não poder ir ao banheiro, e teve de voltar para casa de ônibus com as roupas sujas.
A Justiça de primeira instância já havia determinado que o shopping center pagasse indenização de R$ 15 mil à vítima, por dano moral. Contudo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina rejeitou a indenização, entendendo que não houve dano moral, mas “mero dissabor”.
O caso chegou ao Supremo e teve a repercussão geral conhecida, ficando vencidos, nesse aspecto, os ministros Marco Aurélio (hoje aposentado) e Teori Zavascki (morto em 2017). Na ocasião, Fux votou pela repercussão geral.
RE 845.779
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