Trabalho por meio de plataforma digital: para onde vamos e o que interessa?
13 de dezembro de 2024, 8h00
O trabalho prestado por meio de plataforma digital está longe dos parâmetros tradicionais de uma relação de emprego para que possa receber o enquadramento de trabalhador celetista e, de outro lado, está distante da absoluta autonomia na forma de prestar serviços. Deste modo, trata-se de prestação de serviços que permanece no limbo jurídico e sem definição clara quanto à lei aplicável.
O STF (Supremo Tribunal Federal), por convocação do ministro Edson Fachin, relator do recurso extraordinário, com repercussão geral, Tema 1.291, apresentado pela Uber contra decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho), realizou audiência pública nos dias 9 e 10 deste mês, a fim de que 58 expositores pudessem manifestar-se em torno do enquadramento jurídico possível.
Chamou a atenção a participação do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que destacou, em sua intervenção, com serenidade peculiar, a importância do diálogo para a melhor pacificação dos potenciais conflitos. Dados apresentados pelo ministro, desde 2014, a Justiça do Trabalho recebeu 21.275 processos em que se discute a natureza da relação jurídica do trabalho por meio de aplicativo entre os quais 6.857 foram julgados improcedentes, 2.242 parcialmente procedentes e somente 189 totalmente procedentes.
Observou suaeExcelência, o presidente do TST, que assistimos a um fenômeno decorrente da reestruturação das formas de trabalho na sociedade, afirmando que “o desafio é o debate sobre a relação jurídica numa divisão binária entre ser empregado ou prestador de serviços”. Aqui, talvez, esteja o grande dilema e a dificuldade: sair do padrão e encontrar uma forma de proteção social.
A audiência pública foi conduzida com muito equilíbrio e serenidade e todas as manifestações trouxeram, cada uma a seu modo e ponto de vista, suas impressões ou constatações sobre o debate, com clara divisão entre a análise do caso como trabalho, cuja competência é da Justiça do Trabalho, e prestação de serviços, com a competência deslocada para a Justiça Comum.
Foram manifestações de trabalhadores, sindicalistas, magistrados, economistas, sociólogos, advogados, professores e partes envolvidas diretamente no caso, na busca de melhor informar nos autos com suas experiências práticas estudadas e vividas sobre o caso. Foram trazidos dados estatísticos relevantes sobre o setor de atividade, número de trabalhadores que se utilizam do sistema, valores médios de ganhos e de horas dedicadas ao trabalho.
Ao final, parece que todos têm razão nos seus argumentos, mas de saída para o impasse pouco se viu, dado que as posições de cada expositor foram defendidas como inegociáveis, fechadas em seu universo de interesses.
Exterior
Não faltaram referências à legislação estrangeira, em especial à portuguesa e espanhola.
Sobre o Código de Trabalho português, a guisa de ilustração, o artigo 12-A trouxe a presunção de contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital quando presentes algumas características: retribuição fixada pela plataforma, exercício do poder de direção pela plataforma, com regras específicas de conduta ao motorista, controle de tempo de trabalho e qualidade da atividade por meios eletrônicos ou gestão algorítmica, restrição da autonomia do prestador quanto à organização do trabalho e, especialmente, períodos de ausência, autonomia em aceitar ou recusar tarefas, escolha de horário, exercício do poder disciplinar da plataforma expressos na exclusão de atividades ou desativação da conta, utilização de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à plataforma ou utilizados por meio de contrato de locação.
Na Espanha, foi a Glovo que abandonou o modelo que adotava de falso autônomo, motivada por diversos conflitos trabalhistas e multas administrativas, e anunciou neste mês de dezembro que passará a adotar regime de trabalho geral para seus entregadores.
A União Europeia, em 24 de abril de 2024, aprovou a Diretiva 2024/2831, publicada em 23 de outubro de 2024, relativa à melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais. A diretiva está baseada na promoção do bem-estar “de todos trabalhadores e no direito a condições de trabalho justas e equitativas que respeitem a sua saúde, segurança e dignidade”.
Afirma, ainda, que “independentemente do tipo e da duração da relação de trabalho os trabalhadores têm direito a um tratamento justo e equitativo em matéria de condições de trabalho, acesso à proteção social e formação; que deve ser garantida a flexibilidade necessária para permitir que os empregadores se adaptem rapidamente às evoluções do contexto econômico, em conformidade com a legislação e com os acordos coletivos; que devem ser promovidas formas inovadoras de trabalho que garantam condições de trabalho de qualidade; que devem ser incentivados o empreendedorismo e o trabalho por conta própria; que a modalidade profissional deve ser facilitada; e que as relações de trabalho que conduzam a condições de trabalho precárias devem ser evitadas, nomeadamente através da proibição da utilização abusiva de contratos atípicos.”
O Pilar Europeu de Direitos Sociais em que se baseia a diretiva também estabelece o direito dos trabalhadores à informação sobre seus direitos e obrigações, bem como prevê o reconhecimento do direito de conhecer os fundamentos da despedida e o direito defesa.
Sobre o trabalho por meio de plataformas digitais,, remete ao elevado grau de heterogeneidade dos tipos de plataformas e do campo de atuação.
A diretiva reforça, no artigo 5º, a tese presunção de relação de trabalho em oposição ao trabalho autônomo desde que estejam presentes fatos que indiquem o exercício de poder de direção, de acordo com o direito nacional, observada a jurisprudência europeia. Além disso, a diretiva propõe que o ônus da prova de trabalho autônomo é da plataforma e, ainda, estabelece uma proteção especial ao trabalhador vedando a dispensa por meio de algoritmo ou qualquer outro sistema automatizado. A presunção de relação de emprego, por segurança jurídica, produzirá efeitos a partir de 2 de dezembro de 2026.
Como se constata na evolução do tratamento dado ao trabalho por meio de plataformas digitais pela União Europeia, embora se busque a tendência à condição de empregado, ainda permanece a possibilidade de relação de trabalho independente ou autônoma sob responsabilidade de a plataforma efetuar a prova, caso demandada em juízo. Não se trata, portanto, de presunção iure et de iure mas sim juris tantum.
Entre nós, o caminho para onde vamos poderá ser apresentado pelo STF e o enfrentamento está nas palavras do ministro Aloysio Corrêa da Veiga: “o desafio é o debate sobre a relação jurídica numa divisão binária entre ser empregado ou prestador de serviços” e o encontro de uma solução intermediária com base na proteção social, respeitando a heterogeneidade dos modelos.
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