Opinião

Reforma do Código Civil, regime de bens dos cônjuges e sociedades empresárias

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13 de dezembro de 2024, 6h31

O regime de bens no casamento é um tema relevante no Direito Empresarial brasileiro, especialmente quando se considera a constituição de sociedades entre cônjuges e o caráter intuitu persone que constitui os vínculos societários no país [1], uma vez que para se tornar sócio de alguém é necessário um conhecimento prévio da “índole” do sócio, prevalecendo a sociedade de pessoas ao modelo de sociedade de capital.

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Observar a dinâmica socioeconômica do Brasil atual é importante, levando em conta dados da Pesquisa Estatística do Registro Civil (2022), considerando que o tempo médio de casamento também vem caindo. Em 2010 o casamento tinha duração de cerca de 16 anos. Em 2022, o número caiu para 13,8 anos [2].

Desse modo, pensar sobre o regime de bens e seus efeitos sobre as sociedades empresárias é de extrema validade. O artigo pretende abordar os principais aspectos legais e os riscos associados a essa questão, citando dispositivos do Código Civil, as possíveis mudanças promovidas pela reforma [3] e entendimentos jurisprudenciais pertinentes.

Implicações do regime de bens

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 977, estabelece que “faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória“. Essa disposição legal é fundamental para entender as limitações que o regime de bens impõe à formação de sociedades empresariais.

Importante compreender, de forma geral, que o regime de bens consiste em um conjunto de regras que organiza as questões patrimoniais do casamento, funcionando como uma estrutura para prevenir e lidar com possíveis conflitos, como em casos de separação ou falecimento. Assim, o regime de bens regula as relações econômicas e financeiras entre os cônjuges.

O Código Civil em vigor prevê expressamente quatro tipos de regimes de bens que podem regular a vida em comum após o casamento, sendo eles: o da Comunhão Parcial de Bens (1.658 e seguintes, CC), trata-se do regime legal praticado no Brasil quando não há pacto antenupcial, nesse regime é partilhado o patrimônio adquirido durante o casamento (salvo exceções: bens herdados, doações); o da Comunhão Universal de Bens (1.667 e seguintes, CC), em que todo patrimônio adquirido antes ou durante o casamento se comunica, sendo necessária a inclusão de pacto antenupcial; o da Separação Total de Bens, regime através do qual não há comunicação de bens, sendo que cada cônjuge mantém o patrimônio próprio, sem comunicação. Tal regime pode ser convencional (escolha do casal) ou obrigatória (1.641 II, CC) em casos como casamento de maiores de 70 anos ou outros previstos no CC.

Há ainda outro regime, não tão usual, o da Participação Final nos Aquestos (artigo 1672, CC), trata-se de regime híbrido, com separação de bens durante o casamento e comunhão do patrimônio adquirido na constância da união, em caso de dissolução. Pouco usado, mas interessante para casais com planejamento patrimonial específico.

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É fundamental entender que, na ausência de uma escolha específica, os casais estarão, em regra, submetidos ao regime de comunhão parcial de bens, salvo nos casos em que se aplica o regime de separação obrigatória de bens. Isso implica que todos os bens adquiridos de forma onerosa ao longo do casamento serão considerados patrimônio comum do casal, independentemente de qual dos cônjuges realizou a aquisição.

Relações empresariais frente aos regimes de bens e seus riscos

Com relação às atividades empresariais, os cônjuges casados sob o regime da comunhão universal ou separação obrigatória enfrentam restrições significativas na constituição de sociedades empresariais, o que pode gerar conflitos patrimoniais e jurídicos. Vale mencionar o artigo 977:

“Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.”

Com base no artigo, notamos a possibilidade de sociedade apenas nos regimes de comunhão parcial ou separação total de bens, isso porque, no caso da comunhão universal de bens tal proibição se aplica a fim de evitar que eventuais dívidas empresariais gerem confusão patrimonial e prejudiquem o patrimônio comum, afetando ambos os cônjuges.

Como uma alternativa aos casais, aos que desejam constituir uma sociedade empresarial e estão impedidos por conta do regime de bens escolhido, existem alternativas. Uma delas é alterar o regime matrimonial através de autorização judicial, desde que haja justificativa plausível e proteção aos direitos de terceiros. Há ainda, dependendo do cenário, a possibilidade de optar pela constituição de uma sociedade anônima de capital fechada (S/A), fundamentada na Lei 6.404/1976, tipo societário que não possui as mesmas restrições impostas às sociedades limitadas (LTDA), fundamentada no Código Civil.

Observado isso, conclui-se que as implicações do regime de bens nas relações empresariais são diversas, sendo um dos principais a confusão patrimonial, que pode ocorrer quando os bens pessoais dos sócios se misturam com o patrimônio da empresa. Isso se torna preocupante em casos de falência ou no formato de contrair dívidas em nome da sociedade empresária, em caso de inadimplência, os credores podem tentar acessar o patrimônio pessoal dos sócios, sendo necessário verificar a outorga uxória em caso de fiança [4].

Além disso, a partilha de bens em caso de divórcio pode complicar ainda mais a situação. No regime da comunhão parcial, por exemplo, os lucros gerados pela empresa são considerados patrimônio comum, mas as cotas sociais não se comunicam automaticamente [5]. Isso pode levar a disputas judiciais sobre o valor das cotas e a participação do cônjuge não sócio na empresa.

Reforma

Um dos principais enfrentamentos do universo jurídico é a reforma do Código Civil, cujo projeto de lei avança no com acréscimos importantes de novas hipóteses que impõem o compartilhamento de bens.

O artigo 1.666-A pretende imputar responsabilidade aos que tomaram atos isolados. Nesse sentido: “O ato de administração ou de disposição praticado por um só dos cônjuges ou conviventes em fraude ao patrimônio comum implicará sua responsabilização pelo valor atualizado do prejuízo”.

Há de se observar ainda modificações no que se refere aos direitos patrimoniais sobre as quotas ou ações societárias adquiridas na constância do casamento ou da união estável. Nesse sentido, vale tomar nota em projetos de planejamento patrimonial e sucessório do inciso IX, do artigo 1.660 do anteprojeto. O inciso consolida que “IX – a valorização das quotas sociais ou ações societárias decorrentes dos lucros reinvestidos na sociedade na vigência do casamento ou união estável do sócio, ainda que a sua constituição seja anterior à convivência do casal, até a data da separação de fato.

Diante desse cenário, nunca foi tão importante alinhar expectativas nos relacionamentos conjugais, bem como consultar profissionais especializados na interface do Direito das Famílias e do Direito Societário para refletir sobre as escolhas de regime a serem tomadas, a depender do aspecto circunstancial de cada casal.

A escolha do regime de bens no casamento deve ser feita com cautela, observando suas implicações nas relações empresariais, sendo essencial que os casais discutam abertamente essas questões antes do matrimônio para evitar complicações futuras. A legislação atual e sua eventual reforma apresentam desafios significativos para cônjuges que desejam ser sócios, mas também abre espaço para discussões sobre reformas necessárias para adaptar as normas às realidades econômicas contemporâneas.

 


[1] A Sociedade Empresária Limitada, tipo empresarial que possui maior volume de solicitações de abertura de empresas em Juntas Comerciais, com 84,3% do total. Segundo o Mapa de Empresas do 1º Quadrimestre de 2024, publicado em 17 de maio de 2024, no site www.gov.br/mapadeempresas

[2] Pesquisa Estatísticas do Registro Civil – 2022. Diretoria de Pesquisas (DPE). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/1206b8fe9079fe1b32e54035d1f81dc0.pdf Acesso em 03 de dezembro de 2024.

[3] BRASIL. Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2024. Disponível em https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-comissao-de-juristas-2023_2024.pdf Acesso em 03 de dezembro de 2024.

[4] Vale observar o REsp 1.525.638, em que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, decidiu que é necessária a autorização do cônjuge para ser fiador, sob pena de invalidade da garantia. Segundo o colegiado, o fato de o fiador prestar a fiança na condição de comerciante ou empresário é irrelevante, pois deve prevalecer a proteção à segurança econômica familiar.

[5] Código Civil Brasileiro. Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

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