A isenção de IRRF de investidores não residentes em Fundos de Investimento em Participações
11 de dezembro de 2024, 12h02
Nesta semana, versaremos sobre os precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) acerca da isenção de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) aplicável aos investidores de Fundos de Investimento em Participações que se enquadrem como não residentes.
Considerações gerais sobre o tema
Nos termos do artigo 4º da Resolução CVM nº 175/22, “o fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos, de acordo com a regra específica aplicável à categoria do fundo”.
Assim, embora não possuam personalidade jurídica, eles se configuram como centros de imputação de direitos e obrigações.
Com relação especificamente aos fundos de investimento em participações (FIPs), o artigo 5º da Resolução CVM nº 175/22 estabelece que as classes de cotas deverão ser constituídas em regime fechado, sendo destinadas à aquisição dos seguintes ativos: (1) ações, bônus de subscrição, debêntures simples, notas comerciais e outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas; (2) títulos, contratos e valores mobiliários representativos de crédito ou participação em sociedades limitadas; (3) cotas de outros FIP; e (4) cotas de Fundos de Ações – Mercado de Acesso.
Nessa linha, os FIPs são fundos fechados, de modo que as suas cotas são resgatadas apenas ao término de sua duração ou quando há deliberação e aprovação de sua liquidação.
Outras características que merecem destaquem: (1) como regra geral, o FIP deve participar do processo decisório de suas sociedades investidas, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, e (2) somente podem investir no FIP investidores qualificados.
No que tange à composição da carteira do FIP, o artigo 11 da Resolução CVM nº 175/22 prevê que os investimentos nos ativos supramencionados previstos no artigo 5º da Resolução CVM n. 175/22 deverão representar, no mínimo, 90% de seu patrimônio líquido. Ainda no tocante à carteira, cada classe de cotas do FIP deve configurar um dentre os seguintes tipos: (1) capital semente; (2) empresas emergentes; (3) infraestrutura; (4) produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação; ou (5) multiestratégia.
No âmbito da tributação do FIP, o artigo 2º da Lei nº 11.312/06 determina que os rendimentos auferidos tanto no resgate de cotas quanto em sua liquidação ficam sujeitos ao IRRF à alíquota de 15% sobre a diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição das cotas. A alíquota de 15% também é aplicável no caso de alienação de cotas do FIP sobre os ganhos auferidos por pessoas físicas ou jurídicas.
Especificamente na seara do investidor não residente de FIP, o artigo 3º da Lei nº 11.312/06 reduziu a zero a alíquota do IRRF sobre os rendimentos auferidos nas aplicações em FIPs quando pagos, creditados, entregues ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior.
Todavia, a redação original da referida lei trazia alguns requisitos para a aplicação da alíquota zero, dentre os quais a não concessão de tal alíquota ao cotista titular de cotas que, isoladamente ou em conjunto com pessoas a ele ligadas, represente 40% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelos FIPs ou cujas cotas, isoladamente ou em conjunto com pessoas a ele ligadas, lhe derem direito ao recebimento de rendimento superior a 40% do total de rendimentos auferidos pelos fundos.
O conceito de pessoa ligada ao cotista estava previsto no §2º do artigo 3º da Lei nº 11.312/06 e abrangia tanto pessoa física que fosse: (1) seus parentes até o 2º grau; (2) empresa sob seu controle ou de qualquer de seus parentes até o 2º grau; e (3) sócios ou dirigentes de empresa sob seu controle; quanto pessoa jurídica que fosse sua controladora, controlada ou coligada.
Tais requisitos foram recentemente revogados pela Lei nº 14.711/23, que alterou o artigo 3º da Lei nº 11.312/06, no entanto, há diversas autuações que embasaram na norma jurídica anterior.
Precedentes do Carf
Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf que tratam do assunto.
No Acórdão 1201-006.255 [1] (de 21/2/2024), a turma negou provimento ao recurso de ofício de forma unânime.
As autoridades fiscais lavraram o auto de infração exigindo IRRF à alíquota de 15%, pois entenderam que houve o descumprimento do “teste dos 40%”, previsto no artigo 3º da Lei nº 11.312/06.
O descumprimento decorreria do fato de que, no caso concreto, o poder de controle titularizado pelos FIP seria exercido pelos administradores e gestores respectivos, pois, ainda que os cotistas detivessem o direito de propriedade sobre as cotas, as decisões sobre a política financeira ou operacional ficavam a cargo dos administradores. Vale ressaltar que os investidores não residentes que são os cotistas dos FIPs brasileiros compartilhavam o mesmo administrador, o que indicaria a existência de controle comum.
Em suas contrarrazões, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) repisa os fundamentos do termo de verificação fiscal, no sentido que a definição de pessoa ligada abrange a existência de influência significativa, ainda que não haja direitos de sócio decorrentes de participação societária.
Ademais, a PGFN veicula jurisprudência da Justiça do Trabalho e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) acerca da possibilidade de administradores (que obrigatoriamente são pessoas jurídicas) e os gestores (quando pessoas jurídicas) de fundos de investimento integrarem o grupo econômico do fundo de investimento ao qual se relacionam, tendo em vista que, por decorrência lógica, o dirigem e administram.
No voto, o conselheiro relator reitera as conclusões alcançadas pela DRJ no sentido de que não é possível caracterizar a situação em comento como uma das exceções previstas no artigo 3º, §2º, da Lei nº 11.31/06. Além disso, não haveria como caracterizar a autuada e os FIPs por ela geridos como entidades sob controle comum, uma vez que inexiste relação societária entre elas, sendo que o conceito de controle previsto na Lei nº 6.404/76 pressupõe a existência de participação societária.
Desse modo, o relator pontuou que quer se adote a definição de controle ou a de influência significativa, ambas incluídas no artigo 243 da Lei nº 6.404/76, em nenhum caso se pode entender que o mero gestor do patrimônio do fundo, terceiro contratualmente vinculado seja definido como parte relacionada. Constou no voto que diferentemente do quanto defendido pela PGFN em suas razões, o referido dispositivo da lei societária pressupõe que exista efetiva participação societária entre as empresas.
Nos Acórdãos 1301-006.963 e 1301-006.964 [2] (de 13/6/2024), a turma deu provimento ao Recurso Voluntário, por unanimidade.
A controvérsia a ser dirimida nos referidos acórdãos dizia respeito se os investidores não residentes deveriam ou não usufruir da alíquota zero prevista no artigo 3º da Lei nº 11.312/06.
As autoridades fiscais entenderam pela não aplicação da alíquota zero visto que: (1) os investidores não residentes estariam sob controle comum e representariam grupos econômicos, de forma que em conjunto tais investidores e suas pessoas ligadas possuiriam 40% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelos fundos, o que também lhes daria o direito ao recebimento de rendimento superior a 40% do total de rendimentos auferidos pelos fundos; e (2) os reais investidores do FIP seriam entidades domiciliadas nas Ilhas Cayman, que teriam promovido uma interposição fraudulenta, com o objetivo de obterem economia tributária indevida.
O conselheiro relator assinalou que todos os cotistas não residentes, titulares de cotas, são pessoas jurídicas, de modo que a adoção de gestor comum como elemento indicativo de controle comum ou mesmo a caracterização de grupo econômico não estariam abrangidas nos conceitos de controle ou de influência significativa.
Com elação à restrição prevista no artigo 3º, §1º, III, da Lei nº 11.312/06, que estabelece o afastamento da alíquota zero ao cotista residente ou domiciliado em país que não tributa a renda ou que a tributa à alíquota máxima inferior a 20%, o conselheiro relator asseverou que a vedação ao domicílio em “paraíso fiscal” somente se aplica a cotista de primeiro nível societário, não se aplicando às demais pessoas da estrutura societária.
Nessa linha, há menção expressa do Ato Declaratório Interpretativo nº 5/19, que determina que: “a origem do investimento, para fins de aplicação do regime especial de tributação previsto nos artigos 88 a 98 da Instrução Normativa nº 1.585, de 31 de agosto de 2015, será determinada com base na jurisdição do investidor direto no país, exceto nos casos de dolo, fraude ou simulação”.
Considerando que não havia investidor direto não residente nos FIPs domiciliado em país com tributação favorecida e tampouco houve caracterização de dolo, fraude ou simulação, o relator entendeu que não houve descumprimento desta regra que garante a alíquota zero do IRRF.
No Acórdão 1101-001.355 [3] (de 17/7/2024), a turma decidiu, de forma unânime, por negar provimento ao Recurso de Ofício.
As autoridades fiscais afastaram a alíquota zero do IRRF, pois entenderam que: (1) não houve o chamado cumprimento da condição de pulverização das cotas (teste dos 40%), dado que os cotistas seriam pessoas jurídicas pertencentes ao mesmo grupo econômico e sob a mesma direção; e (2) houve descumprimento da condição de domicílio, já que havia dentre os beneficiários indiretos dos cotistas pessoas domiciliadas países com tributação favorecida ou até mesmo no Brasil.
O conselheiro relator entendeu que inexiste relação de controle ou coligação entre os cotistas, pois não restou configurada sua ligação nos termos definidos na Lei nº 11.312/06.
Como decorrência de tal entendimento, a participação de cada cotista nos FIPs deveria ser analisada isoladamente no que se refere ao teste dos 40%. Sendo assim, o conselheiro relator constatou que no caso concreto nenhum dos beneficiários constantes da autuação de infração concentrava mais de 40% das cotas dos FIP auditados.
No que tange à regra do domicílio, o conselheiro relator cita o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5/2017, que dispõe que a origem do investimento leva em consideração tão somente a jurisdição do investidor direto no país, de forma que o fato do investidor indireto estar localizado em país com tributação favorecida ou no Brasil não faz com que haja o descumprimento das condições previstas no artigo 3º da Lei nº 11.312/06 e que garantem a alíquota zero do IRRF sobre os investimentos em FIPs de não residentes.
Conclusão
Diante de todo o exposto, os precedentes do Carf têm sido no sentido de que não há descumprimento do teste dos 40% quando há coincidência de administradores e gestores dos investidores não residentes, visto que tal teste pressupõe a existência de participação societária em que haja controle ou influência significativa. No tocante ao teste de domicílio, os precedentes do Carf têm sido na linha de que a caracterização de investidor não residente domiciliado fora de país de tributação favorecida somente alcança a relação societária do investidor direto no Brasil.
Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
[1] Conselheiro julgador Alexandre Evaristo Pinto.
[2] Conselheiro relator José Eduardo Dornelas Souza.
[3] Conselheiro relator Efigênio de Freitas Júnior.
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