ônus da prova

Tese do STJ sobre tráfico armado evita presunção de crimes autônomos

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4 de dezembro de 2024, 8h51

Ao estabelecer que o crime de posse de arma de fogo é absorvido pelo de tráfico de drogas se o uso do armamento tiver como objetivo garantir o sucesso da traficância, o Superior Tribunal de Justiça evita a presunção de que crimes autônomos estejam ocorrendo.

Porte ilegal de arma por traficante só será crime autônomo se MP comprovar propósito separado do tráfico de drogas

Essa posição é importante para evitar a excessiva penalização dos traficantes armados, mas não impede nem dificulta que eles sejam punidos pelos dois crimes: basta que o Ministério Público comprove que o réu tinha o propósito autônomo de portar uma arma de fogo.

A preocupação permeou o julgamento do tema pela 3ª Seção do STJ, que fixou tese sob o rito dos recursos repetitivos. Na prática, a conclusão apenas ratificou a jurisprudência que já estava pacificada sobre o tema.

Se a arma de fogo é apreendida no contexto do tráfico, ela não gera o crime autônomo do Estatuto do Desarmamento. Incidirá apenas a majorante da pena prevista no artigo 40, inciso IV, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

A votação foi unânime, conforme posição do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Ao acompanhá-lo, o ministro Rogerio Schietti destacou que a ocorrência de ambos os crimes em concurso material vai depender da capacidade probatória do Ministério Público.

Isso porque o crime de posse ilegal de arma é cometido, por exemplo, por alguém que mantém esse armamento em casa. Então, ele só será absorvido pelo tráfico de drogas quando o MP não conseguir demonstrar que a arma era usada antes do momento da traficância.

Para o ministro Schietti, em boa parte dos casos será provável que existam duas condutas a serem punidas separadamente. Só não será possível presumir uma delas. Em sua opinião, o MP tem condições de provar que a pessoa tinha o propósito de ter a arma.

“O STJ não está simplesmente contestando uma benevolência para quem trafica armado, porque a lei diz que essa conduta é mais gravosa. É importante que sinalizemos que aquele que está armado deve ser punido por tal conduta, ainda que eventualmente utilize a arma para o tráfico. Aí serão duas condutas a serem punidas separadamente.”

Presunção indevida

Sem essa prova, o juiz não deve presumir que a arma é autonomamente utilizada. Isso evita a ocorrência do concurso formal de crimes, com a soma da pena de ambos no momento da dosimetria.

Outro risco na discussão da tese foi apontado por membros das Defensorias Públicas que participaram do julgamento. Ele diz respeito à possibilidade de o tribunal considerar a absorção do crime de posse só nos casos em que a arma é usada em aberto pelo traficante.

Para Rafael Raphaelli, da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, isso faria com que somente traficantes com fuzis ostensivamente apresentados, ligados a facções criminosas, tivessem o benefício da absorção de um crime pelo outro.

Traficantes menos estruturados ou mais discretos responderiam pelas duas condutas, “mesmo todo mundo sabendo ser plausível que quem se envolve no tráfico de drogas possa ter uma arma para defesa da mercancia ilícita”, segundo o defensor.

Adriana Patrícia Campos Pereira, da Defensoria Pública de Minas Gerais, que sustentou oralmente como amicus curiae (amiga da corte) em nome do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas (Gaets), seguiu linha parecida. Ela apontou que o indivíduo que porta a arma e a tem em depósito, mas sem exibi-la durante o tráfico, teria uma pena maior do que aquele que efetivamente a apresenta a usuários, adversários, rivais etc., o que criaria uma situação paradoxal.

“A situação que acontece na maioria das vezes nesses casos de tráfico de drogas é estarem ausentes quaisquer indícios da prática autônoma de outros crimes. Aplicar o concurso material é o mesmo que admitir a presunção de que o indivíduo está cometendo outros crimes (com a arma).”

REsp 1.994.424
REsp 2.000.953

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