Opinião

Os limites da advocacia na imprensa

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4 de dezembro de 2024, 13h15

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Tem causado certo frenesi na advocacia uma recente conclusão do TED (Tribunal de Ética e Disciplina) da OAB de São Paulo a respeito da frequência com que advogados podem conceder entrevistas à imprensa.

Alguns veículos chegaram a noticiar a ementa assinada em 17 de outubro como se os advogados, agora, estivessem proibidos de ser fontes dos jornalistas. Diz a decisão:

“É vedado ao advogado responder com habitualidade consultas sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social, ainda que o faça como membro de Comissão da OAB. A presença habitual de advogados em programas de rádio, representará aos demais advogados que não tiveram a mesma oportunidade despropositada promoção pessoal, desaguando na concorrência desleal, captação indevida de causas e clientes, maculando os preceitos éticos e estatutários vigentes.”

O debate, porém, não é novo, seja em São Paulo ou em outras seccionais. Tampouco há mudança de regras.

Apesar de o Código de Ética e Disciplina da Ordem ter renovado seus parâmetros há quase dez anos, principalmente nos artigos 32 e 33, o novo marco zero da discussão é o Provimento 205/2021, do Conselho Federal, que regulamenta a publicidade na advocacia e libera práticas comuns na mídia. Mesmo assim, julgamentos sobre exposições tidas como exageradas na imprensa continuam frequentes.

O que esses julgados têm em comum é a expectativa de que o advogado adote um princípio: o bom senso. Não existe qualquer regra, seja literal, seja interpretativa, que permita assegurar quantas entrevistas ou citações são toleradas ou a partir de quantas há uma infração.

Origem da celeuma

Foi o caso da ementa que tem assustado os profissionais nos últimos dias. No relatório que deu origem ao entendimento — clique aqui para ler —, o advogado Cláudio Bini, relator do processo, deixa claro que “o problema não está necessariamente na repetição frequente de entrevistas pelo mesmo profissional, mas, sim, na obediência aos preceitos éticos pertinentes”.

Spacca

Ele lista alguns desses preceitos, todos eles subjetivos: “o sigilo profissional, a publicidade, a mercantilização da profissão, a captação indevida de clientela, os objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional”, e conclui: “se o advogado for de perspicácia tal que consiga em seus pronunciamentos evitar a infração de qualquer dos preceitos éticos mencionados, não haverá problema”.

O pronunciamento é uma resposta formal a uma consulta feita por um advogado ao TED-SP sobre a frequência com que um membro de uma comissão da própria OAB pode falar sobre um tema. Ele perguntou:

Haveria alguma infração ética caso o mesmo advogado seja designado repetidamente para representar a Comissão nessas entrevistas, respondendo às dúvidas dos munícipes? É permitido ao advogado, na qualidade de membro da Comissão, responder às perguntas da população durante a entrevista, sem que isso configure captação de clientela?”

Detalhes ajudam a entender o contexto: o caso tem origem em uma cidade menor do estado, onde a rádio local tem audiência e influência mais relevantes do que um veículo de imprensa, sozinho, teria na capital — e essa diferenciação é fundamental. Os nomes não são conhecidos, mas sabe-se que a questão foi levantada durante a última campanha pela presidência das seccionais da OAB, concluída no último dia 21 de novembro. Ou seja, é possível inferir que há motivação política para a consulta, cujo autor pode ter interesses diferentes dos da chapa candidata à reeleição na subseccional.

O relatório do caso, aprovado pela 1ª Turma de Ética Profissional, lista pelo menos seis precedentes para sua conclusão, quatro deles posteriores ao Provimento 205/2021: os dos processos E-5.719/2022, E-5.928/2022, E-6.096/2023 e E-6.081/2023.

Cada um deles é permeado de particularidades e situações específicas, mas alguns trechos merecem citação, em especial os da própria 1ª Turma:

“A participação do advogado deve sempre se dar de forma ilustrativa, educativa e instrutiva, sem que possa configurar a captação indevida de clientela e/ou a mercantilização da advocacia”, diz um deles. “Possibilidade na forma eventual com objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, diz outro. “Pode o advogado dar entrevista e palestra sobre temas jurídicos, vedado tratar de processos ou clientes específicos, mesmo aqueles que estavam sob seu patrocínio (…) Deve o advogado cumprir atentamente os artigos do CED relativo à publicidade, jamais permitindo que a publicidade esbarre na mercantilização da profissão ou captação indevida de clientes”, diz outro ainda.

Ou seja, mesmo que no caso concreto a decisão da turma tenha sido de censurar a prática, é cristalina a possibilidade de se conceder entrevistas à imprensa. Não fosse assim, a própria Ordem dos Advogados do Brasil não teria estrutura e times dedicados exclusivamente à relação de seus diretores e membros de comissões com os jornalistas, inclusive por meio de agências renomadas contratadas.

É o que também entendeu a Justiça. Em 2020, a 5ª Vara Federal de Pernambuco anulou um processo administrativo da OAB-PE contra Rômulo Saraiva, censurado administrativamente por dar mais de uma entrevista por mês — à época, havia uma regra local que estabelecera limites objetivos de aparição na mídia.

A juíza Nilcéa Maria Barbosa Maggi assegurou ao advogado o direito de conceder quantas entrevistas quisesse, desde que seguissem as prescrições legais. Um recurso da OAB-PE seria julgado no início de 2024 pelo TRF-5, mas a seccional desistiu depois de um acordo com o advogado, liberando-o para dar entrevistas “sem especificação de quantitativo”, desde que tivessem caráter informativo.

É verdade que existem diversas decisões judiciais a respeito, umas mantendo as punições, outras anulando-as. Mas haver um debate judicial prova que mensurar a quantidade de entrevistas não é consenso. O que é consensual é a necessidade de uma avaliação subjetiva, caso a caso.

A relação entre advogados e jornalistas é uma prática tão saudável à advocacia quanto necessária à sociedade. O crescente protagonismo do Judiciário e a repercussão de disputas empresariais ou entre cidadãos e o Estado demandam explicações técnicas que não estão ao alcance da opinião pública. E situações técnicas mal explicadas podem ser o embrião de conclusões erradas e reações indevidas, a exemplo dos resultados de fake news sobre urnas eletrônicas ou vacinas, entre tantas outras nos últimos anos.

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