Opinião

Dos reajustes de planos de saúde: entre o direito social e a livre iniciativa

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4 de dezembro de 2024, 19h35

Todos os anos é a mesma batalha. Cidadãos precisam reagir e recorrer aos órgãos de defesa dos seus direitos ou ao Judiciário diante do aumento abusivo dos planos de saúde. Em 2024, o índice dos reajustes dos planos individuais determinado pela Agência Nacional de Saúde (ANS) foi de 6,91%. Já os planos coletivos por adesão chegaram a 13,8% em 2024. A diferença salta aos olhos e muitos usuários se veem sem saída, já que há operadoras que não estão mais oferecendo o plano individual, justamente por terem reajuste anual menor comparado a um plano coletivo.

A vulnerabilidade dos clientes faz com que o tema se torne ainda mais delicado. Alguns estão em meio a um tratamento, outros sofrem de doenças crônicas, sem contar os que têm doenças raras e geralmente precisam enfrentar batalhas ainda maiores para terem cobertura dos seus tratamentos.

Por se tratar de um direito social, a saúde jamais deve ser gerida com o lucro como prioridade máxima. É certo que as empresas e os prestadores de serviços precisam ter seu retorno financeiro; por outro lado, não é razoável que o consumidor seja sobrecarregado de uma maneira que não está pactuada e que não é conduzida com clareza.

Um dos subterfúgios dos planos de saúde é utilizar como base para o reajuste o índice de sinistralidade, que leva em conta os custos que tiveram com os tratamentos ao longo do ano anterior. Contudo, não há clareza nesse índice e muitos usuários têm recorrido à Justiça para garantir que sejam respeitados os percentuais indicados pela ANS.

É importante destacar que, segundo tese do Superior Tribunal de Justiça, o reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (1) haja previsão contratual, (2) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (3) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.

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Equilíbrio ou judicialização

Desde o marco da Constituição Cidadã, de 1988, os clientes dos planos, bem como seus defensores, têm recorrido cada vez mais ao Judiciário a fim de solicitar a garantia de seus direitos.

Assim, nesses quase 35 anos, a sociedade assiste ao crescente número de ações judiciais visando à garantia do direito à saúde preconizado entre os direitos sociais no artigo 6º do texto constitucional. É quase como uma batalha incorporada à operação desses serviços.

O ideal é não deixar que a situação chegue ao ponto em que seja necessário recorrer à Justiça. Assim como é melhor aderir ao plano quando a saúde vai bem, também é melhor observar as cláusulas antes da assinatura do contrato ou dos reajustes e quando não há demandas de urgência. Bem informado sobre o que está pactuado em contrato e com os registros de todos os protocolos referentes a reajustes e alterações no contrato, o consumidor disporá de mais parâmetros para avaliar se os aumentos estão dentro da razoabilidade.

Em um sistema democrático, a livre iniciativa é um princípio fundamental que garante o direito das empresas de buscar seus lucros e operar de acordo com as necessidades do mercado.

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No entanto, a atividade econômica não pode se sobrepor aos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente quando se trata de um direito social como a saúde. O equilíbrio entre a liberdade econômica e a proteção ao direito é essencial para que o sistema de saúde suplementar funcione de forma justa e equilibrada.

As operadoras de planos devem ser responsáveis em suas práticas, sem explorar indevidamente o consumidor, garantindo que a saúde de todos, em especial dos mais vulneráveis, não seja prejudicada por políticas de reajustes abusivos ou discriminatórios.

Portanto, é necessário que as normas de regulação e os contratos respeitem a dignidade humana, promovendo um ambiente em que a saúde, enquanto direito fundamental, prevaleça sobre os interesses meramente financeiros. Caso isso não ocorra, não há outro caminho senão judicialização.

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