Lei que cria cadastro de criminosos sexuais é inconstitucional e ineficaz, dizem especialistas
3 de dezembro de 2024, 8h49
Foi sancionada na última quinta-feira (28/11) a Lei 15.035/24, que determina a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. O objetivo é montar um banco de informações aberto à consulta pública com dados de pessoas condenadas pelos crimes de estupro, estupro de vulnerável, registro não autorizado de relação sexual, favorecimento da prostituição e cafetinagem.
O sistema vai permitir que o público tenha acesso ao nome completo e ao número de Cadastro de Pessoa Física (CPF) do condenado em primeira instância. Caso o réu seja absolvido em instâncias recursais, suas informações não ficarão mais disponíveis para consulta pública.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o trecho da lei que determinava que as informações no cadastro ficassem disponíveis para consulta pública pelo prazo de dez anos após o cumprimento integral da pena. O mandatário alegou que a medida é inconstitucional por violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do condenado.
A maioria dos especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico acredita que a lei é inconstitucional e que, além disso, não deve ajudar no combate efetivo a crimes sexuais. O jurista Lenio Streck é direto em sua avaliação sobre o novo regramento: “Matéria inconstitucional, a presunção de inocência é sagrada, direito fundamental. Observo que o presidente Lula foi uma das principais vítimas da aniquilação desse princípio. O Congresso jogou uma bola triangular ou espinhosa para o presidente. Deveria vetar. Mas pegaria mal politicamente. Como o projeto da saidinha. O Congresso faz ensaios e coloca o presidente nas cordas. Isso vai ser de novo resolvido no STF.”
Streck também acredita na pouca efetividade da lei: “Não existe qualquer elemento que diga que a nova lei vai diminuir a prática desse tipo de crime. Por que não criar um cadastro nacional de assaltantes? Ou um de golpistas do INSS?”.
O advogado Welington Arruda é outro que questiona a eficácia da lei. “A medida pode comprometer a ressocialização dos condenados, especialmente considerando que os dados serão de acesso público. A exposição permanente ou prolongada pode intensificar a marginalização desses indivíduos, dificultando sua reintegração social e, paradoxalmente, aumentando os riscos de reincidência.”
O paralelo mais óbvio com a Lei 15.035/24 é a Lei de Megan, aprovada nos Estados Unidos em razão do estupro e assassinato de uma menina de sete anos, Megan Kanka, por um homem chamado Jesse Timmendequas, que já havia sido preso por tentar estuprar duas crianças.
A norma determina que os estados americanos tenham um registro e um sistema de notificação sobre os criminosos sexuais. Cada estado é responsável por adotar um modelo de aplicação da lei e operação dos bancos de dados. A análise dos efeitos da lei, feita pela Universidade de Rutgers e pelo Departamento de Penas do estado de New Jersey, entretanto, aponta que ela falhou na redução de casos de crimes sexuais. Por isso, os críticos do regramento questionam também o custo de aplicação da lei — manter um banco atualizado sobre criminosos sexuais não se justifica, uma vez que não existem dados de que a medida seja eficaz.
Presunção de inocência
O advogado e professor Aury Lopes Jr. classifica a lei como “populista e absolutamente inconstitucional”. Ele explica que o regramento viola a presunção de inocência e impõe um estigma absurdo a alguém que não é definitivamente condenado, já que o nome é incluído no cadastro já após condenação em primeira instância.
“Mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, não seria menos inconstitucional, pois viola o direito à imagem e a dignidade da pessoa humana. Por mais grave que seja o crime, o Estado não tem — legitimamente — o poder de humilhar e enxovalhar o condenado. Pode punir, para isso está a pena, mas não humilhar assim. Ademais, mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, seria absolutamente incompatível com a promessa de ‘ressocialização’ que classicamente é usado como argumento de justificação da pena.”
O criminalista Rodrigo Faucz segue a mesma linha. “Eu acho muito difícil (a lei) servir para a prevenção de crimes sexuais, a não ser em situações bem restritas, como uso para escolas e algumas instituições que lidam com crianças, talvez seja interessante. Mas a lei tem uma falha extremamente grave que é a questão da constitucionalidade, da previsão de estar na lista a partir da decisão de primeira instância. Isso é um absurdo e viola diretamente o princípio da presunção de inocência.”
Luís Henrique Machado, por sua vez, cita que a lei poderia funcionar se fosse usada, por exemplo, por profissionais da rede hoteleira, para coibir esse tipo de crime nesses estabelecimentos. “Com a consulta pelos recepcionistas, poderia evitar a execução do crime no momento do check-in. Se fizer um trabalho integrado entre as Secretarias de Segurança Pública e o setor privado, os resultados podem ser benéficos para a sociedade”, sugere.
Um consenso entre os especialistas, contudo, é o impacto que integrar uma lista como essa pode ter na vida de alguém cuja condenação ainda não transitou em julgado.
“A pessoa pode ser condenada em primeira instância e pode ser absolvida em segunda. E eu acho muito ruim isso, porque tem consequências gravíssimas, como estigma e exclusão social da pessoa. Então, acho que isso tem de ser bem pensado, e nunca apenas após a condenação de primeira instância. Essa é a minha opinião e, sim, existe chance dessa lei vir a ser questionada quanto à sua constitucionalidade”, opina Alberto Toron.
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