Ato exclusivo do juiz, arbitramento do dano e função social da pena
3 de dezembro de 2024, 11h19
Apesar de existirem critérios e parâmetros doutrinários e jurisprudenciais para fixação do dano moral, é evidente que subsiste a dificuldade para fixação destes, enquanto decorrente da causa de pedir — que também não impõe requisitos objetivos às partes, criando um trabalho a mais para o juiz da causa.
Ao estipular os valores é preciso que sejam observados os princípios básicos, como, por exemplo, o princípio da legalidade, da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade; de forma que também é dever da jurisprudência (considerando o termo em lato sensu) estabelecer parâmetros às partes.
A Constituição, ao garantir o direito de reparação dos danos morais, não indicou qualquer parâmetro, dando um amplo poder para os magistrados, o que em alguns casos, remete-se para soluções imprevisíveis e disparatadas.
A falta de indicação legal para arbitrar as indenizações por dano moral dificulta a efetiva prestação jurisdicional, gerando enormes prejuízos para a sociedade, pois é inaceitável um provimento jurisdicional que não solucione devidamente o caso ou que gere, a uma das partes, a sensação de injustiça — que naturalmente desencadeará num descrédito ao próprio Poder Judiciário.
Tanto é verdade, que o Superior Tribunal de Justiça veiculou em seu portal uma notícia [1] sobre a busca de parâmetros para a uniformização do quantum indenizatório, criando, a partir da prática forense, o chamado método bifásico para fixação de indenizações por dano moral. Nesse caso, o valor é analisado considerando o interesse jurídico lesado, com aqueles critérios já ventilados, bem como pelo grupo de precedentes sobre a matéria, tudo isso resguardando o paralelismo com o caso concreto.
O valor da indenização é arbitrado pelo juiz de forma subjetiva, o que, por vezes, deve “imaginar” o cabimento e o valor correspondente, tendo em vista a falta de parâmetros legais para guiar o julgador; entretanto, tais mecanismos judicantes devem ser observados pelos magistrados, como atividade inerente ao dever de fundamentação das decisões judiciais na forma do artigo 93, IX da Constituição.
A falta de uniformidade nas decisões e a disparidade de entendimento dos magistrados ocasionam o arbitramento de valores distintos para casos semelhantes, e, consequentemente, um possível descrédito atribuído pela sociedade comum ao Poder Judiciário; sobremaneira se considerarmos que o método bifásico demanda uma utilização coerente dos precedentes, que são, notadamente, outro tema sensível no direito brasileiro.
A indenização por danos morais a ser arbitrada pelo juiz ocorre com base no bom senso e equidade, em que ninguém além do próprio juiz está credenciado a realizar a operação de fixação do quantum com que se reparará a dor moral — o que está estabelecida de maneira sólida tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Necessidade de observância dos critérios legais
Um ponto que também merece ser abordado é a atividade que compete ao juiz quando analisa o caso concreto para aplicar a lei, pois é uma prerrogativa exclusiva, ficando ao seu critério o valor que irá estipular a título de indenização pelo dano sofrido.
Essa prerrogativa dá ao juiz um amplo poder, tendo em vista a lacuna deixada pelo legislador ao elaborar a lei, que merece a regulação pelos precedentes — especialmente aqueles de maior força, na forma do artigo 927 do Código de Processo Civil.
Desta forma, sempre que for ajuizada uma ação de indenização por dano moral, o magistrado tem que seguir como parâmetro os padrões decisórios, o que, embora ocasionalmente enseje nas diferentes condenações em caso semelhantes, assegurará ao jurisdicionado o mínimo de previsibilidade daquilo que será decidido.
O objetivo do presente estudo não é destituir dos magistrados tal função, nem restringir a atividade à aplicação dos precedentes, muitos menos discutir sobre a necessidade de elaboração de leis que abordem os valores de indenizações devidas em cada caso, mas sim despertar para a necessidade de observância dos critérios legais, especialmente àqueles inerentes ao Direito Processual, garantindo, assim, não somente a aplicação do Direito, mas viabilizando o alcance de um desfecho justo de cada demanda.
Portanto, deve ser levado em conta as circunstâncias de cada caso, para encontrar o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão, uma vez que é impossível a equivalência, certo de o magistrado também poderá optar pela compensação não-econômica [2].
A análise pelo magistrado no momento de arbitrar os valores do dano moral é de suma importância, mas temerária por parte do legislador, que deixou um direito a mercê, restando para a sociedade torcer a favor do bom senso do julgador, sem a fixação dos parâmetros – tal qual o legislador previu, quando da aplicação da pena na esfera criminal, as hipóteses e fases da dosimetria.
Referências
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.
NUNES; Luiz Antônio Rizzatto, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2010.)
CAVALIERI FILHO, Sérgio.Programa de Responsabilidade Civil.10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
DINIZ, Maria Helena: Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. VII.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil:Responsabilidade Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
[1] “O método bifásico para fixação de indenizações por dano moral” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-10-21_06-56_O-metodo-bifasico-para-fixacao-de-indenizacoes-por-dano-moral.aspx
[2] “Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão, e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência. (…) Grande é o papel do Magistrado da reparação do dano moral, competindo, a seu prudente arbítrio, examinar cada caso, ponderando os elementos probatórios e medindo as circunstâncias, preferindo o desagravo direto ou compensação não-econômica à pecuniária, sempre que possível, ou se não houver risco de novos danos.” (DINIZ; Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. V.7, 24ª ed., São Paulo: p. 110-111: Saraiva, 2010.)
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