Contratos administrativos e o reequilíbrio pelo câmbio
2 de dezembro de 2024, 11h19
Diante da recente alta atípica do dólar e do euro, como ficam os contratos administrativos que dependem de objetos precificados em moedas estrangeiras? É legítimo exigir que fornecedores absorvam as perdas? A resposta encontra respaldo não apenas no texto constitucional, mas também na Lei nº 14.133/21, que inovou ao trazer mecanismos mais robustos e objetivos para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
A discussão é ainda mais relevante no atual cenário econômico, onde a variação cambial, excepcional e imprevisível, impacta diretamente a execução de contratos. E este artigo aborda os fundamentos constitucionais, legais e jurisprudenciais que sustentam o direito ao reequilíbrio, orientando tanto empresas contratadas quanto gestores públicos sobre as melhores práticas para lidar com essa questão.
Fundamento constitucional
O artigo 37, inciso XXI da Constituição, estabelece que as condições da proposta devem ser mantidas durante toda a execução do contrato, assegurando o equilíbrio econômico-financeiro. Esse princípio busca garantir que o contrato administrativo reflita as condições pactuadas inicialmente, protegendo tanto o ente público quanto o contratado contra alterações imprevisíveis que possam desequilibrar a equação contratual.
Fundamentos legais
A Lei nº 14.133/21 (Licitações e Contratos Administrativos) trouxe dispositivos aplicáveis ao reequilíbrio econômico-financeiro com maior precisão.
Em primeiro lugar, o seu artigo 5º ressalta a segurança jurídica como princípio, que envolve, para cada caso, solucionar o problema o mais breve possível e evitar potenciais conflitos entre demanda de entrega ou fornecimento do objeto “versus” impasse do pedido de reequilíbrio contratual não resolvido.
Depois, o artigo 92, inciso XI, determina que editais estabeleçam contratos com prazo para a decisão sobre pedido de reequilíbrio e o artigo 123, § 1º, trata do prazo de 1 (um) mês, prorrogável, para decisão sobre requerimentos em geral.
No mérito, o artigo 124, inciso II, alínea “d”, prevê a alteração, por acordo entre as partes, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
De outro lado, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) complementa esse arcabouço normativo, especialmente no seu artigo 20, quando dispõe que decisões administrativas devem considerar suas consequências práticas. No caso, não reequilibrar contrato é deixar um impasse pendente, que pode levar a um sério problema de paralisação contratual.
Para dar outro respaldo ao gestor público, o artigo 22 do normativo acima impõe considerar obstáculos e dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. Isso envolve reconhecer situações do mundo real que o desequilíbrio causa, inclusive, a possível inviabilidade do contrato.
Por fim, o artigo 884 do Código Civil veda o enriquecimento sem causa.
Jurisprudência
Sobre o marco temporal de efeitos do reequilíbrio, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por exemplo, ressaltou que a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é imperativo e seu restabelecimento deve operar com efeitos “ex tunc”, ou seja, retroativos ao marco zero da quebra da equação de equilíbrio, sob pena de não ser integral a solução e haver enriquecimento indevido de uma das partes (TRF da 1ª Região — AC 0087433-77.2000.4.01.0000 — 5ª Turma, Rel. Juiz Marcelo Albernaz, e-DJF1 28/03/2008).
O Superior Tribunal de Justiça, sendo mais específico, enfatizou que, quando o contrato é firmado em reais mas a execução depende de moeda estrangeira, a depender do grau de elevação do câmbio, que indique ser algo excepcional, haverá o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro (REsp 1.433.434/DF, rel. ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 20/02/2018, DJe 21/3/2018).
Procedimentos para requerer o reequilíbrio
Para o pedido de reequilíbrio, a contratada deve seguir sistemática rigorosa, começando por gráfico detalhado da variação cambial da proposta e pelo correr do período contratual, demonstrando a excepcionalidade da oscilação e, dependendo do caso, fazendo uma demonstração até mais ampla, histórica, para contexto próximo, com o fim de demonstrar que o ocorrido não se poderia sequer esperar ou dimensionar as suas consequências, quando se compara a curva ampliada até com os anos anteriores, embora o marco preciso para os cálculos seja a data da proposta na licitação.
Deve planilhar os custos para aferição exata dos impactos da variação cambial sobre o contrato e especificar os valores antes e depois do evento. Por fim, apresentar o pedido formal e monitorar o prazo de resposta.
Análise pela Administração
O ente público contratante deve avaliar os pedidos verificando se a documentação apresentada comprova a excepcionalidade da variação cambial e seu impacto no contrato, aferir a conformidade jurídica do pedido, considerar aspectos de fato e de direito, avaliar os efeitos financeiros do reequilíbrio no orçamento e evitar o comprometimento da execução do contrato, decidindo com clareza na indicação de critérios para aceitar ou rejeitar cada um dos pedidos.
Conclusão
O reequilíbrio econômico-financeiro é direito constitucional e assegurado em normativos infra-constitucionais, sendo direito e dever e garantindo a segurança jurídica e a execução eficiente dos contratos administrativos. Empresas contratadas devem adotar abordagem técnica e metodológica na formulação de seus pedidos, enquanto os gestores públicos devem avaliar os requerimentos com transparência e fundamentação clara.
A recente alta cambial, atípica, reforça a importância do tema, demandando que ambos os lados atuem de forma colaborativa e profissional para preservar o equilíbrio dos contratos administrativos e, consequentemente, o interesse público.
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