Opinião

Pode ser feita a venda de um imóvel em inventário?

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  • é advogada pós-graduanda em processo civil membro do grupo Imobiporelas membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC e membro da Comissão de Processo Civil da OAB/SC.

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1 de dezembro de 2024, 15h28

Os trâmites burocráticos depois da morte de um ente querido são diversos. A morosidade do inventário e a dificuldade de administração dos bens são fatores que culminam em inventários que duram anos e anos sobre discussões e divergências patrimoniais.

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casa de papel, chaves, moedas e calculadora sobre a mesa

A verdade é que, antes de encerrado o inventário e feita a regular partilha dos bens deixados pelo falecido, os seus herdeiros ainda não são considerados proprietários da massa patrimonial que compõe o espólio, mas apenas legítimos sucessores. Para que seja exercido o poder geral da propriedade, com o uso e domínio dos bens, é preciso, via de regra, que a partilha seja feita. Isso inclui a possibilidade de venda de eventual imóvel “trancado” em inventário, estando ele aberto ou não.

Não são raras as vezes em que os herdeiros sentem a necessidade de realizar a venda de determinado bem do inventário para evitar o acúmulo de despesas indesejadas, para facilitar o pagamento dos encargos do inventário, ou para afastar a desvalorização que o bem possa estar sofrendo no mercado. No entanto, a venda de um imóvel em inventário não é, ou não era até pouco tempo atrás, muito facilitada pela legislação.

Até agosto de 2024, a venda de imóvel em inventário (aberto ou pendente) poderia ser feita mediante autorização judicial para a alienação com a expedição de um alvará judicial que autorize a alienação de determinado imóvel.

Autorização para alienação de imóvel

A necessidade de autorização judicial para a alienação do imóvel era baseada na previsão do artigo 619, do Código de Processo Civil, que estabelecia a possibilidade do inventariante (presumia-se a existência de inventário), “ouvidos os interessados e com a autorização do juiz”, de “alienar bens de qualquer espécie”.

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Para que fosse expedido o alvará, permitindo a alienação de imóvel em inventário, era necessário a realização de um pedido judicial, protocolado por advogado, com as informações e justificativas para a realização de venda (depreciação do bem, pagamento das despesas do inventário, dificuldade na manutenção e etc.), além da indicação do preço de mercado do imóvel, com avaliação mercadológica e a informação de consenso ou divergência dos herdeiros.

Aqui é importante destacar que, para o pedido judicial de expedição de alvará, não é necessário que todos os herdeiros concordem com a venda do imóvel, mas que a maioria concorde e que existam justificativas para a alienação, cabendo ao juiz decidir pela alienação ou não conforme o melhor interesse de todos e a preservação dos bens do espólio e dos herdeiros.

Autorização extrajudicial para venda de imóveis

A novidade é que, recentemente, no dia 30 de agosto de 2024, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 571/24 que, dentre outras alterações, possibilitou a autorização extrajudicial para a venda de imóveis inseridos no espólio/inventário, antes da realização da partilha, portanto, pelos herdeiros, por meio de escritura pública.

A Resolução nº 571/24, do CNJ trouxe também importantes alterações sobre a possibilidade de abertura de inventário extrajudicial mesmo que haja interessado menor ou incapaz, ou mesmo quando houver testamento, e outras alterações atinentes ao reconhecimento da união estável no trâmite do inventário, mas que não serão abordadas nesse momento.

Então, especificamente no que tange à possibilidade de alienação de imóvel em inventário, a recente resolução do CNJ mudou o rito anterior estabelecido e trouxe, além da via judicial, uma nova possibilidade para que os herdeiros, de forma mais célere, obtenham a autorização para a realização da venda.

Como a possibilidade de autorização passa a ser aceita, também, pela via extrajudicial, é natural que tenha requisitos e hipóteses bem estabelecidos, servindo a via judicial para quaisquer outras situações que fujam àquelas previstas na resolução que permitam a obtenção da autorização pela via extrajudicial. Ou seja, o pedido de autorização judicial sempre será uma possibilidade aos herdeiros, sobretudo quando houver situações complexas ou de litígio, quando a intervenção judicial é essencial para garantir a regularidade no processo sucessório. Por outro lado, o pedido extrajudicial deve atender a determinados requisitos.

É possível a alienação de bens do imóveis do inventário pela via extrajudicial, por escritura pública, quando (artigo 11-A da resolução 35/07):

  1. houver a concordância/consentimento unânime de todos os herdeiros e do cônjuge/convivente sobrevivente;
  2. houver a discriminação das despesas do inventário (pagamento de impostos, honorários, emolumentos e outras despesas para a lavratura da escritura de inventário);
  3. o valor de venda deve ser destinado em parte ou integralmente ao pagamento das despesas do inventário (impostos, taxas, honorários, etc.) que deverão ser quitadas dentro do prazo de um ano, a partir da data de venda do imóvel;
  4. não houver restrições de bens dos herdeiros ou cônjuge/convivente;
  5. deve constar na escritura pública de autorização para a venda a menção de que as guias de todos os impostos e valores foram apresentadas, bem como a consignação dos valores dos emolumentos notariais e registrais estimados com a indicação das respectivas serventias;
  6. houver prestação de garantia real ou fidejussória a fim de garantir que o produto da venda seja utilizado, em parte ou na integralidade, para pagamento das despesas indicadas.

Imóvel no acervo hereditário

Importante mencionar, ainda, que o imóvel alienado permanecerá no acervo hereditário, mesmo depois de vendido, para equalização das despesas finais, emolumentos, cálculo dos quinhões hereditários, e outros, de modo que será registrado na escritura pública do inventário a sua venda.

A alteração positivada pelo CNJ por meio da Resolução 571/24 permite que o processo de inventário tenha trâmite mais célere. Simplifica a discussão dos herdeiros sobre a destinação do patrimônio, e gera, sem dúvidas, benefícios no mercado imobiliário porque traz maior liquidez ao patrimônio do inventário e assegura a negociação em favor do comprador. Sem falar na preservação do valor de mercado de tais bens que, por vezes, são depreciados pela simples existência de um inventário ou de uma irregularidade sucessória.

Autores

  • é advogada, sócia do escritório Espindola & Cunha Advocacia, pós-graduanda em Processo Civil, graduada em Direito pela Faculdade CESUSC, membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC e membro da Comissão de Processo Civil da OAB/SC.

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