Ainda faz sentido lutar pela democracia no Brasil?
1 de dezembro de 2024, 8h00
Donald Trump venceu mais uma vez as eleições presidenciais norte-americanas e, com isso, a extrema-direita voltará fortalecida ao poder nos Estados Unidos a partir de janeiro de 2025, com o controle do Senado, na Câmara e apoio de uma Corte Suprema abertamente conservadora. Parece ter sido inócua a bandeira “defesa da democracia”, empunhada na campanha do Partido Democrata, pois a acachapante vitória de Trump contou com forte respaldo da população votante do país, o qual ainda se intitula “a maior democracia do mundo”.
A extrema-direita chegou ao poder nos Estados Unidos mediante a eleição de um investigado e condenado por crimes eleitorais, munido de um discurso de ódio recheado de fake news e que antagoniza os residentes do país, defende criminosos que participaram da invasão ao Capitólio em 6/1/2021, mistura religião com política, criminaliza as mulheres que pretendem interromper a gravidez, nega o aquecimento global e rejeita a proteção ao meio ambiente.
Nesse cenário, em que as decisões do povo são tomadas voluntariamente pelo povo contra ele mesmo, ainda faz sentido defender a democracia?
A reflexão é válida e parece ser pertinente para o contexto brasileiro atual, constantemente ameaçado pela volta da extrema-direita ao Poder Executivo federal e projetos de anistia dos condenados pelo 8 de janeiro de 2023. Nesse sentido, a experiência norte-americana de 2024 pode e deve ser compreendida como um relevante alerta para as eleições gerais brasileiras de 2026.
Ao contrário do que muitos pensam, quando se advoga a defesa da democracia no Brasil, seja sob o epíteto de “democracia defensiva” ou outro título qualquer, não se está a prescrever uma nova espécie de judicialização da política ou de ativismo judicial a ser realizada pelo STF ou pelo TSE. Democracia defensiva e Poder Judiciário até podem circunstancialmente caminhar lado a lado, mas a defesa da democracia precisa transcender o mero judiciarismo, sob pena de politizar-se demasiadamente, e com isso, fragilizar-se.
Como se sabe, dentre as atribuições do Poder Judiciário está a guarda da Constituição e do ordenamento jurídico, bem como a defesa da democracia enquanto modelo sozinha, de Estado encampado pela Constituição de 1988. Nesse sentido, é do Judiciário a competência para julgar crimes eleitorais e atentados contra a democracia, inclusive deixando inelegíveis aqueles que atentam contra o Estado Democrático de Direito.
O ponto é que, por mais legítima que seja a atuação do STF, esta certamente não garantirá, sozinha, a permanência da democracia no Brasil nos próximos anos. Precisamos de mais.
A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, a tendência é que as artimanhas utilizadas pela extrema-direita gozem da simpatia do povo e, por isso mesmo, sejam recebidas como entretenimento misturado com protesto. Vale lembrar que, recentemente, um dos candidatos à Prefeitura da Cidade de São Paulo, representante da extrema-direita, intitulou o dia votação de “dia da vingança”, numa demonstração do sentimento que tem movido os extremistas no Brasil. A democracia passou a ter um forte – e perigoso – viés sentimental.
A necessidade de um pacto social
Agora, se realmente houver a intenção de insistirmos no modelo democrático vigente no país, é preciso popularizá-lo por meio de maior e melhor conscientização sociopolíticoeleitoral, dissociando parcialmente a defesa da democracia do monopólio do Poder Judiciário.
A partir da participação de outros atores como imprensa e opinião pública, em um cenário educativo e pedagógico de busca por uma nova coesão social, é preciso convencer a todos e a todas de que a democracia, com suas garantias e idiossincrasias, ainda é o melhor modelo político-institucional a ser seguido no Brasil.
Não vemos meios mais eficazes de promover essa defesa (conceitual) da democracia senão por meio de um “pacto social pelo esclarecimento” (Aufklärung), que busque não doutrinar, mas conscientizar o cidadão sobre os benefícios e desafios de se viver em uma democracia. Assim, plenamente ciente de seu local no mundo, o cidadão terá melhores condições de fazer escolhas políticas mais acertadas, em um contexto protetivo dos valores democráticos, o que certamente irá arrefecendo no tempo este cenário político-ideológico marcado por excessiva polarização.
No século passado, Theodor Adorno falava da possibilidade de emancipação por meio da arte. Talvez este também seja um dos possíveis caminhos para o Brasil de nossos tempos, um dos países mais multiculturais, miscigenados e diversos do mundo.
O belíssimo filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, candidato brasileiro a Melhor Filme Internacional no Oscar 2025, vem despertando uma espécie de orgulho nacional e mobilização nas redes sociais, ao retratar os danos e os traumas que uma ditadura pôde causar a uma família. Na trilha sonora, destaca-se música de Erasmo Carlos: “Descansar não adianta, quando a gente se levanta, quanta coisa aconteceu”.
De fato, o descanso, a passividade, a omissão e a prevalência da anistia dos atos antidemocráticos serão prováveis fatores decisivos para a eventual retomada da extrema-direita ao poder em 2026. É, sim, tempo da Justiça. Mas também é tempo de avaliarmos, por nós mesmos — e não a partir de eventual fanatismo político que nos mova — se ainda faz sentido lutar e defender a democracia.
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