Opinião

Caráter sancionador do direito financeiro na tutela das finanças públicas

Autor

  • Marcelo Cheli de Lima

    é advogado do Senado mestrando em Direito Financeiro e Econômico pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD-USP) e pós-graduado pela Unicamp (Direito e Economia) PUC-MG (Direito Tributário e Aduaneiro e Direito Público) e IBMEC/Damásio (Direito e Processo Previdenciário).

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31 de agosto de 2024, 6h38

O aspecto sancionador do direito financeiro passou por significativa expansão nos anos 2000, especialmente pela entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei nº 10.028.

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Em primeiro lugar, a LRF criou ilícitos institucionais, isto é, condutas praticadas por órgãos ou entidades que podem dar ensejo à aplicação de uma sanção institucional, por exemplo, é requisito essencial de responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente federado. No caso de descumprimento desse requisito, ao ente transgressor poderá ser aplicada uma penalidade, a saber: vedação ao recebimento de transferências voluntárias (sanção institucional).

A proibição de receber transferências voluntárias é bastante prejudicial ao ente da federação, especialmente àqueles entes cuja atividade financeira não é tão pujante a ponto de suprir todas as despesas necessárias à manutenção e prestação dos serviços públicos de sua competência.

No que tange à punição dos agentes públicos individualmente, a LRF não criou nenhum tipo específico na hipótese de descumprimento de suas disposições. No entanto, nos termos do seu artigo 73, prescreveu que as infrações aos seus dispositivos serão punidas segundo o Código Penal; a Lei nº 1.079/1950 — Lei do Impeachment; o Decreto-Lei (DL) nº 200/1967 — crimes de responsabilidade dos prefeitos; a Lei nº 8.429/1992 — Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

Todos os diplomas normativos supracitados dispõem sobre ilícitos e sanções pessoais (recaem sobre a pessoa do agente público responsável). São eles: crimes contra as finanças públicas, crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas, crimes comuns e de responsabilidade praticados por prefeitos e atos de improbidade administrativas.

Os crimes contra as finanças públicas estão previstos no capítulo IV do título XI da parte especial do Código Penal (CP). Os referidos delitos foram incluídos no estatuto repressor por meio da Lei nº 10.028. Os oito tipos penais possuem características em comum. Por exemplo, são tipos abertos e normas penais em branco, pois dependem de uma complementação normativa sem a qual não será possível realizar a adequação típica.

Requisitos de crime contra a administração pública

Por se tratar da espécie de crimes contra a administração pública, como regra, os crimes contra as finanças pública não admitem a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela[1], mas não há óbice à aplicação do referido princípio, desde que presentes os seguintes requisitos[2]: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Os crimes de responsabilidade, por sua vez, emanam da própria Constituição, interessam ao aspecto sancionador do direito financeiro, nos termos do artigo 85, VI, da Constituição, as infrações contra a lei orçamentária.

Spacca

Os crimes de responsabilidade (infrações político-administrativas) podem levar à perda do cargo (impedimento) do presidente da República entre outras autoridades (ministros de Estado, PGR, ministros do STF etc.). As condutas que infringem a lei orçamentária estão descritas no artigo 10 da Lei de Impeachment.

O DL nº 201 também é importante ao aspecto sancionador do direito financeiro, pois dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos prefeitos e vereadores. Com efeito, o artigo 1º dispõe sobre condutas que são consideradas crimes de responsabilidade dos prefeitos, no caso do indigitado dispositivo, o emprego da expressão “crimes de responsabilidade” pelo legislador está equivocado, pois os tipos descritos no artigo 1º são crimes comuns, ficando a cargo do artigo 4º descrever as infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade).

Pelo menos, há 16 delitos que guardam relação com o caráter sancionador do direito financeiro, metade inseridos no DL nº 201 pela Lei nº 10.028. Tal fato é mais um indício da ampliação do arsenal sancionador do direito financeiro promovido por esta lei.

O aspecto sancionador do direito financeiro também está presente na LIA, pois o descumprimento de normas da LRF e as lesões às finanças públicas podem dar ensejo à prática de atos de improbidade administrativa (infrações de natureza administrativa).

No caso da LIA, há pelo menos duas espécies de atos de improbidade administrativa que interessam ao direito financeiro: atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.

Prejuízos ao erário

Na primeira hipótese, prejuízo ao erário, são atos de improbidade administrativa pertinentes ao direito financeiro: realização de operação financeira irregular, prestação de garantia graciosa, concessão irregular de benefício fiscal e ordenar despesa não autorizada.

Na segunda hipótese, isto é, violação de princípios da administração pública, é ato de improbidade administrativa a omissão na prestação de contas, isto é, o agente público será punido quando deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo e desde que obtenha condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades.

Ainda, no que tange às infrações administrativas, no bojo da Lei nº 10.028, estão previstas as infrações administrativas contra as leis de finanças públicas. São quatro condutas que poderão dar ensejo à aplicação de multa de 30% dos vencimentos anuais do agente público.

Conquanto a ampliação significativa do aspecto sancionador do direito financeiro seja evidente, há poucos autores que se dedicam ao seu estudo, diferente do que acontece, por exemplo, com o direito administrativo sancionador. Todavia, não obstante a anomia de estudos sobre o tema, o caráter sancionador do direito financeiro está sempre presente no debate público, desde o processo de impeachment da então presidente Dilma Roussef.

Ademais, contra o ex-presidente da República Jair Bolsonaro foram protocolados pedidos de impeachment, na Câmara dos Deputados, todos relacionados ao descumprimento de normas jurídicas de direito financeiro. Por exemplo, os pedidos 150 e 152, ambos de autoria do senador Jean Paul Prates, que versavam sobre as práticas denominadas de “pedaladas fiscais” e “orçamento secreto”.

São apenas alguns poucos exemplos, pois os descumprimentos das normas de direito financeiro são corriqueiros no dia a dia dos entes federados, mas não vêm à tona por uma série de fatores.

Conclui-se, portanto, que o aspecto sancionador do direito financeiro foi bastante ampliado com o advento da LRF e da Lei nº 10.028. Tal característica tem como função tutelar as normas jurídicas de gestão fiscal responsável, impondo a aplicação de penalidades pela prática de condutas ilegais capazes de atingir as finanças públicas, bem jurídico relevante à manutenção e prestação dos serviços públicos essenciais fornecidos pelo Estado, e a garantia dos direitos fundamentais da população.

 


[1] Súmula nº 599 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

[2] BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Habeas Corpus nº 84.412. Segunda Turma, DJ 19.11.2004.

Autores

  • é advogado do Senado, mestrando em Direito Financeiro e Econômico pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD-USP) e pós-graduado pela Unicamp (Direito e Economia), PUC-MG (Direito Tributário e Aduaneiro e Direito Público) e IBMEC/Damásio (Direito e Processo Previdenciário).

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