Opinião

'Revisão da vida toda': R$ 500 bilhões ou R$ 5 bilhões, eis a questão

Autores

  • Antônio Carlos de Almeida Castro Kakay
  • Marcelo Turbay Freiria

    é sócio do escritório Almeida Castro Castro e Turbay Advogados Associados mestre em Direito pelo IDP pós-graduado pela Universidade de Coimbra (Portugal) professor da UnB (Universidade de Brasília) presidente da Comissão de Investigação Defensiva do Conselho Federal da OAB.

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  • Bruno Fischgold

    é sócio do escritório Fischgold Benevides Advogados e representa os integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público no Mandado de Segurança nº 37.488 em tramitação no Supremo Tribunal Federal.

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30 de agosto de 2024, 6h01

No caso mais emblemático do direito previdenciário brasileiro — “revisão da vida toda” —, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidirá se os segurados que aderiram à Previdência Social antes de 1994 podem ou não optar por uma aposentadoria cujo cálculo considere as contribuições realizadas na “vida toda”, quando essas contribuições proporcionam um benefício mais vantajoso.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Os precedentes evidenciam que se trata de um caso juridicamente complexo e controverso. Em um intervalo de menos de um ano e meio, o STF apresentou entendimentos diametralmente opostos. Até o início de 2024, o cenário era favorável aos aposentados. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) pacificou seu entendimento em julgamento de recurso repetitivo e o Supremo chancelou esse mesmo posicionamento sob o rito da repercussão geral.

A AGU (Advocacia-Geral da União) apresentou, então, um cenário aterrorizante. Mesmo sem embasamento, afirmou que o impacto do julgamento favorável aos aposentados alcançaria quase R$ 500 bilhões em desfavor do erário.

Diante desse quadro, a Suprema Corte reviu seu posicionamento. No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.110/DF e 2.111/DF, em 21 de março de 2024, o tribunal consignou que o contribuinte não tem opção pela regra mais favorável para efeito de cálculo do benefício.

Ainda que prevaleça o entendimento mais recente, algumas questões precisam ser resolvidas. A principal delas diz respeito à modulação dos efeitos dessa reviravolta jurisprudencial. Afinal de contas, o artigo 927 do Código de Processo Civil (CPC), atento ao princípio da segurança jurídica, dispõe que, “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

Spacca

Nos embargos de declaração, os representantes dos aposentados requereram a aplicação do artigo 927 do CPC e demonstraram que há diversas razões para que o tribunal preserve, ao menos, os direitos daqueles que ajuizaram suas demandas no período em que a jurisprudência lhes era favorável. Não obstante, o relator, ministro Nunes Marques, rejeitou os embargos no plenário virtual.

Decisão será presencial no STF

O ministro Alexandre de Moraes formulou pedido de destaque e, por isso, o processo voltará ao plenário físico para que a modulação de efeitos seja decidida de modo presencial. O destaque merece elogios. O tema é complexo, extremamente importante para milhares de famílias. E, por isso, o debate precisa ser o mais amplo possível.

Em especial, as discussões sobre o real impacto orçamentário da revisão da vida toda devem ser aprofundadas, inclusive no caso de eventual modulação de efeitos. Os números apresentados pela AGU sequer são críveis. Por outro lado, o Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), que vem fazendo um notável trabalho na qualidade de amicus curiae, juntou aos autos um detalhado parecer econômico.

Com base em dados divulgados pelo INSS e pelo CNJ, analisados à luz de projeções demográficas, os autores do estudo chegaram a conclusões substancialmente diferentes daquelas apresentadas pela AGU. Considerando as ações judiciais que foram propostas antes do julgamento das ADIs 2.110 e 2.111, foi possível estimar um impacto orçamentário entre R$ 1,5 bilhão e R$ 4,5 bilhões em dez anos, inclusive somados eventuais pagamentos retroativos.

No pior cenário simulado, partindo do improvável pressuposto de que, em todos os processos em tramitação o autor da ação tivesse direito e contasse com sentença favorável, chegou-se ao impacto orçamentário máximo de R$ 9 bilhões.

São números que precisam ser levados em consideração na modulação de efeitos. Se necessário, sejam feitos novos estudos, sejam apresentados novos pareceres econômicos. O que não se pode admitir é que os cálculos da AGU — parte diretamente interessada — gozem de presunção absoluta de correção, fiquem imunes ao contraditório e, ainda assim, definam o futuro de tantas pessoas.

Considerando que a matéria não vem sendo apreciada apenas à luz de argumentos jurídicos e que as discussões econômicas vêm exercendo influência muito significativa, nada mais razoável que todas as partes interessadas possam apresentar seus números e o tribunal possa — no plenário físico, como corretamente requisitado pelo ministro Alexandre de Moraes — decidir a revisão da vida toda de forma definitiva e com base nos dados corretos.

Autores

  • é sócio do escritório Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados Associados, mestre em Direito pelo IDP, pós-graduado pela Universidade de Coimbra, professor da Universidade de Brasilia (UnB) e presidente da Comissão de Investigação Defensiva do Conselho Federal da OAB.

  • é advogado, sócio fundador do Escritório Fischgold Benevides Advogados, mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB, especialista em Direito Administrativo, membro efetivo do Instituto Nacional da Contratação Pública e Autor do livro Direito Administrativo e Democracia – a inconstitucionalidade do princípio da supremacia do interesse público.

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