Opinião

Alterações legais sobre correção monetária e juros nos ativos judiciais

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  • é formada em Comunicação Social e Direito pela Universidade Anhembi Morumbi especialista em direito corporativo e compliance consultora especializada de diversos fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas de investimento e CEO e sócia da PX Ativos Judiciais.

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29 de agosto de 2024, 18h29

No Brasil, há muito se discute a forma mais adequada de se realizar correção de valores monetários e de se aplicar os juros sobre obrigações pecuniárias inadimplidas de modo a cumprir com dois objetivos: evitar a perda de valores pelos credores, em razão da desvalorização do crédito ao longo do tempo, e ainda prevenir a falta de pagamento pelos devedores. Entretanto, essa tarefa precisa ser cumprida de modo a proteger os credores e sem onerar demasiada e indevidamente a parte devedora, incentivando eventual protelação de pagamentos.

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Em razão das discussões em andamento e da indefinição, diferentes formas de atualização e cobrança de juros foram sendo empregadas nos tribunais nacionais, resultando em mais litigância. Até então, alguns tribunais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), aplicam taxa de juros de 1% ao mês, mais correção monetária conforme INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), para os débitos judiciais, já em diferentes tribunais se aplica a taxa Selic ou outras.

Lei nº 14.905/2024

Assim, buscando delimitar um padrão para o procedimento, foi criada e publicada a Lei nº 14.905/2024, que altera o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), para dispor sobre atualização monetária e juros.

A nova lei muda significativamente a forma como a taxa de juros legal é calculada no país. A partir de sua publicação, ocorrida em 28 de junho de 2024, a taxa aplicada deve corresponder ao que determina o artigo 406, do CC, atualizado, ou seja, “quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal”. Segundo o mesmo artigo, em seu §1º, essa taxa será correspondente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária, que foi estipulado como sendo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Pendências e dúvidas

Conforme a própria legislação, esse modo de cálculo deve ser aplicado nos mais diversos tipos de contratos e débitos judiciais, de forma padronizada, já a partir da publicação da lei. Como normalmente acontece diante da promulgação de uma nova lei, questões práticas a serem respondidas irão surgir, ainda mais considerando que a própria legislação deixou pendências a serem resolvidas. Isso porque, conforme o § 2º do artigo 406, “a metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil”.

Uma das questões que já causa algumas preocupações é sobre a possibilidade de ausência de juros em determinados períodos, a depender do cenário econômico do país, em decorrência da aplicação da Selic, ou mesmo a aplicação da Selic de forma simples. Isso porque a nova lei prevê, em seu § 3º do artigo 406, que no caso de a taxa legal apresentar resultado negativo, ele deverá ser considerado igual a zero para efeito de cálculo dos juros no período. Tal situação poderia ser considerada um desvio da finalidade da correção de valores e dos juros, visto que beneficiaria a parte devedora.

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Ativos judiciais e a possibilidade de variações nos valores

Já no contexto dos ativos judiciais, a alteração trazida pela Lei 14.905/2024 também é bastante relevante. A forma de calcular os juros e a correção monetária é um fator determinante no valor final dos créditos, com influência na atratividade e no risco associado a esses investimentos. Essa nova metodologia, baseada na diferença entre a Selic e o IPCA, poderá resultar em variações importantes nos valores envolvidos, especialmente em casos de longo prazo, nos quais as flutuações econômicas têm um impacto maior.

Dessa forma, em um primeiro momento, essa incerteza pode levar a uma reavaliação dos investimentos no mercado de ativos judiciais, para adequação à nova realidade, considerando que a rentabilidade desses ativos estará agora sujeita a uma forma de cálculo diferente em muitos casos.

No âmbito dos créditos judiciais oriundo de precatórios, ou seja, aqueles decorrentes de condenações judiciais contra entes públicos, não há alterações, visto que, nesses casos, com a Emenda Constitucional nº 113/2021, em seu artigo 3º, ficou determinado que, desde 9 de dezembro de 2021 a atualização monetária e os juros da mora são calculados conforme a Taxa Selic.

Como se observa, a Lei 14.905/2024 se configura como uma tentativa de padronização no cálculo dos juros legais e da correção monetária no país. No entanto, a implementação dessa nova legislação ainda traz incertezas, inclusive no mercado de ativos judiciais, no qual a previsibilidade é um fator chave para atrair investimentos. Faz-se necessário analisar a mudança e aguardar as adequações sobre os métodos de cálculo, bem como a resolução dos casos práticos que tendem a surgir.

Autores

  • é formada em Comunicação Social e Direito pela Universidade Anhembi Morumbi, especialista em Direito Corporativo, compliance, advocacia contenciosa e estruturação de operações no mercado financeiro, consultora especializada de diversos fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas de investimento, focados na aquisição de créditos judiciais, CEO e sócia da PX Ativos Judiciais.

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