Opinião

Precedentes qualificados no processo do trabalho e legitimidade recursal do 3º interessado

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26 de agosto de 2024, 17h20

Está sendo julgado o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.331.863, o qual busca reconhecer a legitimidade recursal do terceiro interessado para interpor recurso extraordinário em face de acórdão proferido em incidente de assunção de competência (IAC) no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Mais especificamente, insurgiu-se o recurso extraordinário contra o IAC nº 2, que fixou a seguinte tese: “é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

Bábara Cabral/TST
Prédio do TST, sede do Tribunal Superior do Trabalho

O cerne da controvérsia que será delimitada pelo Supremo Tribunal Federal é se prevalecerá o fundamento utilizado para negar seguimento ao recurso extraordinário, no sentido de que a tutela jurisdicional extraordinária em tais casos deve ser obtida na via das ações individuais, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de legítimo interesse, ou se será reconhecido o direito do terceiro interessado que, embora não tenha sido parte no processo subjetivo em que firmado o precedente vinculante, será por ele alcançado.

Nesse contexto, a título elucidativo, o que o Tribunal Superior do Trabalho afirmou é que o cabimento do recurso extraordinário no caso de precedente vinculante (IAC) firmado pelo Tribunal somente é possível pela parte do processo que deu origem ao incidente em questão, de modo que os terceiros atingidos pelo precedente deveriam aguardar a aplicação deste no seu caso concreto, porquanto a sua legitimidade restaria configurada unicamente no âmbito daquele processo.

Com as devidas venias, penso que os fundamentos empregados pelo Tribunal Superior do Trabalho não devem prosperar e que o Supremo Tribunal Federal confira interpretação que busque ampliar a legitimidade dos terceiros interessados para manejarem o recurso extraordinário em face dos precedentes vinculantes estabelecidos pelo TST. Explica-se.

Preliminarmente, impende destacar que, no âmbito da Justiça Comum, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] não realiza a interpretação direta do texto constitucional, sendo possível a interposição de recurso extraordinário da decisão de segundo grau diretamente ao STF[2], ou seja, em caso de fixação de precedente vinculante por parte do STJ, os terceiros interessados poderão interpor recurso extraordinário da decisão dos Tribunais de Justiças ou Tribunais Regionais Federais que aplicarem o precedente, caso haja afronta direta à Constituição.

Todavia, devido às especificidades da Justiça do Trabalho, relevante acentuar que diferentemente do que ocorre no âmbito da Justiça Comum, o acesso ao Supremo pela via recursal extraordinária, nos processos trabalhistas, só é possível quando se tratar de decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho, ou seja, exige-se o esgotamento da instância perante a Corte Superior Trabalhista.

Questionamento ao STF

Nesse sentido, não se mostra coerente submeter a parte alcançada pela tese firmada em precedente vinculante, ao aguardo da aplicação do entendimento fixado pelo TST nos processos sobrestados que ainda tramitam em instância inferior, principalmente porque a tese é de observância obrigatória e, antes de questioná-la diretamente ao STF, será necessário recorrer ao TST, sob pena de supressão de instância, conquanto o Tribunal já possua posição consolidada sobre o assunto, o que acarretará o prolongamento excessivo do processo, desvirtuando a lógica processual e violando o princípio da eficiência e da razoável duração do processo, que preleciona que o processo deve demorar o tempo necessário para produzir um resultado justo, sem dilações indevidas.

Segundo a doutrina[3] [4], o princípio da razoável duração do processo preconiza que o processo se desenvolverá sem dilações e interrupções indevidas, devendo, ao mesmo tempo, observar os preceitos constitucionais como o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, sem que se descuide da celeridade do procedimento, diminuindo a burocracia processual, eliminando as diligências inúteis, proporcionando maior acessibilidade ao cidadão à efetiva tutela jurisdicional, de modo que deve demorar o estritamente necessário para a produção de seus resultados.

Spacca

Desta sorte, diferentemente do ocorreria na Justiça Comum, onde seria possível a interposição do recurso extraordinário em face do acórdão do TJ ou TRF que aplicaria o precedente vinculante, ilustra-se o que ocorrerá com o terceiro interessado no âmbito da Justiça do Trabalho, caso tenha que aguardar a aplicação obrigatória do precedente vinculante em seu processo que tramita no Tribunal Regional do Trabalho, conforme quadro abaixo:

Noutro giro, compreende-se que se afigura mais viável a aplicabilidade do artigo 987 do CPC [5], nos termos que em interpretado pelo Fórum Permanente dos Processualistas Civis, por meio dos Enunciados 94 e 604:

94. (art. 982, § 4º; art. 987) A parte que tiver o seu processo suspenso nos termos do inciso I do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

604. (arts. 976, §1º; 987). É cabível recurso especial ou extraordinário ainda que tenha ocorrido a desistência ou abandono da causa que deu origem ao incidente. (Grupo: IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência)

Ademais, a jurisprudência do STF já reconheceu anteriormente a legitimidade e o interesse recursal daqueles que são atingidos pelos precedentes, porquanto no julgamento da Repercussão Geral do Recurso Extraordinário com Agravo 1.307.386/RS (relator ministro Luiz Fux — Presidente), o plenário virtual aprovou voto cujas razões expressam a legitimidade dos “envolvidos nos processos subjetivos” para recorrer de deliberações relacionadas aos precedentes vinculantes [6], procurando dar amplitude à tese por meio de pronunciamento de tribunais superiores.

Nessa esteira, aguardar-se-á o julgamento definitivo do ARE 1331863, na esperança de que o STF reconheça a legitimidade recursal do terceiro interessado para interpor recurso extraordinário em face do Acórdão que estabelece o precedente vinculante no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, haja vista que o prevalecimento do entendimento manifestado pelo TST para denegação do recurso extraordinário, no sentido de não reconhecer a legitimidade recursal do terceiro interessado para a sua interposição contra o Acórdão em que fixado o precedente, poderá surtir efeito contrário ao pretendido, pois gerará maior acúmulo de recursos ao tribunal superior e, consequentemente, maiores custos e o prolongamento excessivo de processos desnecessariamente, o que insofismavelmente contraria os princípios da razoável duração do processo e da eficiência.

 


[1] O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. É de sua responsabilidade a solução definitiva dos casos civis e criminais que não envolvam matéria constitucional nem a justiça especializada.

[2] Súmula 126/STJ – É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.

[3] O princípio da duração razoável do processo, pois, impõe que o processo dure “o mínimo, mas também todo o tempo necessário para que não haja violação da qualidade na prestação jurisdicional”. Em outras palavras, por força da garantia de duração razoável, o processo não pode demorar nem um dia a mais, e nem um dia a menos, do que o tempo necessário para produzir um resultado justo (entendido este como o resultado constitucionalmente legítimo). TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31.

[4] A garantia de duração razoável do processo deve, pois, ser compreendida como a garantia de que o processo se desenvolverá sem dilações indevidas, não demorando mais (nem menos) do que o necessário para a produção de resultados justos, conformes com o ordenamento jurídico. A questão que se põe, então, é a seguinte: como obter este resultado, de modo a construir-se um sistema de prestação de justiça civil eficiente (CÂMARA, 2017, p. 87)

[5] Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

§ 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

§ 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

[6] […] A partir do momento em que o recurso extraordinário se mostra como o caminho adequado para permitir a análise definitiva da correta interpretação do ordenamento pelo Supremo Tribunal Federal, na sistemática dos julgamentos de questões repetitivas, bem como medida necessária para que os envolvidos nos processos subjetivos aos quais a tese será aplicada possam exercer sua liberdade com isonomia e segurança jurídica, é seguro afirmar que os recursos mencionados pelo legislador no artigo 987 podem ser validamente manejados também pelos interessados cuja argumentação prevaleceu no incidente […]. (STF, ARE-RG 1307386/RS, Rel. Min. Presidente Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe-108 de 11.6.2021)

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