Retrocesso da Justiça do Trabalho na apreciação do preparo recursal
25 de agosto de 2024, 15h26
É importante contextualizar o antagonismo entre a modernização dos meios de pagamento, como o Pix e os bancos digitais, e algumas decisões dos tribunais trabalhistas, que têm negado conhecimento a recursos, por deserção, devido à ausência do nome da parte no comprovante de recolhimento do preparo recursal. Esse cenário pode representar um retrocesso, uma vez que empresas vêm sofrendo com decisões inesperadas que negam conhecimento a recursos, apesar de terem pago as custas do processo.
A convalidação desse entendimento pelo judiciário trabalhista contrasta com o contexto tecnológico atual e se afasta do princípio da instrumentalidade das formas e da economia processual, amplamente reivindicados pelos jurisdicionados no país. Para a interposição de recurso ordinário na Justiça do Trabalho, a parte sucumbente deve efetivar o preparo recursal no mesmo prazo que possui para interpor o recurso.
As custas são recolhidas através da guia de recolhimento da União (GRU), que deve ser emitida em nome da parte recorrente, com a identificação (CPF ou CNPJ), o nome do adversário, o número do processo e o tribunal competente. O TST (Tribunal Superior do Trabalho), em 2002, regulamentou o preenchimento da GRU pela Instrução Normativa nº 20/2002, exigindo apenas a apresentação do comprovante de pagamento no respectivo processo. Preenchida a guia com o nome do contribuinte (parte recorrente) e a indicação do processo e tribunal, a finalidade do ato, que é destinar aos cofres públicos o valor pela movimentação do Poder Judiciário, está cumprida.
A indicação da parte como “contribuinte/recolhedor” na guia GRU é suficiente para a validade do pagamento, conforme o artigo 304 e parágrafo único do Código Civil Brasileiro, que regulamenta o pagamento das obrigações. Assim, o depósito realizado por terceiro em nome da parte processual não traz qualquer vício ao cumprimento da obrigação ou dificuldade na identificação do contribuinte/recolhedor.
O artigo 8º da Instrução Normativa STN nº 2/2009 estabelece que, caso seja necessária a restituição das custas, essa deverá ser requerida pelo contribuinte que consta da guia a ser restituída. Ou seja, o valor depositado através da GRU pertence à parte do processo, não ao pagador indicado no comprovante bancário. O pagamento em nome de terceiro não altera a condição de contribuinte da parte processual.
Esse entendimento foi reiterado recentemente pelo ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho:
“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA NÃO ANALISADA. CUSTAS. PAGAMENTO EM CONTA DE TERCEIRO. VALIDADE. O recolhimento das custas foi feito em nome da reclamada, com indicação do CNPJ e do número do processo. Apenas o comprovante bancário de pagamento da guia aponta como titular da conta debitada empresa estranha à lide. Regular, portanto, o preparo do recurso de revista. Agravo parcialmente provido, para reexaminar o agravo de instrumento.” (TST – Ag-AIRR: 0000346-81.2022.5.08.0017)
Portanto, a guia com identificação da parte recorrente como contribuinte, ainda que o comprovante bancário indique pessoa diversa como pagador, não foi quitada em nome de terceiro. Qualquer exigência imposta à parte recorrente como condição para recebimento do recurso deve ter expressa previsão legal, sob pena de violação ao princípio da ampla defesa.
A negativa de conhecimento ao apelo, apesar do correto preenchimento da GRU, viola o princípio da legalidade, pois não há dispositivo legal que imponha a obrigação de que a pessoa indicada no recibo de transferência bancária coincida com a parte recorrente/contribuinte/recolhedora.
Restrição de acesso a bancos públicos
A situação é ainda mais delicada quando a parte recorrente é uma instituição com acesso restrito ou vedado a bancos públicos. A emissão da GRU Judicial deve ser realizada pelo sítio da Secretaria do Tesouro Nacional na internet ou em aplicativos do Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal. Se a parte tem acesso restrito a esses bancos, fica dificultado o pagamento da GRU em seu próprio nome. Por isso, instituições firmam contratos para pagamentos diários de boletos e guias, utilizando valores da própria instituição.
Dessa forma, ainda que terceiros realizem o pagamento da GRU, eles o fazem utilizando os valores da parte reclamada. Não se admitir essa forma de quitação de guia é impor à parte o necessário o comparecimento presencial à uma agência bancária, emissão de muitos cheques ou porte de dinheiro em espécie, o que não é razoável na era digital.
A vedação de que o terceiro realize o pagamento de guias para fins de preparo recursal vai de encontro ao artigo 304 do Código Civil Brasileiro, que autoriza a quitação da dívida por qualquer interessado, desde que o faça em nome do devedor. Outros exemplos incluem pagamentos de Duda’s para emissão de CNH, onde o nome e CPF do requerente devem constar na GRU, independentemente de quem efetuou o pagamento.
A exigência de que o pagamento seja feito pela parte processual, não permitindo que terceiros o façam, colide com a liberdade de contratação e o princípio da legalidade. Há clara violação à Tese 725 firmada pelo STF, que permite a terceirização de serviços. A negativa de recebimento de GRU paga por empresa terceirizada viola a liberdade de contratar e terceirizar serviços, garantida pelo STF.
Portanto, as decisões dos tribunais trabalhistas que obstruem o processamento de recursos das partes que efetivam o preparo em seu próprio nome, utilizando terceiros para operacionalizar o pagamento, merecem amplo debate e revisão para se adequar ao sistema legal e garantir o princípio da ampla defesa.
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